Herói em 1988, Cocada tem o sonho de trabalhar no Vasco
A vila de casas populares em Campo Grande-MS deu o caráter e o nome de fantasia que enfeita a vida modesta de Luiz Edmundo Lucas Corrêa. Com água na boca diante da vitrine do turco Massoud, o menino se viu em conflito. Entre as lições do pai e o desejo incontrolável, achou a solução que o faria habitar até hoje o Lar do Trabalhador e a galeria dos heróis. Após trocar serviços de limpeza por uma cocada e ganhar o doce como apelido, o período de fartura estava por vir. Além do gol do título de 1988, o ex-lateral foi responsável por um Cosme e Damião fora de época, com distribuição de cocadas pretas e brancas, nas cores do campeão daquele ano. Com o tempo, a saborosa ironia virou amargura. Desde a vitória por 1 a 0, em que precisava do empate, o Vasco jamais voltaria a ganhar uma final do Flamengo.
Meus filhos ficam enchendo, querem ver o vídeo toda hora disse Cocada, que dispensa imagens para reviver a arrancada pela direita, o corte em Edinho e chute de esquerda que entrou com a trajetória ascendente de um foguete, no canto direito de Zé Carlos. É como se o jogo tivesse sido ontem.
Pelas mãos de Castilho
Nestes 23 anos, peregrinou para voltar ao mesmo lugar. Com a recente demissão do irmão Müller, ex-atacante da seleção, do comando do Imbituba-SC, Cocada, que era o seu auxiliar, encontrou abrigo na casa onde foi criado com os sete filhos do lavrador Edmundo.
Vim da roça na barriga da minha mãe. Aprendi que não podia pegar nada do outros, sempre fui respeitador. Minha mulher reclama que chamo as amigas dela de senhora disse o herói, que trabalhava numa distribuidora de medicamentos quando encontrou o remédio para sua febre de bola.
Marcado por amputar um dedo para atuar no próximo jogo, o saudoso Castilho estendeu-lhe a mão como lição de sacrifício. Ao vê-lo no time da empresa, o ex-goleiro tricolor o levou para o Operário, nome que se confunde à saga de Cocada:
Já fiz de tudo, fui pacoteiro e lavei carro. Hoje não me sinto ex-jogador, sou professor.
Formado em Educação Física, Cocada oferece serviços de técnico ou preparador físico em troca do doce sabor da hospitalidade lusitana:
Meu sonho é trabalhar no Vasco. Tinha prazer de ir ao clube, passava o dia todo lá.
Cocada morava na Praça da Bandeira, a poucos quilômetros do clube. Na época, a proximidade era também afetiva.
Tínhamos um bastidor forte e tranquilidade para jogar. Quero voltar e ver o novo Vasco disse, ainda disposto a correr pelo presidente Roberto Dinamite, que era o capitão na época. Ele foi muito corajoso, entrou de peito aberto.
Em 1987, Roberto já matava a responsabilidade no peito antes de rolar a bola para Títa fazer o gol do título. O rubro-negro traz boas lembranças não só pela freguesia da época. Em 1983, aos 22 anos, Cocada passou oito meses na Gávea, tempo bastante para compor o elenco campeão brasileiro e trocar a glória pela mágoa ao ser dispensado em seguida.
Na época, achei que foi sacanagem, hoje entendo. Passei a ganhar 20 vezes mais, não pensava em juntar dinheiro disse ao assumir sua irresponsabilidade. Era muita informação para um menino só.
A frase ambígua serve tanto para dizer que Cocada era apenas um garoto quanto para retratar a solidão na metrópole. Do Flamengo, passou por Guarani, Santa Cruz e Americano antes de iniciar a fase luso-brasileira com período no Farense, seguido de um ano no Vasco.
Vejo o time atual num momento parecido com nosso disse, ao comparar não a qualidade mas a necessidade de afirmação dos jogadores Só o Roberto era consagrado. os demais buscavam seu espaço.
Entre eles, estava um gênio indomável de peito estufado, língua presa e rara capacidade para fustigar rivais. No primeiro jogo da decisão de 88, Romário marcou o gol da vitória de virada por 2 a 1 com um lençol sobre Zé Carlos que até hoje embala os sonhos de Cocada:
Pena que ele e meu irmão jogaram poucas vezes. Com os dois na frente e o Bebeto mais recuado, o Brasil teria ganhado a Copa com mais facilidade.
Ao contrário da ascensão fulminante de Romário, a velocidade do ex-lateral não o fez ir longe. Depois do Vasco, passou por Fluminense, São José e Londrina antes de voltar à vila. Descendente de índios e escravos, Cocada saboreia a força da mistura brasileira.
Aqui é arroz, feijão, mandioca e carne. É aroeira pura disse, citando a árvore de propriedades medicinais como atestado de saúde. Sou um jovem de 50 anos.
Quando tinha 28, o excesso de vigor tornava tudo mais intenso. Na final, Cocada entrou aos 41 minutos do segundo tempo, fez o gol aos 44 e foi expulso por tirar a camisa, que deixou com o filho, em São Paulo. Além das boas lembranças, passou a cultivar o desapego. Ao ser lembrado como o último herói, o orgulho se mistura à tristeza pela manutenção da escrita. Na torcida para ser destronado, Cocada tem lugar cativo na mística do clássico e no Lar do Trabalhador. Um doce para quem adivinhar onde será a festa.
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