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História e trajetória de Edmundo virarão livro e filme, revela ex-jogador

Em uma tarde gelada do mês de julho, Edmundo atendeu à reportagem do UOL Esporte por duas horas na sede da TV Bandeirantes. Na entrevista, o ex-jogador desabafou sobre erros e arrependimentos do passado, lembrou dos bons e dos maus amigos e se comoveu ao falar sobre o acidente ocorrido em uma madrugada de sábado, 2 de dezembro de 1995. 

O então jogador do Flamengo dirigia um Jeep Cherokee quando bateu num Fiat Uno, na Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro. O acidente vitimou três pessoas. 

Em março de 1999, Edmundo foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto por homicídio culposo. Em 2011, chegou a ser preso, passar a noite na cadeia, mas foi liberado devido a um habeas corpus. Meses depois, o STF declarou a extinção da punição, sob o argumento do então ministro Joaquim Barbosa de que o crime havia prescrito quatro anos antes. Passaram-se mais de 20 anos desde aquela fatídica madrugada. Edmundo não esquece jamais. 

 

O irmão que se foi e a dor que ficou 

A morte do irmão mais novo marcou profundamente Edmundo. Deixou cicatrizes. “Eu sofri muito”, conta. 

“Eu estava no Japão, ele ficou sumido uma semana e, quando apareceu, não podia nem ter velório. O corpo já estava em decomposição. Eu não consegui vir. Isso me machucou, doeu bastante. Nós éramos muito grudados, tínhamos muitos sonhos juntos”, lembra Edmundo. 

Luís Carlos Alves de Souza foi assassinado aos 26 anos em novembro de 2002. Após dias desaparecido, foi encontrado morto a tiros no porta-malas de um Fiat Palio, em Anchieta, na zona Norte do Rio de Janeiro. Apesar de apegado ao irmão, Edmundo não pôde acompanhá-lo de perto. 

“Em função de eu ter ido jogar no Botafogo, fui morar na concentração, aí a gente se afastou. Eu não vi essa transformação de um menino num homem que usa drogas, que usou a quantidade de drogas que ele usou. Eu era meio cego, embora soubesse. Eu tinha que viver a minha vida. Eu tive filho nesse meio tempo. Tive família. Eu tinha uma carreira. Isso doeu bastante.” 



O vício pelo dinheiro 

“Ganhar dinheiro é outra droga.” Quem escuta pensa até que Edmundo não gosta de dinheiro, mas a verdade é que ele conhece as agruras trazidas pela riqueza material. 

“Vicia. É bom, é gostoso. Você quer mais, mais e mais”, conta. “Mas também te traz muita coisa ruim. Te afasta das pessoas que você gosta, atrai um monte de filho da puta que te sacaneia, te rouba. Viver no Brasil, um país de malandro, é difícil.” 

Edmundo goza do melhor que o dinheiro pode comprar. E aprecia. Mas não se limita a isso. Segundo ele, na vida, existem experiências mais genuínas que a conta cheia. Como tomar uma cerveja com o porteiro na esquina. 

“Eu, do fundo do coração, gosto de ter um bom carro, uma boa roupa, um bom vinho, de morar bem, aprecio as coisas boas – e só o dinheiro pode te dar essas coisas. Mas nunca fui preso ao dinheiro. Não vivo pelo dinheiro. Prefiro às vezes estar no bar na esquina, tomando uma cerveja com o porteiro, do que estar almoçando no melhor restaurante com um monte de gente falsa, porque eu já vivi as duas situações. Tem muita gente humilde mais legal do que as pessoas elitizadas.” 



A complexa relação com o filho mais velho 

Edmundo tem quatro filhos. Com três, convive quase diariamente. O outro, Alexandre, é fruto de relação pontual com a ex-modelo Cristina Mortágua. “Eu só tive uma relação sexual com a Cristina, numa noite saindo do Banana Café, em São Paulo, e o Alexandre nasceu. Um menino maravilhoso”, relembra. Era 1994. 

Três anos depois, Edmundo foi jogar na Itália e só voltou ao Brasil em 2003. Assim, não pôde acompanhar a criação de Alexandre. E as brigas judiciais com Cristina atrapalharam. “Não tive muito contato. Pouca afinidade. Hoje em dia, que ele é adulto, a gente se fala. Mas não é tão próximo.” 

Questionado sobre a orientação sexual de Alexandre, Edmundo aprova.“Acho até bacana da parte dele assumir (a homossexualidade). Tem muita gente que esconde, que faz coisas bem piores. Não tenho nenhum problema com sexualidade. Eu sou desprovido desse tipo de pensamento.” 

