Futebol

Fim da concentração divide opiniões de dirigentes e atletas

Domingo de futebol. Os jogadores se encontram às 11h30 no estádio, vão de ônibus até o hotel, almoçam, descansam, e voltam ao palco da partida, às 16h. Onde dormiram na noite anterior? O que comeram e beberam? Não se sabe. O Coritiba resolveu mexer em um dos assuntos mais delicados e polêmicos do futebol brasileiro: a concentração. Desde o início deste ano, a famosa rotina de fechar o grupo sempre um ou dois dias antes dos jogos não existe. Uma atitude corajosa que coleciona elogios de atletas, dúvidas de dirigentes, e já tem adeptos como o Botafogo.

Em 2012, o técnico Marquinhos Santos e a diretoria já discutiam aliviar a concentração. Durante a pré-temporada de 17 dias em Foz do Iguaçu, isso foi debatido com os jogadores, juntamente com uma “cartilha” de recomendações. A conta é simples: no ano passado, o Coxa disputou 78 partidas. Levando em conta um dia de concentração na véspera de cada uma delas, seriam 156 dias de reclusão.

- Imagine mais de cinco meses dormindo em camas e colchões diferentes, com pessoas diferentes, o prejuízo, o estresse e o desgaste que isso pode causar. É um processo que amadurecemos por três anos para fazermos um trabalho de obrigações e deveres com os atletas - explica o superintendente de futebol Felipe Ximenes.

\"Concentração\"


O Coritiba ganhou o primeiro turno do Campeonato Paranaense, mas no segundo é apenas o terceiro colocado. O desafio dos dirigentes é mostrar que os resultados não dependem de os jogadores estarem “controlados” na véspera. Ximenes conta, por exemplo, que eles se concentraram na véspera do clássico contra o Paraná, e perderam. Por outro lado, apresentaram-se horas antes de enfrentarem o Arapongas, e venceram.

Segundo o treinador Marquinhos, o estadual serviria como espécie de laboratório para o resto do ano. O dirigente confirma que a intenção é manter a fórmula. Experiente, o meia Alex, principal líder do grupo, ajudou com relatos dos tempos de Europa. Ídolo do Fenerbahçe, ele revela que a concentração na Turquia dependia do treinador. Houve quem utilizasse e quem abrisse mão. Alex não fica em cima do muro quando questionado sobre a melhor fórmula.

- Tenho certeza que concentrar dois dias antes não faz ninguém ganhar uma partida. É até pior. Se eu puder escolher entre dormir na minha casa ou no hotel, vou sempre preferir em casa. Os jogadores assimilaram muito bem. Se alguém comete um deslize, o sistema afasta porque os outros não querem ser prejudicados. O futuro aponta para isso - afirma o craque, endossado pelo técnico.

- O futebol brasileiro precisa voltar a evoluir, e um dos conceitos é essa questão da concentração. A tendência é partir logo para isso. Apesar de ser novo, se eu puder colaborar com alguns conceitos e atitudes que melhorem nosso futebol, ficarei muito satisfeito - pondera Marquinhos Santos, de apenas 33 anos.

A medida é polêmica. No caso do Botafogo, começou em razão dos salários atrasados. Em protesto, o grupo anunciou que não se reuniria na véspera dos jogos contra Madureira e Friburguense. O êxito da equipe e a opinião do técnico Oswaldo de Oliveira, que vê próxima a falência do modelo, farão com que a concentração seja avaliada jogo a jogo no clube.

Adilson Batista, técnico do Figueirense, também aboliu a concentração em partidas no início da temporada. Ele acha que os atletas precisam ter mais responsabilidade. Muricy Ramalho já manifestou essa intenção por diversas vezes, disse que deve ser um processo gradativo.

Por outro lado, recentemente, São Paulo e Palmeiras confinaram seus elencos por mais de 48 horas em partidas decisivas. O Atlético-MG tomou atitude semelhante durante o Campeonato Brasileiro do ano passado, e pessoas ligadas a jogadores do Galo apontam esse como um dos principais fatores para a queda da equipe, que era líder, mas acabou ultrapassada pelo Fluminense.

Os atletas, maiores beneficiados, são favoráveis. É o caso do zagueiro corintiano Paulo André, uma das figuras da classe que mais se manifestam sobre assuntos do futebol. Para ele, se todos os clubes tomassem esse caminho, daqui a três anos seria muito mais fácil separar os bons e maus profissionais.

- O Coritiba está sendo inovador ao dar ao atleta a opção de escolher o que fazer. Ele pode sair, tomar seu vinho, sua cerveja, se alimentar bem, descansar. É fundamental parar de tratar o atleta como um bebê. Ele é profissional, e suas escolhas vão ser cobradas ali na frente.

Ao citar os benefícios da medida, o meia Alex fala até da questão financeira dos clubes, que não precisariam gastar com hotéis. Quem possui alojamentos em seus centros de treinamento já faz essa economia. O Flamengo pretende abrigar seus atletas profissionais até o fim deste ano. O Fluminense também ressalta a construção de seu CT para poupar gastos com hospedagem. Nos primeiros meses deste ano, desembolsou R$ 137.600,00 com hotéis. O diretor executivo Rodrigo Caetano não vê o fim da concentração com bons olhos.

- Na questão cultural, ainda não estamos nesse nível. O atleta tem de entender que é uma proteção para ele. De que forma o torcedor vai encarar encontrar um jogador jantando com sua família na véspera de uma partida decisiva? Como falta de comprometimento? É um debate muito maior.

*Colaborou Edgard Maciel de Sá

Fonte: ge