Ex-Vasco, Paulo Miranda relembra época vitoriosa como jogador do clube
Ele não contrata e nem aparece com frequência, mas é crucial nos bastidores do Athletico Paranaense, campeão da Sul-Americana 2018 e da Copa do Brasil 2019. O ex-meia Paulo Miranda voltou ao clube para ser auxiliar das divisões de base. Em pouco tempo, teve o talento diagnosticado pela diretoria e se tornou coordenador de suporte aos atletas profissionais. O nome pode assustar, mas a função é facilmente explicada.
O gestor é figura de sorriso fácil e bem quisto por todos no Furacão. É o ouvido dos jogadores, trabalhando como tutor dos jovens e resolvendo questões pessoais que os atletas muitas vezes não conseguem administrar. Da mesma forma em que serve de escudo para os jogadores junto à direção, tem a responsabilidade de cobrá-los conforme o comportamento. Se toda unanimidade é burra, Paulo Miranda tende a ser a exceção da regra dentro do Athletico.
"Ele tem um papel fundamental no processo de gestão na relação jogadores, direção e comissão técnica. É um ponto de equilíbrio nisso tudo, é um pilar importantíssimo, ele faz muito mais gestão do que qualquer outro que se diga gestor lá dentro", contou o ex-técnico atleticano Tiago Nunes, que assumirá o Corinthians em 2020, em contato com o UOL.
O elogio de Tiago Nunes é explicável. A dupla trabalhou junta na categoria de base e teve sucesso no time principal. Em entrevista ao UOL, Paulo Miranda explica como foi o início de sua passagem pelo clube.
"Quando eu cheguei ao Athletico, eu era auxiliar técnico. Entrei em 2016 aqui, fiquei dois anos como auxiliar. Eu fazia um trabalho na base, muito silencioso. Eu conversava com os atletas para evitar as coisas que acontecem durante a carreira do atleta. O Tiago era o treinador do sub-20 e eu era o auxiliar dele. Tanto o Petraglia quanto o Paulo André me colocaram como um gestor técnico na equipe principal", disse.
"Quando o Diniz chegou no início do ano, eu trabalhava fazendo a parte de gestão entre diretoria, atletas e o técnico. Então, eu detectava as coisas erradas ali, com o ambiente não muito bom. Com a experiência que tenho, sendo um cara honesto, eu falava: 'os atletas sentem falta disso, daquilo'. Eu cresci com o Diniz, porque pegamos uma fase muito ruim no início, perdemos muitos jogos. Dentro de campo, o elenco estava querendo sair daquela situação. O Diniz acabou não aguentando e foi embora. Aí veio o Tiago, eu já tinha intimidade como auxiliar. E aí ficou mais fácil trabalharmos até hoje para conquistar resultados", acrescentou.
Para trabalhar na atual função, o ex-jogador aliou experiências na antiga carreira com uma breve passagem como treinador e estudos. Hoje, Paulo Miranda é administrador de empresas.
"Eu tive uma experiência muito grande aqui no Athletico Paranaense mesmo com o Paulo Autuori. Ele era treinador e fazia muito bem essa parte. Desde o porteiro até o presidente, todo mundo falava com ele. Ele é um ser humano fora do normal. Então, eu me espelhei muito no Paulo Autuori. A parte humana dele é sensacional. Ele, para mim, foi uma pessoa que me inspirou muito. O Tinga, quando estava no Cruzeiro, tinha total autonomia de chegar, ir para a entrevista e defender os atletas. Nós conversamos muito antes de eu entrar. Gosto do que ele fez no Cruzeiro. Os próprios treinadores mesmo, Oswaldo de Oliveira que é um cara muito sensato", comentou.
"Acredito que, no Brasil, ainda não tem essa relação entre gestor técnico e treinador. É muito difícil, não vejo tão fácil alguém fazer. Porque o técnico pode falar uma coisa e você entender outra", completou.
Revelado pelo Paraná Clube nos anos 90, Paulo Miranda fez parte do momento hegemônico do Tricolor paranaense, estando em quatro dos cinco títulos do time pentacampeão estadual. Em 97 se transferiu ao Athletico, ajudando o Furacão na campanha da equipe que começou o Brasileirão com -5 pontos em função de uma punição do STJD, revista posteriormente. Permaneceu na Baixada e ajudou o rubro-negro a romper um jejum de oito anos sem conquistas, quebrando a hegemonia de seu ex-clube, em 1998.
"O Athletico Paranaense foi importante porque cheguei à equipe que não conquistava título regional há dez anos. Em 1998, cheguei aqui e fui campeão paranaense", relembrou.
