Futebol

Goleiro do Manchester United relembra derrota para o Vasco por 3 a 1

Nesta terça-feira, completam-se 20 anos da final do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, na qual o Corinthians derrotou o Vasco nos pênaltis, no Maracanã, e ficou com o título.

Apesar do vice, porém, os torcedores vascaínos guardam uma grande memória daquele torneio: a impactante vitória por 3 a 1 sobre o Manchester United, então campeão da tríplice coroa na Europa (e que, dois meses antes, havia vencido a Copa Intercontinental em cima do Palmeiras, no Japão).

Foi uma tarde de gala da dupla de ataque formada pelos craques Edmundo e Romário, que vivia às turras em São Januário, mas "fez as pazes" naquele torneio. Infernizando a defesa dos ingleses, eles foram decisivos para fazer o Vasco abrir 3 a 0 já no primeiro tempo e depois só controlar a partida no Maracanã lotado.

O mais curioso, porém, é que o experiente técnico Alex Ferguson, dos Red Devils, achou que eles estavam em fim de carreira...

É o que conta Mark Bosnich, ex-goleiro do United, em entrevista à ESPN. Atualmente comentarista da FOX Sports na Austrália, o arqueiro revelou que, na preleção antes do duelo no Maracanã, o escocês menosprezou os atacantes brasileiros.

"Antes da partida, lembro do Ferguson falar na preleção: 'Vamos jogar com uma linha de marcação alta, porque o Romário e o Edmundo já não são mais tão rápidos como eram'. Depois de um 20 segundos de jogo, nós vimos que isso não era verdade (risos)...", brincou Bosnich.

O australiano, aliás, lembra com certo carinho dessa partida, apesar da derrota.

"Dá para falar também que o gol do Edmundo talvez foi o mais bonito que já levei. Por isso eu digo: nunca é bom perder, mas ficam algumas boas memórias, sim", ressaltou.

O gol ao que ele se refere é a pintura do "Animal" aos 43 do segundo tempo, quando ele recebeu de costas na meia-lua, deu um drible fantástico que deixou o zagueiro Silvestre sentado no chão e concluiu com perfeição para o fundo das redes.

Na conversa, Bosnich também garante que o Manchester United jogou o Mundial de 2000 com seriedade, apesas das fotos da época mostrarem os atletas europeus bastante relaxados antes dos jogos, curtindo as praias do Rio de Janeiro e a piscina do luxuoso hotel em Copacabana.

O ex-atleta ainda falou sobre o apoio que os "Diabos Vermelhos" receberam da torcida do Flamengo antes do jogo. Os rubro-negros chegaram até a espalhar outdoors pelo Rio com mensagens para o clube estrangeiro, mas, de acordo com o australiano, o clima no Maracanã era 100% vascaíno.

"Eu lembro muito bem de receber o apoio dos flamenguistas durante todo o tempo que ficamos no Rio de Janeiro, mas isso se limitou às ruas. No Maracanã, o estádio estava abarrotado, e só consigo lembrar da torcida deles gritando 'Vasco, Vasco, Vasco' sem parar. Não ouvi um grito sequer para o United (risos)", divertiu-se.

Leia a entrevista com Mark Bosnich:

ESPN: Em meio à maratona de jogos na temporada europeia, o Alex Ferguson e o elenco do United queriam mesmo disputar o Mundial de Clubes no Brasil? Ou o time foi ‘forçado’ e jogou a competição a contragosto?

Mark Bosnich: O Ferguson se reuniu com a gente e deu aos jogadores a escolha. Ele nos disse que o Mundial era muito importante para ser ignorado, mas que a escolha seria nossa. Havia várias pressões. Por um lado, queriam que a gente ficasse na Inglaterra para disputar a FA Cup. Mas a FA [Associação de Futebol da Inglaterra] também queria sediar a Copa do Mundo de 2006 [N.R.: a eleição da sede seria alguns meses depois, em julho], e era importante que uma equipe inglesa fosse ao torneio para agradar a Fifa. Ferguson deixou a escolha em nossas mãos, e nós escolhemos participar do Mundial. Nós votamos e falamos: ‘Sabemos que a tradição da FA Cup é importante, mas o Mundial de Clubes é o maior torneio a se disputar’. Por isso viajamos todos ao Brasil. Não podem falar que fomos contra a vontade, pois, se alguém estivesse infeliz com essa escolha, teria dito nessa reunião que fizemos.

ESPN: Então é um mito que o United não queria vir ao Brasil?

MB: Eu recordo perfeitamente daquela reunião e não lembro de ninguém que votou contra a viagem ao Brasil. Foi uma decisão do elenco. O Ferguson até cogitou na época deixar alguns jogadores na Inglaterra para jogar a FA Cup, mas todos disseram que viriam ao Brasil.

ESPN: O que você lembra dos dias que passaram no Brasil? As imagens da época mostram vocês curtindo bastante a praia e a piscina do hotel...

MB: Foi tudo maravilhoso! Nos hospedamos no Rio, em Copacabana, e foi absolutamente fantástico! No meio do inverno britânico, foi uma delícia dar uma escapada para o Brasil (risos). As pessoas foram todas maravilhosas conosco. Lembro que a comida era deliciosa também. O Brasil é demais. Eu adorei conhecer.

ESPN: Então, apesar de vocês estarem bem relaxados no Rio, é lenda que o United não jogou à sério?

