Fachada de prédio da antiga sede do Vasco encontra-se em estado precário
A PRIMEIRA SEDE DO VASCO - RUA DA SAÚDE, N.º 127
Em frente da sua primeira sede, também funcionou a primeira escolinha de remo do Vasco!
A muito se pergunta, onde se localizava a primeira sede do Vasco, instalada no Largo da Imperatriz? Aqui tentaremos resgatar para a memória vascaína a pequena história por trás da história.
Os Primeiros Passos do Vasco para a Glória
Henrique, Luiz, José e Manoel. Todos do comércio do centro do Rio, trabalhavam mais de 14 horas por dia. Em fins do século XIX o comércio do Distrito Federal funcionava até as 21 horas ou mais, havendo inclusive plantões aos domingos para os funcionários que não folgassem. Caso folgassem, somente neste dia lhes era possível exercitarem-se com um barco a remo emprestado de amigos, perto do Clube Gragoatá em Niterói. Daí surgiu o sonho da criação de um clube de regatas na Saúde.
Decerto a motivação dos fundadores era a prática do remo. No entanto, o chamado "rowing" ou "yatching" era dominantemente praticado pelos clubes de elite e por estrangeiros, que não permitiriam que simples comerciários "sem berço" lhes roubassem a cena.
A decisão do fundador Henrique M. Ferreira Monteira de convidar os irmãos Couto para participarem do novo club de regatas não foi sem finalidade. Trariam eles o suporte social e financeiro para a viabilização do Vasco.
O empresário Francisco Gonçalves Couto Junior, juntamente com seu sócio, o Conde de Santa Marinha)(2), atuavam no ramo da "serraria a vapor" (com instalações na Rua Barão de São Félix, n.º 25 e nos trapiches à Rua da Saúde n.os 106 e 112. Ao contrário do que se diz, Couto Junior era português, e nessa época, por conta também da encruada cultura contra o lusitanismo, advinda do jacobismo praticado na "república velha", fizeram com que os irmãos Couto ficassem motivados pela empreitada de um novo clube de regatas, sob o signo da Cruz de Cristo.
Antes mesmo de tomar posse como primeiro presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, Francisco Gonçalves do Couto Junior providenciou, nas proximidades de seu negócio, a locação da primeira sede do club, à Rua da Saúde, n.º 127, defronte ao Largo da Imperatriz, onde passou a funcionar na mesma data em que a primeira diretoria tomou posse à 28 de agosto de 1898 (1).
Neste local foi instalado provisoriamente, até que se decidisse sobre a localização de sua sede própria, onde se instalaria a garagem de barcos.
A localização desta sede era mais que apropriada para o momento da fundação. Estava se iniciando a sina de um club que lutaria anos a fio na superação da intolerância e do preconceito encrustados na cultura elitista da aristocracia reinante na Capital Federal.
A sede da Rua da Saúde, n.º 127 ficava defronte ao Largo da Imperatriz(3), próxima dos negócios de Couto Junior, com acesso ao mar pelo Cais da Imperatriz, recentemente redescoberto pelas obras do Porto Maravilha e tornado monumento histórico pela prefeitura.
Nas palavras do Rochinha(3), "nesse sobrado espaçoso e confortável organizou o Vasco os seus serviços de secretaria, tesouraria e outros mais necessários à vida desportiva e social pois era comum haver um bate-papo noturno". E ali os mais de 100 novos sócios, na sua maioria moradores da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, fizeram germinar os mais altos princípios de vascainidade: dignidade, força, coragem, e superação.
O Primeiro Estatuto
Ainda na sessão de posse da 1.ª diretoria eleita, ocorrida na Estudantina Arcas, o Dr. Henrique Lagden (2.º tesoureiro, médico(4) e intendente da Câmara Municipal), propôs a criação de uma comissão para a confecção do estatuto e do regimento interno, sendo eleitos para tal os sócios Lopes de Freitas (Zé da Praia), Virgilio Antunes, e A. Gama.
Encerrados os trabalhos da comissão, a 7 de setembro de 1898 convidou-se os associados para a realização da assembleia geral para discussão dos estatutos, designada para sábado, 10 de setembro, às 7 horas da noite, conforme edital publicado mandado publicar no mesmo dia pelo matutino "O Paiz."
Foi José Lopes de Freitas o formulador da principal proposta, que integra até hoje, de modo irreversível, todas as alterações estatutárias do Vasco:
"PROPOSTA: O CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA POR MOTIVO NENHUM MUDARÁ O NOME E AS CORES QUE ADOTOU".(5)
O mesmo O Paiz afirma que aprovação do estatuto se deu sob aclamação de "um aluvião de palmas".
Em assuntos gerais os irmãos Couto assumem o compromisso da construção do barracão para guarda das embarcações e seus utensílios, bem como o local onde ela deveria ser erguida. Por unanimidade de votos a assembleia decidiu pela Praia Formosa, na antiga Ilha das Moças.
"No mesmo dia o Vasco recebeu a visita de seus irmãos mais velhos do remo tripulando embarcações de seus clubes corretamente uniformizados que antes de desembarcarem levaram remos ao alto em saudavam o adversário e visitado".(5)
A Primeira Escolinha de Remo
Em frente à primeira sede, organizou-se também a primeira escolinha de remo do vasco, sob direção dos dois Freitas (José Lopes de Freitas, expert do rowing, e João Candido de Freitas, diretor de regatas).
