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Falso empresário que se dizia jogador do Vasco é investigado pela Polícia

Os relatos descrevem um homem de boa aparência, inteligente, de personalidade agradável, amigo e, sobretudo, dono de uma lábia poderosa. Décio Francisco Leite da Costa - ao menos era assim que se identificava - vendia um sonho mágico a jogadores de futebol: jogar na Europa e com um bom salário. Dizia ser ex-jogador do Vasco e agente no Brasil do Brescia, clube da segunda divisão da Itália. Fez três vítimas prometendo a transferência e ainda aplicou outros dois em calotes, sempre abusando da confiança do ludibriado. Deixou um rombo de pouco mais de R$ 20 mil, no total. Meses depois, desapareceu e hoje está sendo investigado pela polícia.

O que mais impressiona é a arquitetura do golpe, que não aconteceu de uma hora para a outra. Do primeiro contato, através de uma rede social na internet, até o sumiço foram meses. Nesse tempo, Décio chegou a morar na casa de uma das vítimas e se encontrou com as outras inúmeras vezes. Seu portfólio de truques inclui falsas reportagens em jornais onde ele aparecia como jogador do Vasco e ofertas em papel timbrado do Brescia de um salário de € 75 mil por ano (aproximadamente R$ 230 mil). Tudo farsa, claro.

- Ele era um cara tranquilo, não tinha como desconfiar - conta Carlos Alberto de Medeiros, pai de Sávio Mendes, de 18 anos, que rescindiu o compromisso com o Boavista, clube da Região dos Lagos do Rio de Janeiro, para aproveitar uma oportunidade que nunca veio.

A seu favor, Décio tinha uma prova incontestável - talvez, a parte menos esclarecida do plano. Seu nome consta no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF como jogador de futebol do Taubaté, do interior de São Paulo. Ele usava essa constatação oficial para confirmar seu envolvimento no futebol e justificar os supostos contatos no meio. A diretoria da equipe paulista não soube informar se ele já atuou ou não no clube.

A audácia do golpista proporciona momentos cômicos em determinadas situações. Uma delas é a falsa reportagem enviada por e-mail às vítimas. Ainda dentro da farsa de ser um jogador do Vasco, a "matéria" dizia que o contrato dele havia sido regularizado. No entanto, a história contava que o jogador estava treinando em separado e que ele havia sido preterido pelo técnico Adilson Batista. O fim do texto, que contém inúmeros erros de português, informa que o jogador, chateado, não quis falar com a imprensa sobre o assunto. O último detalhe era que, ao clicar no texto, o usuário era redirecionado para uma reportagem sobre regularização de outro jogador, esse sim real, Juninho Pernambucano.

O PRIMEIRO CONTATO

Foi por uma rede social que Décio se aproximou de Carlos, ainda no ano passado. A princípio, o golpista disse que morava em São Paulo, mas não se apresentou como um olheiro. Pelo contrário, pediu ao pai do menino Sávio uma ajuda para encontrar um clube no Rio de Janeiro. As conversas não evoluíram muito, mas ficou a amizade.

Três semanas depois, Décio apareceu no Rio de Janeiro. O rapaz que, havia menos de um mês, procurava um clube agora conseguira uma chance em um dos maiores times do Brasil: era supostamente jogador do Vasco.

- Ele disse que conseguiu uma oportunidade no Vasco através de um empresário. Eu inocentemente acreditei. Ele ficou hospedado em Copacabana dizendo que o Vasco estava pagando a sua hospedagem. Como ele sabia que eu trabalhava até as 17h, encontrava com ele em São Januário, mas nunca chegava no horário do treino. Quando eu chegava lá, ele sempre estava na parte social do clube, com chuteira e meião na mão - conta Carlos, que foi enganado por reportagens falsas mostradas por Décio.

Décio se mostrava antenado com o que acontecia à sua volta e aplicava fatos na sua encenação. Como no ano passado o Vasco passou por uma crise, que acabou culminando no rebaixamento à Série B, ele alegou que o clube estava lhe devendo salário e voltou a pedir ajuda ao amigo Carlos. Sem hesitar, o rapaz conseguiu abrigar o "jogador" na casa de um conhecido por tempo indeterminado.

A OFERTA SEDUTORA

Décio passou a morar de favor na casa do pastor Alexandre Aguiar, em São João de Meriti, na Região Metropolitana do Rio. De lá, começou a executar a parte mais lucrativa do seu plano. Dizendo-se amigo de Luigi Corioni, atual presidente do Brescia, ele começou a se passar por um representante do clube no Brasil. Carlos ouviu dele que seu filho era um desejo dos italianos, que estariam disposto a pagar um valor astronômico.

Sávio e outros três jovens jogadores receberam essa proposta. Além do salário de € 75 mil (R$ 227 mil) por ano e um contrato de quatro anos, as famílias dos atletas receberiam cada uma € 25 mil (R$ 76 mil) à vista - tudo em documentos de papel timbrado providenciados pelo criminoso.

