Futebol

Há 35 anos, jovens Romário e Bebeto brilhavam em final do Carioca

Bebeto e Romário, de 22 e 20 anos, aparecem abraçados com as camisas de Flamengo e Vasco. Atrás deles, milhares de torcedores de todas as idades esperam o início de mais um Clássico dos Milhões no Maracanã. Foi em 1986, em imagem que volta e meia é compartilhada nas redes sociais, com referências ao tetra conquistado pela dupla oito anos mais tarde. E o que há por trás da foto?
 

Foto: Ricardo Beliel Bebeto e Romário antes do terceiro jogo da final do Carioca de 1986
Bebeto e Romário antes do terceiro jogo da final do Carioca de 1986

Há 35 anos, Romário e Bebeto viveram um ano de afirmação em suas carreiras. Em clubes rivais e donos de personalidades opostas, mas com grandes encontros no mesmo palco. Romário levaria, no seu segundo ano como profissional pelo Vasco, a artilharia do Campeonato Carioca. A taça do torneio ficaria com o Flamengo de Bebeto, o primeiro título do jogador no Rubro-Negro. Como se não bastasse, os dois eram tidos como sucessores de Roberto Dinamite e Zico.

Eles eram os novos reis do Maracanã. Ou até mais que isso: os novos reis do Rio.

Reis do Rio

A foto de Romário e Bebeto abraçados é de Ricardo Beliel, feita para a capa da revista Placar de 25 de agosto de 1986. Uma reportagem sobre os dois garotos que se destacaram no Carioca seria publicada, e Beliel precisava juntar no mesmo quadro as figuras até então antagônicas – não apenas na camisa.

Nas ruas 15 dias após o fim do Carioca, a revista traçava as personalidades de Romário e Bebeto da forma como se acostumou a ver nos anos seguintes. O primeiro, um garoto do subúrbio, galã, extrovertido, gostava de curtir a cidade. O segundo, mais reservado, tido como playboy e bom moço, saía apenas com a noiva e poucos colegas de time.

Além da imagem no início desta página, Beliel cedeu para esta reportagem do ge outros registros marcantes que fez de Romário e Bebeto nos anos 1980.

— Um aspecto engraçado é que quando o Bebeto começou a namorar a Denise (esposa de Bebeto), ela era jogadora de vôlei do Flamengo. E o Bebeto não podia entrar na quadra por ser do futebol. Ele já me conhecia desde a Bahia, então escrevia uns bilhetinhos e pedia que eu entregasse para ela na quadra. Servi de pombo-correio. Imagina se o Romário faria isso… ele passava por cima de todo mundo – recorda Beliel, antes de destacar a relação entre jogadores e imprensa que existia no passado.

— Hoje, com toda uma cultura de celebridade, é muito mais difícil essa combinação espontânea com o jogador para as fotos. Antes a gente tinha um contato direto, hoje a imprensa nem pisa no gramado. Naquela época, eu ia na casa do Zico e saíamos para fazer fotos pela cidade.
 

Foto: Ricardo Beliel Romário é carregado por torcedores do Vasco em São Januário, após bicampeonato carioca em 1987-88
Romário é carregado por torcedores do Vasco em São Januário, após bicampeonato carioca em 1987-88

O fotógrafo ainda lembra que registros como o de Romário e Bebeto, posados de pé antes do jogo, eram clássicos para capas de revista desde as primeiras décadas do século passado. Havia também uma limitação tecnológica, que impedia tantas fotos de ação, com os jogadores se movimentando durante o jogo.

Assinada por Tim Lopes e Milton Costa Carvalho, a reportagem daquele 25 de agosto captou particularidades da vida dos dois garotos. Romário, que morava na Vila da Penha, tinha como sambistas preferidos Zeca Pagodinho e Almir Guineto. Andava em um Monza cinza de chassi rebaixado, paramentado com rádio, toca-fitas e minitelevisão, considerado luxo para a época.

Bebeto, na Barra da Tijuca, gostava de sair apenas para jantar com Mozer e Leandro, do Flamengo, ou Denise. E recebia conselhos constantes do pai, na Bahia, para que se concentrasse na carreira e não se perdesse entre os encantos do Rio de Janeiro.

— Um dia fui fazer uma matéria com o Romário em um churrasco na casa do pai dele. O fato é que ele estava jogando bola descalço em um campinho de terra batida. Fui então fotografá-lo, mas ele era muito vaidoso, pediu para que eu não batesse a foto até que ele pegasse um calçado — comenta Beliel sobre a foto abaixo, em que Romário aparece com o irmão Ronaldo.
 

Outro episódio que demonstra a preocupação de Romário com sua imagem, mesmo ainda jovem, vem da própria reportagem publicada em 1986. Marco Antonio Cavalcanti, também fotógrafo, captou o garoto vascaíno sendo enquadrado pela polícia no Jacarezinho, onde nasceu, por conta de seu Monza equipado. Romário não sabia que tinha sido fotografado no momento e ficou chateado.