Em sua obra(5), Rochinha descreve a atividade:
Todas as noites, das 19 às 22 horas, davam "aulas práticas no "Vagaroso", bote alugado e armado a quatro remos com palamenta, e na "Iara", cedido por João Amaral, barquito de quatro metros de comprimento, armado com quatro remos de voga com pretensões a baleeira.
A garagem era um limitado trecho de praia ao lado do cais (da Saúde) de desembarque, uma corrente de ferro a prender os barcos com cadeado para evitar que as marés cheias e também as mãos sorrateiras e criminosas que os pretendessem levar para outros embarcadouros.
Aos treinos noturnos, compareciam muitos sócios. Em regra os aspirantes e "campeões de remo" eram verdadeiros neófitos mas atentos e animosos ouviam com paciência e empenho as explicações sobre o material desportivo e a técnica: as forquetas, o castelo, o cair à ré, o remar avante, o bombordo, o boreste...".
Já o jornal O Paiz ainda descreveu mais detalhes:
"O numero de socios começou então a augmentar consideravelmente. Lopes de Freitas foi nomeado pela directoria instructor de remo; as instrucções eram ministradas todas as noites numa embarcação a quatro remos, a que lhes deram o nome de "Escola".
O trajecto preferido pelo habil instructor era da ilha da Pombeia ao Arsenal de Marinha, sendo este feito duas, tres e muitas vezes quatro por dia, era o adestramento dos futuros luctadores"(6).
O Prédio da Primeira Sede do Vasco
Como afirmaram diversos jornais da época, a sede tinha por finalidade a provisoriedade. Os jornais "Cidade do Rio" e a "Gazeta de Notícias" destacavam a instalação do Vasco em sua sede provisória na sua edição de 30/08/1898. Mesmo assim, foi ali que o Vasco traçou seu futuro, sendo visitado por seus co-imãos (Botafogo, Natação e Regatas, Flamengo e Boqueirão do Passeio) a 5 de setembro de 1898 defronte ao Cais da Imperatriz (O Paiz, 07/09/1898) onde se confraternizaram.
Nela a diretoria providenciou a aquisição de diversas embarcações, como a Zola, que trouxe em solenidade a bandeira, a flâmula, o gorro, seu símbolo, e o escudo representado pela Cruz de Cristo.
Por volta do mês de novembro, o Vasco já se encontrava instalado em sua sede própria na Ilha das Moças.
Não se tem notícias se o club continuou utilizando o sobrado da Rua da Saúde, n.º 127 tão somente até a construção da garagem ou se prosseguiu com a locação até a primeira cisão em meados de 1899.
Hoje, do histórico prédio da primeira sede do Vasco, correspondente ao n.º 167 da Rua Sacadura Cabral, persiste de pé somente a sua fachada
Notas do Blog:
(1) Vide em A PRIMEIRA DIRETORIA DO VASCO - Há exatos 115 anos, foi instalado o club e tomava posse sua primeira diretoria.
(2) Os trapiches localizavam-se onde hoje existe o complexo do Hospital dos Servidores Públicos do Estado, provavelmente defronte aos números 203 e 205 da Rua Sacadura Cabral.
(3) Atual Praça Jornal do Comércio, no cruzamento da Rua Sacadura Cabral com a Av. Barão de Tefé,, ao lado do complexo do Hospital dos Servidores do Estado.
(4) Dr. Henrique Lagden, médico atuante nos bairros portuários. Foi convidado a participar da fundação do Vasco a pedido de Henrique Monteiro, que lhe pediu a indicação dos seus pacientes para virem se associar ao club na assembleia de instalação. Foi um dos principais captores de sócios, tendo comparecido à posse da 1.ª diretoria mais de 100 novos associados.
(5) José da Silva Rocha, Club de Regatas Vasco da Gama - Histórico: 1898-1923, ed. gráfica Olímpica Editora-Rio - 1975, pp.16 e 17.
(6) Grafia da original, Vide: Especial em comemoração ao vigésimo aniversário do Gigante da Colina
(7) Em nossas pesquisas cotejamos as seguintes fontes de consulta: (a) Biblioteca Nacional; (b) Plan of the City of Rio de Janeiro - Edward Gotto -1876; (c) Nova Numeração dos Prédios da Cidade do Rio de Janeiro - J. C. Cavalcanti - 1 - fac simile - Coleção Memória do Rio 6 (1979); e (d) croqui do acervo de plantas e inconografia do Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro.
O conjunto de 4 sobrados da Rua Sacadura Cabral (antiga da Saúde), em frente à Praça Jornal do Comércio (originalmente Largo da Imperatriz, antiga Praça Municipal), tinha numeração sobreposta por letras pela ordem A, B, C e D da Praça Municipal, assim registrados por Edward Gotto. Na obra de J. C. Cavalcanti, encarregado da revisão, procedeu a supressão da designação por letras para a Praça Municipal e integrou os imóveis à Rua da Saúde, indicando para o sobrado de letra C o n.º 127. Já o croqui constante do acervo do Arquivo Público indica a posição dos 4 sobrados por volta de 1904, com os mesmos prédios ainda hoje existentes na seguinte ordem: n.º 2 (da Rua Camerino, esquina com Rua da Saúde), n.os 123, 125, 127, 129. Da simples comparação do imóvel indicado no referido croqui temos a identificação do imóvel da Rua da Saúde, n.º 127 como sendo o atual imóvel da Rua Sacadura Cabral, n.º 167 - Saúde.