Futebol

Fã do Vasco, jovem haitiano sonha em jogar no Brasil

\"Sou feliz.\" A resposta é do haitiano Tilmé Wilson, 18, um ano após perder mãe, dois irmãos e amigos no terremoto que devastou a capital Porto Príncipe em 12 de janeiro de 2010. Um ano depois, cabisbaixo, com olhar assustado, ele diz que ainda está sem saber do paradeiro do pai. Sem respostas, Wilson ainda assim afirma ser feliz, ali, embaixo de um dos locais que recebeu milhares de refugiados após o desastre que matou mais de 300 mil pessoas no país que já era o mais pobre das Américas.

A resposta vem de um jogador de futebol da Primeira Divisão. Tilmé Wilson é meia-atacante do Aigle Noir [ou Águia Negra, em tradução livre]. Jogar em um dos principais times de Porto Príncipe é a resposta que o jovem dá à tragédia no Haiti. Mesmo que ganhe apenas cerca de R$ 170 por mês.

Vendedora de água, refrigerante e cerveja no estádio em Porto Príncipe, no Haiti

\"A Federação Nacional [de Futebol] e os amigos são minha única ajuda\", diz Wilson sobre sua condição de vida após passar seis meses sem jogar futebol abalado pela tragédia.

Fã de Romário e do Vasco, o meia-atacante sonha marcar seus gols de cabeça no Brasil ou na Espanha. Por enquanto, segue no banco de reservas do Aigle Noir.

Nesta quinta-feira, Wilson não evitou a derrota do time do populoso e devastado bairro de Bel Air, onde cresceu. O placar de 1 a 0 contra o visitante Racing des Gonaive foi dramático. Drama que as Águias Negras estão acostumadas, pois, desde o terremoto, não têm onde treinar porque o campo foi invadido por pelos desabrigados e suas mais de mil barracas.

O estádio da partida desta quinta foi o mesmo no qual o Brasil venceu o Haiti no Jogo da Paz, em 2004, por 6 a 0. Porém, algumas diferenças se instalaram no local desde então.

O vestiário não tem água. A única usada pelos jogadores é trazida em um tonel de plástico e serve para os jogadores se banharem depois da partida.

O gramado continua sendo um tapete, literalmente. É um carpete artificial que lembra grama. Mas como os campos de futebol do Haiti foram tomados por refugiados, o estádio Sylvio Cator é a única alternativa para serem realizados os jogos. Assim, com partidas quase que diárias, o tapete está velho, acabado.

Um novo gramado artificial deve ser colocado a partir do mês de fevereiro, quando o Campeonato Haitiano estará encerrado. O custo de US$ 850 mil (R$ 1,45 milhão) vai ser pago por patrocinadores. O estádio deve ser totalmente reformado. E precisa.

Na arquibancada, que recebeu cerca de 600 torcedores, vende-se de tudo. Cerveja, água, refrigerante e comidas. Até ensopado de carne com banana e batatas cozidas. Qualquer um pode ser comprado a partir de US$ 1 (R$ 1,70).

Os ingressos custam cerca de R$ 2,10 o mais barato, e chegam a quase R$ 6,30. Mesmo assim, muitos forçam a entrada de graça e ainda há um grande acúmulo de pessoas nos portões de acesso, querendo entrar, mas sem dinheiro. Estes torcedores se misturam à grande confusão do trânsito, das barracas na calçada e do campo de desabrigados que ainda permanece montado ao lado do estádio.

Para os torcedores, na arquibancada ou fora dela, a dramaticidade da partida é narrada via telefones celulares que os narradores de rádio levam para as toscas cabines de imprensa. Entre as seis equipes de rádio havia também duas de TV, com câmeras amadoras.

Já o drama em campo, de proporções extremamente menores se comparado ao que acontece em Porto Príncipe, ocorreu no segundo tempo, quando, após o gol dos visitantes, o sol se pôs e o árbitro encerrou a partida faltando cerca de 20 minutos.

SEM HOSPEDAGEM


Sem luz natural, a partida poderia continuar no dia seguinte. Mas a equipe de Gonaive não teria onde ficar hospedada em Porto Príncipe, a não ser no estádio. A cidade de Gonaive fica no norte do país, a cerca de 18 horas de ônibus da capital, tornando inviável outra partida a duas rodadas do fim da competição.

Aliás, o jogo já havia sido adiado em razão do primeiro turno das eleições haitianas, no fim do ano passado. Confusão restabelecida. O gerador de energia elétrica não estava ligado. Diz-se que em virtude do furto de energia que ocorre no local. Porto Príncipe dorme praticamente toda na penumbra.

Aproximadamente 30 minutos após o encerramento da partida, os refletores foram acesos. O jogo voltou. E o placar foi mantido nos minutos finais. Alegria para o Racing, que fica mais longe do rebaixamento. Tristeza para o Aigle Noir, que já não briga pelo título. E, apesar de tudo, feliz é Tilmé Wilson, que ainda encontra resposta no futebol para dizer que é feliz no Haiti.

Fonte: Portal Bol