Futebol

Impasse entre Vasco e Fla-Flu pelo Maracanã movimenta o clube e a Justiça

Embalado em sua campanha para retornar à Série A, o Vasco solicitou a mudança da partida contra ao Cruzeiro de São Januário para o Maracanã. O jogo, válido pela 12ª rodada da Série B, aconteceu em pleno dia dos namorados e levou 63.609 pessoas ao estádio. Com tamanho sucesso não só de público, mas também de arrecadação — o cruzmaltino lucrou R$ 652.690,19 —, o Vasco quis repetir a dose. E foi aí que encontrou resistência.

Três dias após o confronto contra o Cruzeiro, o clube informou, através de nota, que solicitou a que a partida contra o Sport, marcada para 3 de julho, também fosse realizada no Maracanã. No documento, o clube informou que “entende que será um jogo de alta demanda de público, em dia e horário nobre, envolvendo um confronto tradicional do futebol brasileiro entre o atual terceiro e quarto colocado na competição (à época), e que sua torcida será capaz de quebrar novamente o recorde de público do Campeonato Brasileiro da Série B 2022”.

A resposta veio alguns dias depois, na última quarta-feira, dia 22. O Consórcio Maracanã, administrado por Flamengo e Fluminense, negou o pedido. O CEO, Severiano Braga, baseou sua negativa em um relatório da Greenleaf, empresa que cuida do gramado do estádio. O documento foi anexado à resposta.

O que alegou o consórcio

Em ofício enviado ao presidente do Vasco, Jorge Salgado, o CEO do consórcio afirmou que a partida "inviabiliza o cumprimento mínimo de intervalo recomendado para manutenção da qualidade do gramado, conforme informado pela Greenleaf, empresa responsável pela manutenção do gramado do Estádio do Maracanã". Também foi informado ao Vasco que há um jogo do Fluminense marcado para o dia anterior, e que além disso, já existe um calendário de jogos para julho, que podem atingir dez partidas, a depender do desempenho de Flamengo e Fluminense na Copa do Brasil.

O relatório da empresa afirma que o ideal seriam 50 partidas por ano, sendo que não mais do que uma por semana. E que a realização de jogos com menos de 24 horas de intervalo, como já aconteceu recentemente, “dificulta muito a manutenção e o preparo do campo, sequer respeitando um intervalo mínimo aceitável de três dias". E que nesta época do ano de outono/inverno “a grama entra num estado de quase dormência, com seu crescimento praticamente paralisado devido as baixas temperaturas”.

O Vasco fez um pedido de reconsideração e divulgou uma nota pública de repúdio. Para o clube, a negativa era “absurda” e a postura do Consórcio Maracanã “arbitrária e ilegal”. E afirmou também que “o Maracanã tem recebido rotineiramente jogos com intervalo de 24h ou menos. Só nessa temporada foram duas ocasiões, em 2021 seis vezes e 2020 outras seis”.

Discussão nos tribunais

Apesar do pedido de reconsideração, o Consórcio Maracanã manteve a sua posição, o que foi comunicado ao Vasco na quinta-feira, dia 23. No mesmo dia, o clube entrou na Justiça contra o Flamengo — quem responde juridicamente pelo consórcio. O processo foi aberto na 51ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Os advogados do Vasco, além de repetirem o teor da nota de repúdio, também sustentam que o consórcio está descumprindo o edital de licitação. Entre as alegações estão a de que “o contrato de permissão de uso do Complexo Maracanã não abre qualquer possibilidade de negativa de utilização pelos outros clubes". E pedem que “seja autorizada a partida no Maracanã "nas mesmas condições comerciais praticadas aos jogos do Fluminense no ano de 2022". Os advogados também lembraram que no dia 12 de junho o Vasco jogou no estádio "menos de 24h depois da partida entre Fluminense e Alético Goianiense sem que tenha havido qualquer reclamação ou incidente com relação ao estado do gramado".

Já o Flamengo informou que apresentará à Justiça um laudo técnico que prova os prejuízos ao espetáculo, com danos ao gramado e até aos atletas, por consequência, do excesso de jogos no estádio. Esse laudo contará com o parecer da Greenleaf, assinado no dia 13 de junho, que questiona a quantidade de jogos, principalmente aqueles com intervalos inferiores ao de 24 horas.

