Futebol

Goleiro que levou 1º gol do Maraca relembra palcar de 3 a 1 em 50

Na reabertura do Maracanã aos clubes, o Vasco venceu o Fluminense por 3 a 1, no último domingo, pela oitava rodada do Brasileirão. O placar construído deixou a torcida cruz-maltina um pouco mais esperançosa com as possibilidades do time no campeonato. E despertou fortes emoções em um senhor de 87 anos, que relação direta com a história do maior palco do futebol brasileiro. Oswaldo Pisoni estava lá, no princípio de tudo, em local privilegiado: dentro de campo. E ali protagonizou o primeiro grande momento do estádio há 63 anos. Ele é o homem que sofreu o primeiro gol da história do Maraca. Na inauguração do estádio, no dia 17 de junho de 1950, em um amistoso entre as seleções carioca e paulista de novos, Didi, defendendo o combinado do Rio, inaugurou o marcador, mas Oswaldo saiu vitorioso. O resultado? 3 a 1, como no clássico de domingo. Pouco mais de meio século após travar um duelo particular com o Príncipe Etíope, bicampeão mundial com a Seleção em 58 e 62, as lembranças daquele fatídico dia estão eternizadas em sua memória.

- O jogador que entra no Maracanã e vê o estádio completamente abarrotado nunca mais esquece. Sentimos a pressão dos torcedores. Só quem joga pode descrever que essa sensação é essa. É fantástica - disse o ex-goleiro, em entrevista ao SporTV.com.

A maioria das pessoas que mora em Americana, interior do estado de São Paulo, o conhece por ser um competente cirurgião-dentista aposentado, que se dedicou com empenho à profissão por praticamente 60 anos. Mas nem sempre a vida de Oswaldo Pisoni esteve resumida ao trajeto casa-consultório. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim, e ele iniciava sua carreira no futebol protegendo a meta do Rio Branco de Americana ainda como amador. Em seguida, foi defender o Ypiranga, seu time do coração hoje em dia e clube pelo qual começou a jogar profissionalmente, com uma grande missão.

- Em 1945, o Barbosa foi contratado pelo Vasco, e o Ypiranga (da capital) começou a procurar um substituto. Nessa época, eu morava em Americana, mas estudava Odontologia em Araraquara e começou a ficar complicada a locomoção. Aí o Ypiranga entrou em acordo comigo e disse que eu poderia continuar estudando normalmente lá - porque era meu objetivo terminar a faculdade. Mas em dia de jogo eu tinha que ir para a capital. Nesse período, fiquei treinando com o time da faculdade. Acabou que depois não deu mais para manterem esse acordo e me levaram definitivamente para São Paulo. Acabei finalizando meu curso na USP.

Foi atuando com a camisa alvinegra que Oswaldo \"Topete\", \"o goleiro galã\", começou a se destacar e a partir daí passou a ser convocado para defender a seleção paulista em duelos contra os cariocas - selecionados que protagonizaram grande rivalidade futebolística nacional na metade do século passado. E foi justamente um amistoso reunindo essas duas equipes que inaugurou de fato o Maracanã, um estádio de \"dimensões colossais\". Que causava espanto.

- Fui o primeiro jogador profissional de Americana. Nessa época, eu começava a me firmar como um dos grandes goleiros do futebol de São Paulo e passei ser chamado para defender a seleção paulista. O Maracanã, na inauguração, ainda tinha os andaimes e o pessoal, como era tudo grátis, lotou. Tinha gente até na marquise. Foi muito emocionante entrar em campo e o ver o estádio lotado - relembrou.

Este jogo contou com fatos inusitados como o primeiro tempo à luz do dia e os 45 minutos finais realizados à noite para que os refletores fossem testados. Alguns torcedores mais afoitos acabaram nas marquises ou subindo nos próprios andaimes, dando trabalho aos guardas municipais, como relatou na época o jornal “O Globo”, que estimou o público em 200 mil torcedores.

Falecido em 2001, Didi tabelou com Silas e marcou o primeiro gol da história do estádio para os cariocas, aos 10 do primeiro tempo. Cinco minutos depois, Augusto marcou e deixou tudo igual. Na etapa complementar, Ponce de León e Augusto novamente consolidaram a vitória paulista de virada. A lembrança do único gol sofrido por Oswaldo naquele jogo, porém histórico, ainda está fresca em sua memória. Mas ele garante que Didi estava em posição irregular.