A matéria relata ainda um segundo enquadro no mesmo dia: “Na hora de voltar para casa, na Penha, Romário não escapa de outra abordagem: três guardas de trânsito desconfiam do ‘suspeito’ e o fazem frear bruscamente o carro. De novo, apresenta documentos e os policiais, surpresos, liberam-no rapidamente enquanto ouvem o comentário debochado de um torcedor. (…) Do outro lado da cidade, na elegante Barra da Tijuca, a polícia não costuma parar rapazinhos de pele clara ao volante de equipados Monzas”.
 

Reportagens com jovens relevações eram comuns na Placar, conforme explica Juca Kfouri, diretor da revista em 1986.

— Era muito frequente projetarmos promessas que surgiam como o futuro do futebol brasileiro. Muitas vezes acertamos e em outras erramos. Demos uma famosa com o Washington, do Guarani, como se fosse o novo Pelé. Depois virou motivo de piada, porque ele ficou bem longe disso. No caso de Romário e Bebeto, eles apareciam como os sucessores de Dinamite e Zico, o que deve ter nos levado a essa capa para o Rio. Deu certo.

Os Reis do Maracanã

Romário e Bebeto se enfrentaram cinco vezes no Carioca de 1986, sempre em jogos decisivos. O Vasco venceu a Taça Guanabara, o Flamengo levou a Taça Rio. Os clubes se juntariam ao time de melhor campanha geral para um triangular final. Como o Flamengo teve a maior pontuação, apenas rubro-negros e cruz-maltinos se encontraram nas finais.

Mas os modos como Romário e Bebeto chegaram até lá foram, novamente, opostos.

Romário brilhou ao lado de Roberto Dinamite. Os dois artilheiros já haviam tido as primeiras chances de atuar juntos e dividiram a artilharia na edição anterior do Carioca, em 1985, assim que o Baixinho subiu para o profissional - Roberto com 12 gols, e Romário, 11. Em 1986, a dupla atingiu um nível ainda superior: novamente como os dois maiores goleadores, Romário teve 20 gols, e Roberto, 19, consagrando o ataque vascaíno como o melhor do estadual (50 gols).
 

Foto: Reprodução/Jornal dos Sports Romário foi destaque da conquista da Taça Guanabara do Vasco sobre o Flamengo em 1986
Romário foi destaque da conquista da Taça Guanabara do Vasco sobre o Flamengo em 1986

Então treinador do Vasco, Antônio Lopes explica o ajuste em campo.

— O Romário era reserva quando subiu, mas fazia gol sempre que entrava. Quando o Silvinho (atacante titular) se machucou, coloquei o Romário pela ponta esquerda e trouxe o Roberto, já experiente, mais para o meio-campo. Confundia os zagueiros, que não sabiam se saíam atrás do Roberto ou se o deixavam só. Então ele começou a receber as bolas no meio e lançar para o Romário. O Romário fez muitos gols com assistências do Roberto.

Bebeto, por sua vez, teve a responsabilidade de liderar um Flamengo sem Zico. Apesar de fazer, logo na estreia, uma das partidas mais marcantes de sua carreira, com três gols sobre o Fluminense, o Galinho entrou em apenas quatro jogos do Carioca. Primeiro, foi convocado para a Copa do México. Depois, voltou a sofrer com uma lesão que o deixaria fora de campo até o ano seguinte.

O título do Flamengo ficaria marcado por revelar e consolidar jovens jogadores sob o comando de Sebastião Lazaroni, como Zé Carlos, Aldair, Aílton e Zinho. Revelado em 1982 e no Flamengo desde 83, Bebeto era o mais experiente dos garotos do time e deixou 16 gols, logo atrás de Roberto e Romário na artilharia – ele também havia sido o terceiro em 85, com 10.

Nos dois estaduais seguintes, o Vasco vingaria a derrota de 1986 e seria bicampeão sobre o Flamengo. Romário seria o artilheiro de 87, e Bebeto, o de 88. Depois, eles provocariam a raiva de torcedores de ambos os lados ao se transferir para o rival. Desde o início, porém, havia espaço para sorrirem juntos diante da câmera.


As três decisões

20/04/1986 - A Taça Guanabara é do Vasco de Romário
Flamengo e Vasco chegaram ao último jogo do primeiro turno com o mesmo número de pontos. Com um lance de puro oportunismo e outro invadindo a área em velocidade, Romário marcou os gols da vitória por 2 a 0 do Vasco. A conquista encerrou um jejum do clube de nove anos sem a Taça Guanabara.

27/07/1986 - Bebeto dá o troco na Taça Rio
No segundo turno, Flamengo e Vasco se encontraram mais uma vez na última rodada. Com uma vitória por 3 a 2, o Rubro-Negro passou o Fluminense na tabela e foi campeão. Bebeto fez os dois gols, com direito a uma cobrança de falta à la Zico, e deu o chute que originou o terceiro, marcado por Júlio César Barbosa, em rebote. Romário e Dinamite descontaram para o Vasco.
 

10/08/1986 - Flamengo campeão carioca
Após dois empates por 0 a 0 nos primeiros jogos das finais do Carioca, Flamengo e Vasco foram a um terceiro confronto. E só na metade final do segundo tempo enfim sairiam os gols: aos 29 minutos, Bebeto abriu o placar em ótima jogada de Marquinho. Depois, aos 38, Júlio César Barbosa arriscou de fora da área e contou com falha de Acácio para ampliar: 2 a 0 e Flamengo campeão.



 

Fonte: ge