Lembra dele? Cestaro abandona o futebol precocemente
Falar de Vasco não é uma tarefa das mais fáceis para José Cestaro Saiago. Percebe-se rapidamente que emoções tão distintas afloram no ex-goleiro que defendeu a camisa cruz-maltina por quase 14 temporadas seguidas. E dois sentimentos opostos são os mais fáceis de notar: o orgulho, pela porção de histórias conquistas pelo clube - como o título da Copa do Brasil de 2011 pelo time principal - e a frustração, por ter precocemente se aposentado aos 21 anos de idade sem ter sido valorizado à altura da sua trajetória na base do time de São Januário, onde colecionou canecos e a braçadeira de capitão por quase todas as categorias.
De gênio forte, Cestaro abandonou a carreira em 2011. Reserva de Fernando Prass, viu a concorrência aumentar com a chegada de novos goleiros e, então, irritou-se com a diretoria do Cruz-Maltino. Não aceitou a ideia de rodar por outras equipes. Decidiu, então, largar tudo, entrou em uma depressão profunda e colocou fim a uma história que começou em 1997, quando tinha apenas sete anos.
- Do Vasco, eu tenho uma certa tristeza. Não pelas pessoas, mas pela instituição. Poderia ser aproveitado mais de mim. Na época, saiu o Eurico e entrou o Roberto (Dinamite), uma nova administração. Subi essa época, e eu quis parar. Não quis continuar. Achava aquilo um absurdo o que tinham feito comigo. Eu não queria ir para time pequeno e tal, ficar batendo cabeça. Queria viver a minha história no Vasco. Decidi viver uma vida normal, porque a de jogador não é normal. Quando eu resolvi parar, todo mundo me criticou, ninguém aceitava o meu término de carreira. Mas foi uma decisão minha - conta o ex-goleiro aos 26 anos.
Natural do Rio de Janeiro - onde ainda mora atualmente -, Cestaro chegou à base do Vasco em 1997 após se destacar por campeonatos de futsal. Formado na mesma geração de nomes como Allan (Napoli), Alex Teixeira (Jiangsu Suning) e Rômulo (Spartak Moscou-RUS), foi campeão - incontavelmente, como relata - em diversas categorias e quase sempre ostentou o posto de capitão de clube. Em 2009, subiu ao time principal quando o clube disputava pela primeira vez a Série B do Campeonato Brasileiro. Passou a ser figura constante no banco de reservas e virou uma opção para o titular Fernando Prass.
No ano seguinte, foi efetivado ao elenco profissional e permaneceu por lá até 2011, ano em que fez parte do grupo comandado por Ricardo Gomes que venceu a Copa do Brasil. Apesar das três temporadas pelo time de cima, jamais conseguiu entrar em campo e, por conta disso, não esconde a decepção por não ter levado a sua história em São Januário adiante.
- Na realidade, eu era um talento. O Vasco não revelava um goleiro há muito tempo, e eu era esse cara a ser revelado. Eu fui um talento desperdiçado, porque todo mundo acreditava. Você não tem noção de como as pessoas acreditavam em mim, que eu seria o próximo goleiro do Vasco. Todo mundo sabia do meu potencial, apesar de ser jovem. Sempre tive uma personalidade muito grande, de decisão. Todo mundo sabia que eu era o próximo a estar lá. Todo mundo gostava de mim. Isso tudo me magoou. Eu não queria ir para outro lugar. Poderia ter ido, mas eu não quis. Quis parar ali mesmo - conta ele.
Deixar o Vasco e tocar a vida longe do futebol fez com que Cestaro tivesse que encarar de frente dois duros problemas: as críticas - inclusive familiar - e uma profunda depressão. Assim, teve que recorrer ao trabalho para seguir em frente. Virou empresário, abriu uma franquia de um restaurante e, hoje, cinco anos após o ponto final na carreira, garante ter enfim deixado para trás a antiga rotina de jogador de futebol, apesar de ainda guardar um "constrangimento".
- Eu entrei numa depressão profunda. Fiquei um tempo, uns meses, em depressão. A família não aceitava. Foi um baque muito grande, poque estava lá desde criança e tal. Aí eu fui trabalhar, cara, fui trabalhar como uma pessoa normal. Aí eu fui dar valor a vida, ao dinheiro, ao trabalho, as conquistar. Fui crescendo e conquistei várias coisas. Eu tinha três lojas aí vendi, eram restaurantes. Tinha uma franquia. Hoje estou bem, estou tranquilo. Já passou. A gente fica chateada com isso tudo. Hoje em dia já é passado, mas tem um constrangimento na nossa cabeça sobre isso. Foi uma oportunidade desperdiçada, entendeu? Fui um talento jogado fora. Mas o que aconteceu comigo, é o que acontece com muitos jovens também, infelizmente é a realidade.
Confira a entrevista completa com José Cestaro:
A chegada ao Vasco
- Não tem como esquecer de nada, né, cara? Foi em 97. Eu comecei no CCIP em Pilares, fui para a seleção carioca de futebol de salão, e um dirigente me levou para o Vasco. Desde então, comecei no futsal do Vasco, era capitão no fraldinha e fui até o profissional.
Incontáveis títulos na base
- Não lembro, foram muitos. Desde o fraldinha, não tem como lembrar. Mas bota aí uns 20 títulos, no mínimo. Fui capitão na maioria deles. Até no juniores, onde fiquei um bom tempo. Fui campeão estadual depois de quase 10 anos que o Vasco não conquistava. Foi comigo, na minha geração. Fui campeão brasileiro sub-17. Tem muito título.
