Futebol

Ex-Vasco ajuda a alavancar o América-RJ

As vias que circundam o estádio Edson Passos, em Mesquita (RJ), têm nomes de jogadores tetracampeões mundiais com a seleção brasileira. Rua Romário. Rua Bebeto. Rua Taffarel. Travessa Dunga. A poucos metros dali, dentro do gramado, correm atletas que não tiveram o mesmo reconhecimento da geração de 94. Um punhado deles chegou a esboçar uma trajetória ascendente, mas a passagem por grandes clubes do Rio não rendeu o sucesso esperado. A vida seguiu, experiências foram acumuladas, tropeços renderam aprendizado, e agora jogadores como Allan, ex-Vasco, Jorginho, ex-Flamengo, e Fábio Noronha, ex-Fla e Flu, alavancam o América rumo à primeira divisão do Campeonato Carioca.

O Diabo tem uma legião de figuras conhecidas (não muito, mas conhecidas) dos torcedores dos principais clubes do Rio. O volante Léo Oliveira, o goleiro Lugão e o lateral-direito China são outros casos. São jogadores que ou tiveram passagem firme pelos clubes (caso do volante Jorginho no Flamengo), ou viveram experiência curta neles (Léo Oliveira e China, também no Flamengo), ou experimentaram turbulências (Allan, no Vasco, Fábio Noronha e Lugão, em Flamengo e Fluminense). O zagueiro Bruno Simões é um caso diferente: passou a vida nas categorias de base do Botafogo, mas, quando virou profissional, não foi utilizado pelo clube.

Com eles, o América alcança campanha impressionante na Série B do Estadual. Avançou às semifinais da Taça Santos Dumont com 86,7% de aproveitamento. Em dez jogos, foram oito vitórias e dois empates - está invicto. São seis triunfos consecutivos, incluindo três goleadas: 4 a 0 no Barra Mansa, 5 a 0 no Barra da Tijuca e 8 a 1 no Serra Macaense. Agora, pega o Cabofriense, valendo vaga na final do primeiro turno. O time é treinado por Duílio, ex-zagueiro do Fluminense, e tem Ronald, outro ex-tricolor, como coordenador técnico.

Jorginho aponta para os pelos eriçados no braço.
- Olha como eu fico...
É a reação dele ao lembrar do já lendário gol de Petkovic aos 43 minutos do segundo tempo da final do Campeonato Carioca de 2001. Aquele foi um dos 240 jogos que o volante disputou pelo Flamengo. Ele vestiu a camisa rubro-negra de 1997 a 2003. Ganhou títulos: três Estaduais, uma Copa dos Campeões e uma Copa Mercosul.

- Tive muito sucesso. Tive mais sucesso do que insucesso. Joguei com grandes jogadores. Tive muito amor por esse clube. Foram 240 jogos. O que mais marca é o de 2001, aquele gol do Pet. A torcida do Vasco já estava gritando \"é campeão\", e o Pet fez aquele gol de falta. Entrei no segundo tempo, no lugar do Beto. Eu chorei. Não sabia o que fazer dentro de campo. Aos 43 do segundo tempo, e o Pet faz aquele gol... Foi uma alegria imensa.

Jorginho foi sempre discreto e quase sempre titular no Flamengo. Entrava treinador, saía treinador, ele seguia no time, como sustentação defensiva da equipe, como suporte para craques como Romário.

- A maioria dos treinadores me colocou de titular. Porque o Jorginho era aquele jogador que se empenhava dentro de campo, né? Aí os treinadores tinham confiança de me colocar como titular. Sempre tem que ter aquele carregador de piano, de roubar a bola, de rolar para o meia, para o meia jogar no ataque. Eu tive a felicidade de jogar com o Romário. Foi uma alegria muito, muito grande ter jogado com ele. Era só rolar para o Baixinho, que ele garantia nosso bicho.

Jorginho foi contratado pelo América em fevereiro. Não é titular. Com 38 anos, parece estar em forma. Planeja jogar futebol enquanto o corpo permitir.

Allan, o goleador

Allan, 28 anos, é quem mais se destaca pelo América. O meia-atacante tem 11 gols na Série B. É o artilheiro da disputa. Vive a expectativa de confirmar o bom momento no restante da competição. É uma retomada para ele depois de repetidas passagens pelo Vasco, quase sempre muito curtas - e, na prática, inúteis.

Ele chegou a São Januário em 2003, recém-saído dos juniores do Olaria. Tinha 18 anos. Foi utilizado raras vezes. Colecionou empréstimos. E viu um clube repetidas vezes à beira do rebaixamento - até efetivamente cair, em 2008.
- Passei pelo Vasco em um momento muito conturbado. De 2003 a 2008, quando caiu, estava sempre para ser rebaixado, com muita confusão. Começava com um elenco, e metade já tinha ido embora no meio do campeonato. Vi isso acontecer muito. Faltou oportunidade. Eu entrava com dez minutos para acabar, perdendo o jogo, aquela pressão, tendo que resolver. É complicado entrar para resolver algo que está cambaleando. Joguei 13 jogos, acho. Não tive sequência. É o contrário do que acontece aqui hoje. É diferente trabalhar assim.