Dali, foi ser campeão brasileiro e da Mercosul pelo Vasco, antes de ir à França e voltar para o Cruzeiro, entre outras passagens. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista de Paulo Miranda ao UOL:
RACISMO NO FUTEBOL
"Eu vou sempre falar, nós não somos hipócritas. Sempre teve preconceito no futebol. Para você conquistar, você tem que se especializar, fazer algo diferente. É mais difícil o negro estar em uma situação de comando de equipe. Há poucos negros fazendo essa função. O Tinga é quem mais luta por isso, o Roger Machado a mesma coisa no Bahia. Antes de ir para essa função, eu conversei com o Tinga. Ele foi quem me deu esse empurrão e passou: 'faça o que sempre fez no futebol'. Deu certo e conquistamos dois títulos importantes que o Athletico conquistou e eu fazendo a parte de gestão junto com toda a comissão no Athletico Paranaense".
CARREIRA COMO TÉCNICO
"Eu tinha o pensamento de ser treinador por causa do Abel Braga. A gente se encontrou na Florida Cup e ele disse: 'poxa, Paulo, siga essa carreira, é uma carreira legal, interessante'. Eu comecei a me especializar. Pensei em fazer o curso da CBF, mas acabei não fazendo e fiz outros cursos que existem no Brasil. E aí quando eu cheguei ao Athletico, o clube me abriu a opção de ir para outras funções. Eu pensei: 'não tem um dirigente negro em nem um clube'. Foi o momento que falei assim: 'vou mudar de função'. Quem viu meu potencial foi o Paulo André e o Petraglia. Eu me torneio um gestor técnico, um gerente de futebol mesmo. Aqui você acaba fazendo vários trabalhos, sou um gestor da equipe".
FUNÇÃO NO ATHLETICO-PR
"A nossa equipe desde o ano passado tem um elenco com jogadores como Lucho, Marcelo [Cirino], Nikão... São pessoas fora do normal. Esses caras mais experientes puxam os jovens, como Renan Lodi, Bruno Guimarães, Léo Pereira... O Santos é um cara fora do normal. Pegamos um grupo querendo crescer. O Tiago vindo da categoria sub-20 e tendo toda a inteligência de montar uma equipe. O ego, na equipe do Athletico, não houve. Foi muito fácil trabalhar nos bastidores. Tem uma coisa fundamental no futebol: ser sincero, honesto e humano. Eles sentem que o gestor é verdadeiro. Sou o único gestor que fica no campo observando os treinos, o que acontece no dia a dia. E se, por acaso houver algo errado no treinamento, resolvemos logo em seguida e o negócio não sai totalmente atravessado para a diretoria. Isso acaba tirando qualquer ego da equipe e não tem fofoca".
PASSAGEM PELO VASCO
"Depois fui para uma equipe em que o Eurico Miranda contratou jogadores que eu sonhava. Eu olhava na televisão, na Copa do Mundo de 1994, e pensava: 'meu Deus, Romário, Edmundo, Júnior Baiano, Mauro Galvão...'. Todos esses atletas de renome e eu do lado dos caras. Joguei o Rio-São Paulo. Eu ganhei a posição do Luizinho, que tinha acabado de perder o Mundial contra o Real Madrid. Chego para tentar mudar a forma de jogar do Vasco. Você chega e já campeão do Rio-São Paulo, começa a marcar a sua história no clube. Fomos para a decisão do Campeonato Carioca. Foram três anos seguidos com Flamengo e Vasco na decisão. Depois, uma final de Brasileiro contra o São Caetano. A gente sempre ganhou títulos e sempre tendo confusões nos bastidores. Romário e Edmundo brigando, chamando um ao outro de bobo da corte. Eu aprendi muito no Vasco. O jogo da Copa Mercosul foi histórico, está na marca, na história do Vasco. Fizemos boa Libertadores de 1999 a 2001. Cheguei ao Bordeaux e, no primeiro ano, fui campeão da Copa da Liga Francesa. Fui cogitado para ir à seleção brasileira como lateral direito, mas acabou indo o Belletti, não tenho que reclamar. Foi muito bom".
FUTEBOL FRANCÊS
"Quando eu cheguei ao Bordeaux, saindo do Vasco, eu tinha 27 anos, chegando a um país, não falava nada de francês, falava espanhol por jogar a Libertadores, mais o portunhol que o espanhol na época. Eu chego na França, olho para o lado e tinha Dugarry, Pauleta, o Christian, que era do Inter, o Eduardo Costa, brasileiro... Logo em seguida, você tinha o Lyon com Juninho Pernambucano, Caçapa, Cris... Só craques do Brasil e quem batia de frente era Bordeaux e Lyon. Eu aprendi o francês, a comer bem, a me vestir, a tomar vinhos bons... O Campeonato Francês não era tão badalado, mas era difícil demais. O Lyon foi um time que sempre conquistou depois que chegou o Juninho. Sempre tinha clubes diferentes. Depois que chegou o Juninho no Lyon com outros atletas, eles começaram a vencer todos os anos. Ganhamos a Copa da Liga contra o Lens. Jogamos no estádio onde o Brasil perdeu a Copa do Mundo. Conquistamos o título, foi maravilhoso conquistar o título logo no ano de chegada ao Bordeaux".
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