Exemplos de civilidade e competência: Zico e Dinamite, amigos para sempre
Os tempos mudaram. O novo astral que tomou conta do Vasco, com a eleição de Roberto Dinamite, abriu até as portas de São Januário para o maior craque da história do Flamengo, Zico. Durante animado bate-papo na casa do novo comandante cruzmaltino, na Barra da Tijuca, foi levantada uma questão: Zico seria o técnico ideal para um dia assumir o comando do time vascaíno? Roberto rebateu de primeira: “As portas estão abertas.Mas o Zico atingiu outro patamar, acima de treinar times de clubes. Ele é técnico de seleção”, disse o Dinamite.
Atento, Zico devolveu. “Não fala assim não, Bob! Eu estou desempregado”, respondeu o Galinho, com uma sonora gargalhada.
Eles viajaram no tempo e contaram que a amizade entre ambos nasceu de tanto ‘cara-ou-coroa’ que disputaram no passado, pois eram capitães de suas equipes. Hoje, aplaudem a rivalidade sadia no futebol e condenam a violência das torcidas.
O bate-bola histórico entre os dois é o primeiro depois que Roberto marcou um gol de placa, assumindo os destinos do Vasco nos próximos três anos, pondo fim à um ‘coronelismo’ que durava décadas no clube.
A CHEGADA
Um forte abraço e uma gozação de Zico marcaram de cara o início da conversa entre os dois velhos amigos.
“Acabou a moleza. Agora, você vai ter que acordar aos domingos de madrugada para assistir às regatas lá na Lagoa Rodrigo de Freitas. Não vai curtir o Vasco só no futebol, não. Você é presidente de todos os esportes”, brincou o Galinho, lembrando que na Europa é mais fácil ser presidente.
“Lá, o cara é o dono do clube, trata só do futebol. Aqui, é uma loucura, tem de cuidar com diretores de todos os setores”.
Roberto matou a gozação no peito, assumiu que vai madrugar pelo bem do clube e passou a bola:
“E você, Zico? Quando vai ser presidente do Flamengo. Tem planos para se dirigente?”
“Fui mordido pela mosca azul. Achei que não daria certo como treinador, mas fui bem e acabei gostando. Estou em atividade e pretendo seguir na profissão por muitos anos. Agora, não penso em ser presidente. No futuro...”, rebateu Zico.
ZICO NO VASCO
Zico está muito acima de treinar times. Ele chegou a outro patamar. É técnico de seleção”, definiu Roberto.
“Olha só, Bob. Fala assim não, cara! Eu estou desempregado (gargalhadas)”, respondeu o Galinho, lembrando que, quando ainda estava no infantil do Flamengo, quase se mudou para São Januário.
“Seu Antunes, meu pai, quis me tirar porque o clube não me dava almoço. Mas o George Helal bancou a comida do próprio bolso”.
VIOLÊNCIA EM CAMPO
Os jogadores e torcedores de hoje em dia confundem tudo. Adversário é uma coisa; inimigo é outra bem diferente. Pode ter rivalidade no futebol, mas o ódio, jamais” , comentou Roberto.
“O futebol reflete o cotidiano de um povo sofredor. O torcedor absorve tudo dos seus ídolos. Por isso, profissionais não podem pregar a guerra. Têm que pregar a paz. Hoje, está tudo muito insano”, acrescenta Zico.
RIVALIDADE FLA X VASCO
“A maior mentira do futebol é falar que se o Vasco ganhar do Flamengo conquista um título. Pura cascata. Para ser campeão tem que ganhar o máximo de adversários”, detona Roberto.
“Não é para dar uma de saudosista, não. Mas na nossa época levávamos 100 mil ao Maracanã. Todos se divertiam, sem brigas. Fizemos partidas memoráveis, com vitórias e títulos para os dois lados. Hoje, transformaram numa guerra.”, recorda Zico.
RELAÇÃO COM A TORCIDA
“A situação financeira do Vasco está muito complicada. Não dá mais para o clube distribuir ingressos de graça. O verdadeiro vascaíno, aquele que ama o Vasco, vai ter que ir às bilheterias e comprar o seu bilhete para ajudar o clube. Não dá para distribuir R$ 30 mil em ingressos. A gente quebra de vez se continuar agindo assim. Não quero ter relação de dependência com as torcidas, e sim a união de todos”, convoca Dinamite.
