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Local da fundação do Vasco vira local de festas organizadas por moradores

Uma pracinha com coreto, clima de interior e cercada de prédios antigos bem no Centro do Rio. Parece imaginação ou coisa dos tempos da vovó. Mas esse lugar existe, sim, e se chama Praça da Harmonia (ou, oficialmente, Praça Coronel Assunção), na Gamboa. No boca a boca, esse pedaço da Zona Portuária vem despertando a atenção dos cariocas pelas festas e movimentos culturais que passou a abrigar. Nada parecido com o que rola na Praça Mauá: lá, não há bares badalados e a programação é comandada por moradores, no maior clima de família.

Nos dois últimos sábados, mesmo assim, mais de duas mil pessoas se aglomeraram na Praça da Harmonia para o Arraiá da Prata Preta, grupo que surgiu há dez anos com a criação de um bloco de carnaval. A festa junina bombou no Facebook. O mesmo pessoal do Prata Preta agora trabalha para reativar o Clube Filhos de Talma.

A sede do clube, de 1888, na Rua do Propósito, a poucos passos da Praça da Harmonia, foi recuperada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), por meio do programa Porto Maravilha Cultural. A inauguração oficial é prevista para agosto, após o aniversário do clube, que completou neste domingo 135 anos. Festeira, a turma do Prata Preta combinava na semana passada alguma comemoração.

Aliás, no sábado, o prédio já começou a balançar com os ensaios do bloco. A volta do Filhos de Talma - uma homenagem ao dramaturgo parisiense François Joseph Talma, que viveu na virada do século XVIII para o XIX - promete mais agito para a pacata Praça da Harmonia.

- A gente diz que a nossa sede física fica na Rua do Propósito, e a ao ar livre na Praça da Harmonia - diz Fábio Sarol, da diretoria do Prata Preta e do Filhos de Talma.

Prata Preta era o "capoeira" Horácio José da Silva, que liderou durante a Revolta da Vacina, em 1904, uma barricada naquele local que ficou conhecido como Porto Arthur. Naqueles tempos, o mar ia até onde hoje é a praça, urbanizada após a revolta como uma forma de apagar o passado de batalhas. Além de bonita, a pracinha é cheia de histórias...

- O Filhos de Talma era um clube de teatro, social e esportivo que estava parado. No passado, havia bailes e a gente jogava futebol de salão. Mas o prédio foi condenado pela Defesa Civil - explica o presidente do clube, Emilson Ramos da Silveira, de 70 anos, sócio do Filhos de Talma desde os 14.

O clube funcionou com bailes e reuniões sociais até meados dos anos 1980. Com uma lista de eventos já pronta, o pessoal do Prata Preta avisa que haverá no endereço cursos de teatro, sopro, percussão, dança afro e dança de salão. O espaço também funcionará como bar e palco para apresentações de MPB, samba e rock. A intenção é transformar o lugar num novo point na Gamboa. Ou Saúde.

Bairrista, como muitos moradores do entorno da Praça da Harmonia, Emilson não aceita que o lugar seja chamado de Gamboa:

- Para o nativo, aqui é Saúde!

O Prata Preta - cujas cores, da bandeira da França, são as mesmas do Filhos de Talma - começou a movimentar de fato o lugar, atraindo gente de fora da região, há cerca de três anos, junto com o boom que atraiu os olhos dos cariocas para a Zona Portuária. Nesse meio tempo, outro grupo passou a animar a pracinha: o Velhos Malandros, que todo terceiro domingo do mês promove feira de artesanato afro e roda de samba, sempre com convidados especiais.

- Completamos um ano na praça, que começou a ser revitalizada pelo Prata Preta. Há dois anos, quase não tinha evento - lembra o jornalista Alexandre Nadai, fundador do Velhos Malandros.

O nome oficial não é bem aceito pelos moradores, que preferem ainda chamar o espaço de Praça da Harmonia, uma referência ao Mercado da Harmonia, que funcionou ali no fim do século XIX. Mas o coronel Assumpção (no século XIX escrito com um P no meio) é o único homenageado com um monumento na pracinha, onde fica o 5º Batalhão da PM. Policial militar, ele lutou na Guerra do Paraguai e depois foi nomeado comandante geral da Polícia Militar da Corte.

O batalhão é uma das construções históricas a serem observadas. Em volta ainda há um dos prédios do Moinho Fluminense, todo de tijolinhos como as construções industriais inglesas do século XIX; o edifício modernista do Albergue da Boa Vontade, de Affonso Eduardo Reidy e Gerson Pinheiro; e um conjunto de sobrados do início do século XX em estilo eclético. Alguns deles abrigam autênticos pés-sujos, frequentados à noite.

A arquiteta Liana Brazil, que levou há três anos para a área a produtora SuperUber (que também tem escritório em Nova York), se derrete quando fala da praça:

- Além de lindinha, ela tem muita coisa legal feita pelos moradores. Tem bloco de carnaval, festa junina com bandeirinhas... Não existe praça mais no Rio assim, com coretinho no meio e construções históricas ao redor.

Fonte: O Globo