“Tive a oportunidade de conversar com ele. Acho que cada um tem direito de ter a sua opção sexual. A única coisa que eu pedi – e eu nem tenho muito direito de cobrar – é o comportamento. Um comportamento de homem perante a sociedade. Homem de caráter. Socialmente, os princípios que meu pai me ensinou. Nesse quesito ele é nota 10”, diz Edmundo sobre Alexandre, que mora em São Paulo, onde tenta carreira de estilista. 



Traído pelo melhor amigo 

Edmundo se diz um homem de coração grande. Generoso. Ao longo da vida, emprestou dinheiro a dezenas de amigos em momentos de necessidade. E decepcionou-se. Não pela grana não ter retornado, mas pelas amizades que não se provaram tão verdadeiras como pareciam. Um desses casos o marcou profundamente - ele revela pela primeira vez. 

“Tem um cara que trabalhou comigo 16 anos e substituiu o meu irmão no meu coração. Esse cara tinha a minha procuração. Ele foi no banco, pegou dinheiro emprestado, não pagou e sobrou para mim. Aí o cara [passa] 16 anos trabalhando para mim e hoje eu não falo mais com ele... É decepcionante”, revela. 

“Pelo valor, eu teria gasto o dobro de livre e espontânea vontade, pelo carinho que eu tinha por ele. Tudo que ele tem fui eu que dei. Não estou aqui para dizer que eu sou bom, não. Eu tenho erros também. Mas fica a decepção, você fica triste [e pensa]: ‘Não vale a pena’. Você fica amargo, não deixa mais as pessoas se aproximarem. Tenho certeza que todo mundo que está ouvindo isso já passou por uma coisa parecida numa proporção maior ou menor”, explica Edmundo. 

Perguntado sobre a identidade do ex-amigo, ele prefere não contar. Diz que todo mundo no futebol sabe quem é. "Ele já foi melhor amigo de Renato Gaúcho, depois de Romário e hoje ronda Neymar. Mas as portas se fecharam". Hoje, Edmundo já não ganha tanto dinheiro como antes. E, se pudesse dar um conselho, traduziria sua experiência numa lição: “aprendam a dizer não.” 

 

 

Brigas ficaram para trás 

Não foram uma nem duas. Edmundo protagonizou diversas brigas e confusões ao longo da carreira, mas prefere não levar os desafetos dos gramados à vida. Segundo ele, aliás, algumas pessoas com quem chegou às vias de fato são suas amigas hoje. É o exemplo de Juninho Paulista e André, alvos de Edmundo na batalha campal de Palmeiras 2 x 2 São Paulo, em 1994, no Morumbi. 

"Me dou híper bem com o Juninho Paulista, super bem com o André. A briga teve, claro, vias de fato dentro do campo, mas por um ideal. Eu defendia o Palmeiras, ele defendia o São Paulo. Acabou ali. Depois nós jogamos juntos, a gente se encontra, dá risada. Adoro ele mesmo. Não é da boca para fora 

Em relação à desavença com Caio Júnior, quando atuava pelo Palmeiras em 2007, Edmundo diz que não foi uma briga de fato e prefere destacar as qualidades do técnico. 

“Eu não briguei com o Caio Júnior. Eu saí, xinguei, mas eu tinha uma relação excelente com ele. Me dava superbem com o Caio. Acho ele um puta de um treinador, um puta de um profissional. Aquilo ali foi na hora.” 

Um dia com a máfia japonesa 

“Esse dia me deu um pouco de medo.” É assim que Edmundo relembra um dos episódios mais curiosos de sua vida, que se passou no Japão, onde ele atuava pelo Tokyo Verdy. E a idolatria de um mafioso torcedor japonês fez Edmundo ter acesso – mesmo que por um dia – à famosa Yakuza. Ele tinha ido num bar para descontrair, tomar cerveja, jogar sinuca. Quando chegou o convite... 

"A gente passou uma portinha e tinha um cara todo tatuado. Dizem que quanto mais tatuagem, mais é fera. Mais graduado. Minhas pernas balançaram, mas eu não conseguia desenvolver o japonês, né? Falei ‘obrigado’. O cara disse que a bebida era por conta dele. Ele era torcedor do Verdy. Foi o único contato que eu tive com alguém da máfia 

Além do dia em que viu que a Yakuza era de verdade, outros aspectos marcaram a passagem de Edmundo pelo Japão. A exemplo do contato com o mundo do MMA. Tanto os jogos como as lutas aconteciam nos sábados à noite. Edmundo deixava os gramados, onde era protagonista, direto para os combates, onde virava espectador. "Eu conseguia ir ver todas as lutas, porque era muito próximo." 