Allan também jogou no Sport e circulou por clubes pequenos do Rio. Agora, com o bom rendimento, pode ter nova chance em um clube mais expressivo. Mas ele prefere não pensar no futuro. Está vacinado contra decepções.
- Não fico pensando muito no que vai acontecer na frente. Está nas mãos de Deus o meu futuro. Penso muito no que está acontecendo aqui, no momento que estou vivendo aqui. Meu pensamento é continuar indo bem, e a gente continuar ganhando.

As histórias e os percalços de Fábio Noronha

O goleiro titular do América tem histórias para contar. Fábio Noronha foi figura rotineira nas seleções de base, cresceu no Flamengo, participou de jogos marcantes, foi para um rival, o Fluminense, passou por Hong Kong e virou caso de polícia no interior mineiro. Aos 37 anos, é um dos alicerces da segunda defesa menos vazada da Série B do Campeonato Carioca.

Fábio foi criado na Gávea. Ele chegou lá em 1987, com 12 anos, e ficou até 1998. Trilhou todo o caminho das categorias de base. Nesse período, foi parar na Seleção. Teve 92 convocações para as equipes inferiores. Quando se tornou profissional, porém, viu repetidos goleiros serem titulares do Flamengo. Até teve sua chance, mas não conseguiu ganhar sequência. Teve dois problemas: primeiro, um acidente de carro, que o deixou nove meses afastado; depois, uma suspensão de seis meses, acusado de cuspir em um árbitro.

Mesmo assim, disputou 14 jogos, incluindo três clássicos. Também participou da polêmica derrota para o Bahia na última rodada do Campeonato Brasileiro de 1996. Com o resultado, o time baiano se livrou da queda, e o Fluminense foi rebaixado. Detalhe: no ano seguinte, ele foi justamente para o clube de Laranjeiras.
- Fui eleito o melhor em campo do Flamengo nesse jogo. Tenho as reportagens guardadas até hoje. No ano seguinte, fui para o Fluminense, com a consciência tranquila de que fiz meu melhor. Muita gente fala muita coisa, mas a gente é profissional - diz o goleiro.

Pelo Fluminense, foram 20 jogos. Sem receber, o jogador ganhou, na Justiça, liberdade para deixar o clube.
- Peguei uma época muito difícil no Fluminense. Não me arrependo de ter trocado, na época. Tive a chance de ir para o Fluminense para jogar. São dois clubes grandes. Mas peguei uma fase difícil. Entrei na Justiça para ter o direito de ter meu passe. Fiquei bastante tempo sem receber meu salário. Foram bem mais de três meses...

Depois de sair do Fluminense, o jogador teve experiências no exterior, passando por Turquia e Hong Kong. Estava em outro América, o de Teófilo Otoni (MG), antes de retornar ao Rio. Lá, se envolveu em uma confusão. Foi detido pela polícia, após denúncia de que agredira sua esposa, na época grávida. Segundo ele, foi tudo uma armação política. Ele argumenta que estava sendo perseguido por ter se lançado como candidato a vereador na cidade.
- Quando lancei minha candidatura, primeiro ligaram para minha casa, me ameaçando, dizendo que era melhor eu não sair candidato, porque eu ia me arrepender. Logo depois, teve o episódio da polícia invadindo minha casa e dizendo que eu estava agredindo minha mulher. Quando entraram, ela começou a passar mal. Estava grávida do meu filho, que hoje tem seis meses. Aí eu fui para cima dos caras. Fui para cima da polícia mesmo. Falei: \"Se alguma coisa acontecer com minha mulher ou meu filho, vocês tão f... comigo\". Aí me pegaram por desacato. Mas foi vinculado que fui preso por agressão. Na verdade, não foi. Foi por desacato. E desacatei mesmo. Fui para cima deles mesmo - diz o goleiro.

Lugão e a polêmica de 2005

O reserva de Fábio Noronha, Lugão, é outro com a história ligada a Flamengo e Fluminense. No clube rubro-negro, foi no máximo reserva de colegas como Julio Cesar e Diego. Não teve chances de jogar. Ele se destacou mesmo pelo Volta Redonda, finalista do Estadual em 2005. E foi aí que se viu mergulhado em uma polêmica.

A decisão era contra o Fluminense. Antes do jogo final, surgiu a notícia: Lugão negociava com seu oponente na briga pelo título. Estava em vias de ser contratado justamente pelo Tricolor. Foi automática a desconfiança de que ele poderia facilitar para o adversário em campo. Passados quase dez anos, o jogador se sente vítima daquela situação. Ele nem gosta de falar do assunto.