MB: É claro que jogamos para valer. Queríamos mostrar nosso melhor futebol, mas começamos mal e empatamos o primeiro jogo. O Beckham foi expulso nessa partida contra o Necaxa, e depois tivemos que jogar contra o Vasco sem ele. Antes da partida, lembro do Ferguson falar na preleção: "Vamos jogar com uma linha de marcação alta, porque o Romário e o Edmundo já não são mais tão rápidos como eram". Depois de um 20 segundos de jogo, nós vimos que isso não era verdade (risos)...

ESPN: Pois é... O Vasco foi para o intervalo ganhando por 3 a 0, em uma atuação de gala justamente da dupla Romário-Edmundo!

MB: O Romário e o Edmundo nos destruíram, nos deixaram em pedaços no primeiro tempo. Coitado do Gary Neville... Deu dois recuos errados e levamos dois gols. Mas o maior lance do jogo foi aquele golaço do Edmundo. Foi magnífico.

ESPN: E o que o Ferguson falou para vocês no vestiário? Certamente esse elenco não estava acostumado a ser massacrado desse jeito.

MB: No intervalo, o Ferguson deu uma bronca terrível na gente, mas também falou que a gente ia jogar melhor no segundo tempo, porque ia ter mais sombra, e realmente fomos um pouco melhores. Estava muito quente e abafado no dia do jogo. Não quero culpar o calor, longe disso, até porque o primeiro tempo do Vasco foi bom demais, eles acabaram com a gente. Mas pelo menos reagimos, equilibramos e fizemos um gol. Evitamos uma humilhação, porque quem viu o primeiro tempo imaginou que a coisa caminharia para isso.

ESPN: Nas fotos da época, também é possível ver o apoio dos torcedores do Flamengo ao Manchester United, inclusive em outdoors espalhados pelo Rio. Vocês sentiram esse apoio?

MB: Eu lembro muito bem de receber o apoio dos flamenguistas durante todo o tempo que ficamos no Rio de Janeiro, mas isso se limitou às ruas. No Maracanã, o estádio estava abarrotado, e só consigo lembrar da torcida deles gritando “Vasco, Vasco, Vasco” sem parar. Não ouvi um grito sequer para o United (risos).

Outdoor com mensagem de apoio da torcida do Flamengo ao Manchester United Getty Images

ESPN: Como essa derrota dura para o Vasco afetou o restante da temporada do United?

MB: Os times ingleses abstraem essas coisas muito rapidamente. No vestiário após o jogo, o Ferguson nos reuniu, elogiou nosso segundo tempo, mas disse que a gente não podia nunca mais repetir nossa atuação do primeiro tempo contra uma equipe de ponta. Só que os ingleses tratam essas coisas de maneira muito seca: acabou o jogo, perdemos, fomos eliminados, vamos seguir em frente. Ainda tínhamos um jogo contra o South Melbourne, mas o Ferguson já avisou que iria escalar apenas reservas, porque, quando a gente retornasse à Europa, iríamos disputar as fases decisivas da Premier League e da Champions, e ele foi claro: ‘Eu quero ganhar as duas. Aproveitem essa folga, porque quando voltamos quero a equipe pronta para brigar pelos dois troféus’.

ESPN: E isso se confirmou?

MB: Depois do Mundial, a gente voltou e ganhou a Premier League com uma margem recorde de 18 pontos, algo que demorou muitos anos para alguém conseguir superar. Só o City do Guardiola foi melhor, com 19 pontos. Na Champions, porém, fomos eliminados pelo Real Madrid nas quartas de final. Empatamos por 0 a 0 no Santiago Bernabéu, mas depois perdemos por 3 a 2 em Old Trafford. Eu não joguei, pois estava machucado.

ESPN: A imprensa inglesa sempre faz pouco caso do Mundial de Clubes. Em 2000, não foi diferente. Por quê todo esse desprezo?

MB: Os ingleses, e pelo jeito os espanhóis também, são muito bons em fazer esse "joguinho". Quando perdem, eles falam que não ligam. Mas, quando ganham, eles comemoram e falam: ‘Esse é o maior torneio da história do futebol’. Eles são muito bons em fazer isso (risos).

ESPN: Apesar da participação ruim do United no Mundial de 2000, você guardou alguma boa memória?

MB: Meu momento favorito do Mundial de 2000 foi contra o Necaxa, pois peguei um pênalti. Então, acho que foi o melhor momento do time (risos). Brincadeiras à parte, foi uma boa experiência jogar o torneio. Claro que nunca é bom perder, mas foi uma grande experiência. Só que, se Deus me desse a chance de eu reviver um momento da minha vida, certamente eu escolheria o jogo contra o Palmeiras. Depois do massacre do Vasco, eu fiquei pensando: ‘Talvez essa seja a maneira que Deus encontrou de equilibrar as coisas na minha vida após a minha atuação contra o Palmeiras’ (risos). E dá para falar também que o gol do Edmundo talvez foi o mais bonito que já levei. Por isso eu digo: nunca é bom perder, mas ficam algumas boas memórias, sim.

Ficha técnica

Manchester United 1 x 3 Vasco

GOLS: Vasco: Romário, aos 24 e aos 26, e Edmundo, aos 43 minutos do primeiro tempo Manchester United: Butt, aos 36 minutos do segundo tempo

MANCHESTER UNITED: Bosnich; Gary Neville, Silvestre, Stam (Jordi Cruyff) e Irwin; Keane, Phil Neville, Butt e Giggs (Fortune); Solskjaer (Sheringham) e Yorke Técnico: Alex Ferguson

VASCO: Helton; Jorginho (Paulo Miranda), Mauro Galvão, Júnior Baiano e Gilberto; Amaral, Felipe, Juninho Pernambucano (Alex Oliveira) e Ramon (Nasa); Edmundo e Romário Técnico: Antônio Lopes

Fonte: ESPN Brasil