 

"Conversão religiosa" evitou carreira política 

Muitas portas se abriram para Edmundo na vida pública devido ao sucesso de Romário na política. Diante de tantos convites, ele cogitou a nova carreira. Mas uma experiência frustrante o demoveu do projeto. Por enquanto... 

O que deu errado, então? “Estava caminhando para isso. E aí, no partido com o qual eu estava conversando, falaram: ‘Ó, vou te apresentar um cara que tem um número de fiéis muito grande. É um possível captador de votos’. Eu fui. Cheguei lá cedo, fiquei esperando e me deram uma Bíblia. Armaram um circo que parecia que eu tinha me convertido. Ajudou na minha decisão final de não querer participar das eleições”, revelou Edmundo. 

Apesar da tentativa decepcionante, ele não descarta retomar o projeto político. O principal empecilho no momento, porém, é a vida de comentarista. Edmundo explica. “Por exemplo: as duas últimas eleições de deputado, que foi quando me convidaram, foram em anos de Copa do Mundo. Eu tinha que sair da televisão no meio da Copa. Eu não podia deixar de cumprir o meu compromisso com a TV. Isso pesou muito.” 

Mas o futuro pode ser diferente. “Pessoas animam e desanimam. Eu não descarto a possibilidade porque me considero uma pessoa do bem. Se as pessoas do bem têm que tomar conta do país, eu considero que posso ser uma delas. Quem sabe...” 

Mandei mal nessa! 

Fiorentina 

"Tinha uma cláusula que eu podia vir no Carnaval. Quando chegou a data, as luvas estavam atrasadas. Aí eu usei a minha vinda como moeda de troca. Não estou falando que está certo. Funcionou. Quando cheguei aqui, o presidente depositou o dinheiro lá. Voltei... Aí no jogo seguinte, contra a Udinese, o time perdeu o jogo e, consequentemente, a liderança. Caiu tudo nas minhas costas. Mesmo estando lá, a gente teria dificuldade de ganhar. Um título que a Fiorentina lamenta" 

Real Madrid 
"O Real veio aqui para me comprar. Teve a reunião, sentamos à mesa, me ofereceram oito anos de contrato com o mesmo salário que eu tinha no Palmeiras. Tinha uma ideia de que era frio pra caramba. Ficar oito anos lá ganhando a mesma coisa? Porra, vou não. Aqui, todo ano eu ganhava aumento. A gente fazia contrato anual. Foi uma decisão errada, minha carreira poderia ter sido muito melhor. Muito maior do que eu fui. Se eu ficasse lá de verdade os oito anos, teria sido o melhor do mundo" 

Segue ou bloqueia? 

Luxemburgo 

"A gente não se fala. Ele me pediu dinheiro emprestado em 96 e abriu uma empresa no Paraná. Pegou dinheiro comigo, com o Edílson, com o Vampeta e com o Djalma. E ficou de pagar. Quando eu voltei de férias, ele me deu o cheque, que voltou sem fundo. Ele chegou a falar para mim: 'Vou te levar para tal time, você pede esse valor de luvas e faz de conta que eu te paguei'. Não soou bem. Eu fiquei 10 anos para pôr na Justiça. No final do ano passado, eu recebi. Ele pagou a contragosto" 

Neto 

"Conheci o Neto através de amigos em comum. Quem é de verdade sabe quem é de mentira. O Neto é um cara verdadeiro. Se ele estiver chateado com você, se estiver puto com você, ele fala na sua cara. Esse tipo de pessoa que eu gosto de conviver. É um cara generoso com os amigos de profissão. É um cara que é um personagem na TV, na frente da câmera, e fantástico fora dela. Escuto muito quando vou fazer eventos: 'Como é que você aguenta o Neto?'. Eu tenho prazer em trabalhar com o Neto" 

Sérgio Moro 

"Eu admiro a coragem [do Moro]. A política no Brasil tinha que mudar. Se do jeito que é hoje, com tantas alianças, isso que acaba ferrando. A gente estava caminhando para um lugar de difícil volta. A gente não chegou ainda no fundo do poço. Ainda tem riqueza, petróleo, bastante coisa. É um povo valente, trabalhador" 



Alexandre Pato 

"Não tenho nada contra ele. Todo mundo fala bem do Pato, porque para ele está tudo bom, tudo lindo, maravilhoso. Ganhou de seis, perdeu de dez, está tudo lindo, maravilhoso. O negócio é os 800 [mil na conta] no final do mês [salário que recebia no Corinthians]. Perdemos um pouco da nossa essência" 

Não fuja dessa! 