A aposentadoria aos 21
- Eu sempre tive a personalidade muito forte. Sempre fui um cara de palavra, que sempre corri muito atrás das coisas. Vi muitas coisas erradas. Eu nunca tive ninguém, nunca fui apadrinhado por ninguém, nunca tive empresário, enfim. Quando eu fui para o profissional, passei por muitas coisas, como a chegada de outros goleiros, tinham empresários que queria me tirar, complicado. E, na realidade, a vida de um jogador de futebol não é de uma pessoa normal, de uma pessoa comum, entendeu? Eu só fui dar valor depois que eu resolvi parar, fui dar valor a dinheiro, a trabalho, porque eu não dava valor a nada disso, devido ao deslumbramento de quando se é jovem. Isso não tem jeito. Mas eu resolvi parar, eu quis sair do Vasco. Ninguém queria que eu saísse. Na época, os goleiros eram eu, o Fernando Prass, o Tiago e alguns da base. O Tiago foi embora um tempo depois e trouxeram o Alessandro para o meu lugar, que veio do Grêmio, enfim. Na realidade, eu era um talento. O Vasco não revelava um goleiro há muito tempo, e eu era esse cara a ser revelado. Eu fui um talento desperdiçado, porque todo mundo acreditava. Você não tem noção de como as pessoas acreditavam em mim, que eu seria o próximo goleiro do Vasco. Todo mundo sabia do meu potencial, apesar de ser jovem. Sempre tive uma personalidade muito grande, de decisão. Todo mundo sabia que eu era o próximo a estar lá. Todo mundo gostava de mim, porque já estava lá desde 97. Isso tudo me magoou. Eu não queria ir para outro lugar. Poderia ter ido, mas eu não quis. Quis parar ali mesmo. Do mesmo jeito que aconteceu ali, aconteceria em outros lugares, porque em muitos lugares, o talento não é reconhecido, ele é pulado por etapas do dinheiro.
Críticas
- Do Vasco, eu tenho uma certa tristeza. Não pelas pessoas, mas pela instituição. Poderia ser aproveitado mais de mim. Na época, saiu o Eurico e entrou o Roberto, uma nova administração. Subi essa época, e eu quis parar. Não quis continuar. Achava aquilo um absurdo o que tinham feito comigo. Eu não queria ir para time pequeno e tal, ficar batendo cabeça. Queria viver a minha história no Vasco. Decidi viver uma vida normal, porque a de jogador não é normal. Quando eu resolvi parar, todo mundo me criticou, ninguém aceitava o meu término de carreira. Mas foi uma decisão minha.
"100% seguro"
- Como pode um goleiro que ficou no clube desde os sete anos de idade chegando aos 20 profissionalmente e não ser aproveitado, ainda com o talento que eu tinha? Já não se faz mais goleiros como a escola do Vasco antes. Pode ver que o Vasco não revela mais goleiro. Tem o Jordi, mas... É a realidade, não passa 100% de segurança como eu passava. Eu ia para o gol, e as pessoas tinham confiança em mim. Sabiam que, quando precisava, na hora que fosse, eu ia fazer o trabalho bem feito. As pessoas confiavam. Sabia que era difícil a bola passar, a gente perder um jogo...
A depressão, a rejeição e a nova vida
- Eu entrei numa depressão profunda. Fiquei um tempo, uns meses, em depressão. A família não aceitava. Foi um baque muito grande, poque estava lá desde criança e tal. Aí eu fui trabalhar, cara, fui trabalhar como uma pessoa normal. Aí eu fui dar valor a vida, ao dinheiro, ao trabalho, as conquistas. Fui crescendo e conquistei várias coisas. Eu tinha três lojas aí vendi, eram restaurantes. Tinha uma franquia. Hoje estou bem, estou tranquilo. Já passou. A gente fica chateada com isso tudo. Hoje em dia já é passado, mas tem um constrangimento na nossa cabeça sobre isso. Foi uma oportunidade desperdiçada, entendeu? Fui um talento jogado fora. Mas o que aconteceu comigo, é o que acontece com muitos jovens também, infelizmente é a realidade. Mas eu aí firme e forte.
De frente com Ronaldo Fenômeno, em 2009
- Teve uma semifinal da Copa do Brasil do Vasco contra o Corinthians no Pacaembu, com o Ronaldo jogando pelo Corinthians. Eu nunca tinha visto o Ronaldo de perto. No jogo de ida, foi 1 a 1 no Maracanã e lá no Pacaembu foi 0 a 0. Como eu era reserva do Prass, fazia parte do aquecimento, e eu tinha que ficar no meio de campo para ele fazer a reposição. O Carlos Germano, que era o treinador de goleiro, ficava cruzamento na lateral, e o Prass saia e fazia a reposição. Mas, cara, quando eu me dei conta, eu estava do lado do Ronaldo no meio de campo. Eu paralisei totalmente, fiquei olhando para ele, não estava acreditando. Quando me dei conta, o Germano estava me gritando, porque não tinha mais bola para o aquecimento, todas que o Prass tinha batido, tinham passado todas. Eu fiquei estático por causa do Ronaldo.
Ainda acompanha o Vasco?
- Eu sou vascaíno, não tem como não assistir. Eu vejo quando eu posso, devido ao trabalho, essas paradas. Mas não vejo com muito tesão, sabe? Eu assisto, curto, até porque, pelo que eu vivi, sempre vou gostar.
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