“Além do mais, as torcidas organizadas já ganham dinheiro dos clubes. Vendem produtos, camisas e têm até quadro de associados, pagando mensalidades. As organizadas têm arrecadação própria. Têm mais é que ajudar os clubes”, acrescenta o rubro-negro.
AMIGOS DE FÉ
“Nós nos conhecemos desde os tempos de juvenis. Sempre houve respeito entre nós. Nossas mães, Dona Neusa (Roberto) e Dona Matilde (Zico) assistiam aos nossos jogos juntas, ficaram amigas. Depois, como capitães dos times, tiramos tanto cara-ou-coroa no início das partidas que acabamos ficando amigos. Mas quando a bola rolava, acabava o amor”, brinca Dinamite.
“Valia o respeito mútuo e a vontade de vencer. Roberto morava na Ilha, e quando se mudou para a Barra a amizade se fortaleceu ainda mais. As convocações para a seleção brasileira também nos uniram mais”, salienta o Galo.
BOAS LEMBRANÇAS
“O Mozer e o Leandro eram sacanas e ficavam me zoando na Seleção, brincando de mexer nos meus peitos e falavam. ‘Olha, que peitinho bonito’. No primeiro Fla e Vasco, nos cumprimentamos e nos primeiros lances, o Mozer me deu três porradas, uma por trás. Reclamei ele não ligou, mas no fim ficou tudo bem. É assim que tem que ser”, lembra Roberto.
“Eu nunca vou me esquecer. O Vasco foi o único clube que me homenageou quando eu encerrei a carreira. O Antônio Soares Calçada, seu ex-presidente, foi ao Maracanã e me entregou uma placa agradecendo os serviços que prestei ao futebol. Isso me emocionou”, agradece Zico.
CONSELHO
“Faça o que lhe der na cabeça. Siga sempre com as suas convicções. Até consulte as partes, ouça opiniões. Mas na hora H a decisão tem que ser sua. Porque irão cobrar de você, do presidente. Certo ou errado, a decisão tem que ser sua”, ensina Zico, que é presidente do CFZ.
“Eu agradeço. É impossível dirigir um clube da grandeza do Vasco sozinho. Mas a batida do martelo é minha. A palavra final é do presidente”, agradece Roberto.
ZICO E ROBERTO
“O Zico era um craque. Acabava com o jogo num piscar de olhos.Foi um jogador completo, habilidoso, matador”, elogia Roberto.
“O Roberto evoluiu muito. Começou como centroavante fixo até cair nas mãos do meu irmão Edu, que treinou o Vasco. O Edu ensinou Roberto a se posicionar para fazer lançamentos buscando os velocistas Romário e Mauricinho. Além de tudo, era exímio cabeceador e batia faltas com perfeição. Dava muito trabalho”, diz o Galo.
MÁGOAS
“O Flamengo sacanaeou o meu filho. Não deu oportunidade ao garoto. Mexeram com o meu sentimento de pai, numa perseguição barata”, desabafa Zico.
“Meu orgulho de pai foi ferido quando o ex-presidente me expulsou das sociais de São Januário. Eu estava com meu filho, que tinha 9 anos e ficou chocado. Naquele momento, eu decidi pôr fim as desmandos no clube”, recorda Dinamite.
GOZAÇÕES
“O Roberto não engole até hoje o gol do Rondinelli. O Bob tinha que tê-lo marcado e deu mole”, provoca Zico.
“Pior que o Rondinelli vive disso até hoje. Toda vez que me vê, lembra do gol de cabeça. Mas ele se esquece que perdeu um título porque me deu uma cotovelada. Ficou de bobeira, nervoso, passei rindo por ele, ele perdeu a cabeça e ganhamos a Taça Guanabara pelo erro dele”, rebate Roberto, sorrindo.
DESTAQUES DE HOJE
“No Flamengo o Obina é o cara. A torcida adora ele. Tem o Bruno e os dois laterais”, elege Zico.
“No Vasco, gosto muito do Tiago. Edmundo e Leandro Amaral”, cita o vascaíno.
ÚLTIMA PERGUNTA
De Zico para Roberto:
“Qual o jogador você queria ver no Vasco?”
“Cristiano Ronaldo”.
De Roberto para Zico:
“O que você prefere. Ser técnico de seleção ou de clube?”
“De clube. Na seleção, não dá para você fazer o seu trabalho, não há tempo”.
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