- Ele disse que era amigo do (Luigi) Corioni. Ele viu um treino dele (Sávio) no Boavista e comentou com o Corioni, que estava sempre em contato. O clube se interessou, e outras pessoas estariam envolvidas - lembra Carlos.

A princípio, Décio se colocou à disposição para intermediar as negociações. O Brescia estaria passando as exigências, e ele as transmitia para as famílias dos meninos. E vice-versa. Assim, o caso se desenrolou por quase um mês. Foi então que Carlos teve a ideia de convidar Décio para morar em sua casa, com o objetivo de aproximá-lo e saber como andavam as conversas.

Para dar ainda mais credibilidade ao assunto, Décio colocou as vítimas em contato direto com o presidente do clube italiano, por e-mail. Mas o endereço eletrônico não era corporativo, e sim de um conhecido portal. A reportagem do GloboEsporte.com enviou uma mensagem se passando por um jogador de futebol pedindo informações sobre testes no Brescia, mas não houve resposta.

A CONDIÇÃO E A FUGA

Os documentos, todos em italiano, foram assinados. Décio, então, impôs uma condição. Precisava de R$ 2 mil de cada jogador para inscrevê-los no Sumaré, do interior de São Paulo, pois o Brescia exigia que o nome dos meninos aparecesse no BID da CBF. Duas das vítimas pagaram o valor ao golpista. Carlos, por sua vez, pagou apenas R$ 1.400: havia conseguido, paralelamente às negociações com a Itália, um contrato para o filho no Francisco Ferro, de Alagoas.

- Décio não tem ligação com o clube. Aqui a gente não registra jogadores mediante pagamento. Jogador para atuar aqui tem que fazer teste conosco e estar alojado aqui - afirmou Ivair Costa, diretor da base do Sumaré.

Com o dinheiro no bolso, Décio foi embora. Alegou que havia sido dispensado do Vasco após o rebaixamento de 2013 e disse que precisava voltar a São Paulo, mas que continuaria tocando as negociações de lá. Pela internet, eles continuaram se falando por pelo menos mais três semanas. Depois, desapareceu.

A certeza de que havia sido vítima de um golpe veio ali. Carlos prestou um Boletim de Ocorrência na 16ª Delegacia de Polícia, na Barra da Tijuca. Por telefone, a polícia não quis informar como andam as negociações.

Advogado especialista em direito esportivo há mais de 10 anos, Diogo Souza acompanha o caso desde o início. Seu cliente, um empresário chamado Bira, seria a quarta vítima de Décio, não fosse por suas orientações. Ele desconfiou da oferta tentadora e pediu para que Bira fosse lhe passando tudo que acontecesse.

- Achei muito suspeita a transferência para um tradicional clube italiano de um jogador desconhecido, de um clube da segunda divisão do Rio de Janeiro (Ceres), sem passaporte europeu e com uma proposta relativamente alta. Como a proposta estava escrita em italiano, eu a enviei para um amigo meu italiano e pedi para ele traduzir para mim. Ele me informou que a proposta tinha um italiano todo errado, com diversos erros. Suspeitei que aquela carta tivesse feita no Google tradutor - conta o advogado.

OS RASTROS

Nesses meses de mentiras e encenações, Décio deixou rombos por onde passou. O total do prejuízo do golpista ultrapassa a casa dos R$ 15 mil. Na época em que ficou na casa do pastor Alexandre, ele pediu o cartão emprestado para que investidores em São Paulo depositassem uma suposta quantia que estavam lhe devendo. Com a senha nas mãos, zerou a poupança do pastor, que só descobriu há cerca de um mês.

- Ele saqueou minha conta da poupança. Ele morou aqui, ajudei ele, apresentei aos meus amigos, à minha família, passou Natal, Ano Novo, tudo aqui em casa. Até eu emprestar o meu cartão. Fui verificar esses dias o dinheiro na minha conta, e apareceu um negativo de R$ 800. Ele simplesmente zerou tudo que eu tinha - lamenta o pastor.

As acusações de calote não param por aí. Quando já estava na casa de Carlos, Décio resolveu comprar um carro. Escolheu um C3 preto, de R$ 15 mil, de José Luis, o Maranhão. O pagamento foi feito com um cheque de R$ 10 mil - os outros R$ 5 mil seriam pagos no mês seguinte. O único problema é que o cheque era furtado. Além disso, Décio tem utilizado o carro e duas multas já chegaram para o proprietário do carro, que agora pretende denunciar o golpista.

Os jogadores lesados se uniram para processar o falso empresário. Eles estão sendo representados pelo advogado Diogo Souza, que agora luta na Justiça para indenizar as vítimas.

 

Fonte: ge