Vereadores acionam o MP

Na sexta-feira, dia 24, os vereadores Tarcísio Motta (PSOL) e Alexandre Isquierdo (União) enviaram um ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro pedindo a aberta de um inquérito civil público. No pedido, a dupla de vereadores anexou o termo de permissão onerosa e uso do Maracanã, assinado entre o governo do estado e Flamengo e Fluminense, e destacaram a cláusula 2ª, em que diz que “a permissionária deverá possibilitar a utilização em condições de igualdade pelos demais clubes de futebol profissional”.

“Tendo em vista tratar-se aqui de uma permissão de uso e de um bem público, deve prevalecer o interesse público, e o regime jurídico próprio dos bens públicos, não havendo espaço para qualquer contrariedade às obrigações do Termo de Permissão, para tratamentos discriminatórios ou para a violação dos princípios constitucionais da supremacia do interesse público e da impessoalidade com fins de privilegiar interesses privados ou satisfazer rivalidades clubísticas”, diz parte do pedido dos vereadores.

O que diz o governo

Já o governo do Rio de Janeiro, através de através da Casa Civil, enviou um documento notificando aos presidentes do Flamengo e Fluminense, e também o CEO do consórcio, "por flagrante infração ao previsto no Termo de Referência e demais documentos que consubstanciam o Termo de Permissão de Uso do Completo do Maracanã.

O documento, assinado por Luiz Felipe Monteiro de Barros e Fernando Cunha, presidente e membro do Comitê de Fiscalização e Operação da Permissão de Uso do Complexo Maracanã, respectivamente, alega também que "é vedada a prática de ato injustificado que resulta na vedação à utilização do Complexo Maracanã, em especial ao Estádio Jornalista Mário Filho".

A dupla afirma que "tal conduta restou comprovada ao negar ao Clube de Regatas Vasco da Gama o direito de realizar a partida pelo Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão contra o Sport Clube do Recife no dia 03/07/2022 de forma injustificada". E solicitaram que "seja imediatamente reconsiderada a negativa de utilização, sob pena de imposição de sanções".

Eles estipularam até o meio-dia desta segunda-feira o prazo para receberem uma resposta.

Flamengo e Fluminense

Flamengo e Fluminense, nos bastidores, entendem que a prioridade dos jogos devem ser deles, já que administram o estádio. A dupla assumiu o controle do Maracanã em 2019, durante o governo Wilson Witzel. A princípio, a administração deveria durar 180 dias, tempo em que o governo prepararia uma licitação. Porém, três anos depois, esse processo ainda está correndo e os clubes continuam com a administração provisória do estádio. O novo edital, que ainda não foi finalizado, é direcionado para que a nova administração seja conjunta entre Flamengo, Fluminense e Vasco (Botafogo não tem interesse).

O Consórcio tem dados que mostram que já foram gastos ao menos R$ 18,5 milhões com a manutenção do estádio. Os gastos são de R$ 8,4 milhões de outorga; R$ 7,6 milhões no gramado, sendo R$ 3,6 milhões na compra de três lâmpadas holandeses que fazem a grama crescer mais rápido; R$ 1,5 milhão na reforma da cobertura do estádio que corria o risco de cair; e R$ 1 milhão na troca da parte elétrica.

Fluminense vetado

O que também tem sido lembrado nos bastidores é o veto do Vasco ao Fluminense, em março. Com o Maracanã fechado por causa da troca do gramado, o tricolor jogou uma partida pela Libertadores em São Januário. O clube seguiu o regulamento da Conmebol e retirou imagens do Vasco de perto do campo. Porém, uma cruz de malta foi fotografada tapada atrás de uma baliza.

A imagem, somada a alguns atos de vandalismo no estádio por parte da torcida do Fluminense, criou uma reação de vascaínos que pediram que o estádio não fosse mais utilizado pelo tricolor. O aluguel de São Januário foi cancelado mesmo com uma partida já marcada.

Esse jogo, que foi contra o Olímpia do Paraguai, precisou ser transferido para o Nilton Santos, o que gerou mais custos para o Fluminense. Um fato que também tem sido rebatido internamente dentro do consórcio. Na ocasião, o Fluminense pagou R$ 120 mil pelo uso de São Januário. E precisou pagar R$ 150 mil para jogar no Nilton Santos.

O Vasco reclamou do valor do aluguel do Maracanã, que foi estabelecido em R$ 250 mil. Mas internamente, o Consórcio alega que a quantia é justa levando-se em consideração o valor cobrado pelo Vasco. E que em nota, o próprio clube afirmou que São Januário é três vezes menor do que o Maracanã.

Fonte: Agência O Globo