A relação com Romário 

"A gente se encontra bastante na praia. Tem uma amizade distante, mas tem. A gente já foi muito grudado no dia a dia, mas a vida me levou para um lado, levou ele para o outro. Ele foi um padrinho, me ajudou bastante no início de carreira com chuteira, dinheiro de passagem. A gente brigou muito virtualmente. Pessoalmente, nunca brigou. A gente disputava vaga na seleção, disputava títulos. Eu jogava no Vasco; ele, no Flamengo. Era uma disputa o tempo inteiro. Mas é uma pessoa que eu gosto, admiro, sou grato porque me ajudou bastante. Se colocar numa balança, tem mais coisa positiva do que negativa" 



A fase corintiana 

"Sou muito grato ao Corinthians porque, no momento mais difícil da minha vida, foi quem me acolheu. O acidente foi dia 2 de dezembro, eu cheguei ao Corinthians um mês depois, 45 dias depois. Na figura do seu Zezinho Mansur, que hoje ninguém nem conhece. Fui artilheiro do time na Libertadores. Fiz um número bem expressivo de gols, quase um por partida. Minha performance foi muito boa. O Corinthians teve a opção de compra, não exerceu. O Eurico se aproveitou eu acabei saindo. Me arrependo até. Eu deveria ter ficado um pouco mais no Corinthians pelo que eles fizeram comigo no primeiro momento" 



Crise no Cruzeiro 

"O Cruzeiro começou a especular treinador e um jornalista me perguntou: 'Marco Aurélio ou Vanderlei?'. Eu nunca tinha trabalhado com o Marco Aurélio. Respondi: 'Prefiro o Vanderlei'. Veio o Marco Aurélio. O jornalista foi nele: 'O Edmundo não queria você'. Simples, dessa forma. Primeiro treino do Marco Aurélio, eu [não fiquei] nem no banco. Era o jogo contra o Vasco no Rio, fiquei no banco e 3 a 0 para o Vasco. No 2º tempo, ele me coloca. Eu entro, tem o pênalti, aí eu perco. O Zezé Perrella me dispensou. Por que eu pequei? Porque eu fui sincero. Eu não tinha nada contra o Marco Aurélio" 

Boas frases da entrevista 

Eu costumo dizer que eu nunca vi Deus nem o diabo. Mas eu tenho certeza absoluta que o diabo não é chifrudo, vermelho, com aquele tridente na mão. Daquele ali todo mundo corre. O diabo vem bonito, de olho verde, com um peitão bonito, uma bunda bonita 

Edmundo, sobre Deus e o diabo 

Meu pai está na minha memória o tempo todo. Diariamente. Porque os princípios básicos de caráter, independentemente de você ser pobre ou não, letrado ou não, são os mesmos. Eu acho até que o pobre é mais firme nesse quesito 

Edmundo, sobre o papel do pai 

Eu não sou mais o Edmundo que jogava no Palmeiras. Ainda tenho fama. As pessoas ainda gostam de mim. Ok, ok. Mas não sou mais aquele cara que pega o telefone, liga para o presidente da República e ele atende 

Edmundo, sobre as mudanças da vida 



Os projetos para o futuro 

"Quero tocar outros projetos. A gente tem muita relação boa com a torcida do Palmeiras. Tenho que agradecer. Com a do Vasco, também. Mas só que São Paulo é maior. Eu faço evento nas lojas do Palmeiras, faço tour no Allianz com os torcedores. É legal pra caramba. Eu mais recebo carinho do que dou. São 50 pessoas, eu não consigo ser carinhoso com todo mundo. Claro que eu ganho por isso, não é de graça. 

Tem outras coisas. Estou montando a minha palestra, escrevendo o meu livro. Estou com o projeto de um filme. Tudo é aqui em São Paulo. Esse ir e vir está cansativo. A idade já está [pesando]. Mais até pela parte social. Eu não consigo ter vida social nem lá e nem aqui. Estou aqui para trabalhar. Quando chego lá, quero dar atenção à minha família. Minha ideia é, se tudo der certo, vir morar aqui e tocar a vida. 

Estou rascunhando minha biografia. É claro que alguém vai escrever. Tem tanta coisa que eu quero fazer, que eu ainda tenho como projeto de vida. Já conversei bastante com uma produtora, já tem tudo desenhado. É uma ideia muito bacana. É um roteiro bem bacana. Começou como um documentário, virou um longa, já tem mais do que um longo. Já está virando uma série, de tão grande, de tão extensa que é. Mas falta patrocínio. Faltam aquelas coisas todas de produção." 
 

Fonte: UOL