- Ele estava atrás do Homero, que era o zagueiro-central, e enfiaram a bola para ele. Eu reclamei, gritei: \"Está offside\". Mas como ele chutou para o gol, fiquei prestando a atenção na bola e não tive como reclamar direito. Foi impedimento. Depois até corri em cima do juiz, mas não adiantou nada. Infelizmente, o goleiro é o que mais sofre. Se toma gol, é falha. Se o atacante perde 50 gols, mas faz um, vira herói.

Sobre as recentes reformas no Maracanã para a Copa do Mundo, o jogador foi taxativo:

- Hoje, está bem melhor. Em 50, tinha muito buraco (risos).

Oswaldo não conseguiu projeção suficiente para disputar uma Copa do Mundo e acabou ficando famoso também pela pinta de galã. Em 1951, foi contratado pelo Bangu e desembarcou no Rio de Janeiro (foi vice-campeão carioca naquele mesmo ano). Além do porte físico avantajado, o goleiro tinha como marca registrada um bigode e um grande topete engomado com \"Gumex\" (uma espécie de gel para cabelos da época), com alguns fios de cabelo caindo à testa, característica comum entre artistas da época.

A semelhança entre o arqueiro do time de Moça Bonita e o astro de “E o Vento Levou”, Clark Gable, era tamanha, que os jogos do Bangu começaram a atrair torcedoras, interessadas em contemplar a beleza daquele galã nacional que se desdobrava na pequena área e voava de uma ponta à outra da baliza para não ter sua meta vazada pelo time adversário. Rapidamente, o humor carioca lhe batizou com alguns apelidos. Em definitivo: “Oswaldo Topete”, como acabou ficando mais conhecido.

- Nesse período, o presidente do Bangu, Guilherme da Silveira, que era mais conhecido como Silveirinha, quis montar um grande time para ser campeão e contratou vários jogadores. Eu, Zizinho... Eu tinha uma aparência muito boa, era um homem muito bonito, e a mulherada sempre estava atrás de mim. Eu tinha um cabelo cheio e a “turma” gostava de fazer algumas brincadeiras comigo por causa disso. Diziam, por exemplo: “O Osvaldo leva a toalha atrás do gol e quando ele faz a defesa penteia o cabelo”. Eu sei que comecei a ficar chateado com a crônica esportiva do Rio e decidi ir embora. Ela começou explorar esse negócio de \"galã\", deixando de lado minha qualidade como jogador.

Oswaldo continuou como profissional até 1957. Depois do Bangu, o goleiro ainda acumulou rápidas passagens por Velo Clube e Palmeiras no retorno à São Paulo. Em 1955, já casado, para a tristeza das fãs, foi defender as cores do Santos por três anos, sendo bicampeão paulista logo nas duas primeiras temporadas, porém na reserva de Manga. Sem chance no time titular do Peixe, ele seguiu para a Portuguesa de Desportos. Seria o último clube de sua carreira.

- Por causa do futebol, eu tinha que ficar concentrado, viajava muito e não ficava em casa. A minha mulher reclamava. Eu também não ganhava muito dinheiro, era um salário mais ou menos. Não dava para ficar rico jogando futebol. Hoje, o jogador de futebol é sinônimo de milionário. Naquela época, resolvi parar e comecei a trabalhar como dentista. Foi isso. Eu clinicava até outro dia. Volta e meia ainda gosto de esculpir algumas dentaduras.

De 1945 a 57 (dos 19 aos 31 anos), ele colecionou grandes defesas, partidas inesquecíveis, amigos, derrotas e vitórias, além de marcas físicas. Mas o tempo passou. Oswaldo voltou para Americana, sua cidade natal, onde começou a trabalhar em Odontologia. Na cidade do interior paulista, onde vive até hoje, construiu família: leva uma vida tranquila ao lado da esposa (Zany), filhos (Cátia, Rosana, Regina e Osvaldo Emílio) e netos (Renato, Viviane, Alexandre e Guilherme). O topete já não mais o mesmo, mas o ex-goleiro continua a colher frutos por ter sido o primeiro goleiro a tomar um gol no Maracanã, momento especial que jamais será apagado de sua memória.

AS ESCALAÇÕES

Cariocas: Ernâni (Luiz Borracha), Laerte e Wilson; Mirim, Irani e Sula; Aloísio (Alcino), Didi (Ipojucan), Silas (Dimas), Carlyle (Simões) e Esquerdinha (Moacir Bueno).

Paulistas: Oswaldo Topete; Homero e Dema; Djalma Santos, Brandãozinho e Alfredo; Renato, Rubens (Luizinho), Augusto, Ponce de León (Carbone) e Brandãozinho II (Leopoldo).

Fonte: Sportv.com