- O Fluminense despertou o interesse em 2005. Era um jogo de final. Havia outros clubes interessados. Isso até me prejudicou em minha trajetória. Mas tranquilo... Minha consciência sempre esteve muito tranquila por tudo que faço dentro de campo. Não dei importância ao que falaram. É algo que prejudica pela polêmica. Era um jogo de final. Você toma um gol, e surgem comentários que não são legais. Mas faz parte. A torcida tem o direito de expor o que quiser. O importante é você ter certeza de sua conduta.
Lugão diz que sequer estava por dentro da negociação. Afirma que não fazia questão de sair do Volta Redonda. Argumenta que deixou tudo sob os cuidados de seu empresário.
- Quando vi aquilo, fiquei muito chateado. Não era o momento.
O Fluminense acabou desistindo da contratação de Lugão. O goleiro foi até o clube e fez exames médicos. Neles, o clube diagnosticou uma arritmia cardíaca no atleta.

China e o causo do cego

China bem sabe: falar sobre sua ida para o Flamengo é falar sobre um cego. Está acostumado. E explica-se: em Bangu, onde começou a jogar bola, o lateral-direito participava de um time que tinha como treinador um homem que não enxergava. O caso, claro, virou piada. Mas China explica que a história não é bem assim...
- Lá em Bangu, tinha um time da rua que fazia amistosos contra outras ruas, outras comunidades. E ele era cego. Mas tinha sempre alguém que ajudava. Na verdade, ele pegou um pouco de carona na história. Mas é um amigo. Ele montava mesmo o time, só que sempre tinha alguém ajudando. Isso de ser descoberto por um cego é um pouco pejorativo.

O lateral jogou no Flamengo em 2004 e 2005 (relembre, no vídeo acima, gol dele contra o Paysandu). Eram tempos de turbulência. Seu primeiro ano no clube foi aquele em que torcedores e jogadores brigaram no aeroporto depois de goleada de 6 a 1 para o Atlético-MG. Mesmo com o momento não sendo dos melhores, China fez 32 jogos pelo Fla.
- Toda criança tem o sonho de jogar num time grande. Foi a realização de um sonho jogar no Flamengo. Teve toda aquela turbulência de 2004, o risco de cair, aquela confusão no aeroporto. Foi uma coisa negativa. Mas, tirando isso, foi só alegria. Tenho amigos até hoje. Aonde eu vou, as pessoas lembram do China que jogou no Flamengo.

A trajetória no clube rubro-negro poderia ter sido mais longa. Mas um problema raro prejudicou China.
- Tive uma lesão que me atrapalhou, que foi até meio escondida: uma torção de testículo. É uma coisa rara. O urologista que me operou disse que é um caso em 100 mil. Fiquei um mês parado, aí trocou comando, trocou treinador. Mas não tenho do que reclamar. Foi sensacional.

Léo Oliveira: uma missão no América

O América tem uma série de jogadores bastante ligados à camisa vermelha. São atletas que já passaram pelo clube antes. Para alguns deles, colocar o Diabo novamente na primeira divisão é questão de honra. É o caso do volante Léo Oliveira, rebaixado com o clube.

- Estive aqui no América em 2011, o ano em que caiu. Chorei junto com a torcida e hoje estou feliz com a boa campanha. Subir seria uma missão cumprida. Cheguei ao América na primeira divisão e quero deixá-lo lá de novo. Aquilo ficou marcado. Quiando você é campeão, fica marcado na história do clube. Quando cai com o clube, também fica marcado. Nada melhor do que estar aqui de novo, dar a volta por cima, ajudar o grupo a subir para a primeira divisão.

Léo Oliveira sabe o prazer que um título proporciona. Em 2006, pelo Flamengo, foi campeão da Copa do Brasil. Participou de oito jogos na campanha, incluindo a final, contra o Vasco.
- Foi para nunca mais esquecer. Aquilo me marcou muito. Cheguei ao Flamengo vindo do Nova Iguaçu, consegui ganhar a posição, jogar, ser campeão da Copa do Brasil. Tenho minha medalha e minha faixa em casa. Vai ser para sempre. Aquilo é eterno - derrete-se o volante.

Como subir

Um triangular final decidirá os dois clubes que subirão à primeira divisão do Campeonato Carioca. Chegarão à fase final os campeões de cada um dos dois turnos e também o time de melhor campanha geral. O América está bem encaminhado para chegar lá ou como campeão da Taça Santos Dumont, ou como time com mais pontos.

O jogo da semifinal do primeiro turno, contra o Cabofriense, é neste sábado, às 15h, em Edson Passos. Bonsucesso e Portuguesa também buscam vaga na final.

Se o mesmo time vencer os dois turnos, será automaticamente campeão. E estará na primeira divisão do Campeonato Carioca, competição que o América, de tanta história, conquistou sete vezes.

Fonte: ge