Ex-dirigente de Vasco e Palmeiras, incentivou a amizade entre os clubes
Em sua luta para escapar ao rebaixamento, o Vasco terá pela frente neste domingoe um tradicional rival. Mas também um grande amigo: o Palmeiras. O relacionamento entre os clubes, e em especial entre suas torcidas, é tão bom que não ocorrem brigas nem quando os times duelam por troféus, como no Brasileiro de 1997 e na Mercosul de 2000, vencidos pelo Vasco, ou no Rio-São Paulo de 2000, festejado pelos palmeirenses. Embora apoiem dois grandes clubes, são torcidas que se veem como irmãs, numa espécie de clássico da fraternidade.
Há várias teorias para esse bom relacionamento, no qual torcedores se confraternizam antes e depois dos jogos. Uma delas se baseia no fato de que ambos foram fundados por imigrantes. Sejam os portugueses que vieram para o Rio e aqui se estabeleceram principalmente no pequeno comércio, convivendo com as comunidades negras e suburbanas do Rio; sejam os italianos que foram para São Paulo, onde se integraram à classe operária. Tanto um grupo quanto o outro chegara ao Brasil às vezes com a roupa do corpo, ficando ambos longe da elite dessas cidades.
Outros dizem que Palmeiras e Vasco seriam as principais forças de oposição aos times da maioria: Corinthians e Flamengo. Assim, alviverdes e vascaínos teriam se aproximado por se sentirem excluídos pelas elites e também pela mídia, que segundo eles, exaltaria mais as conquistas de corintianos e rubro-negros. Um fato histórico, porém, parece ligar em definitivo Vasco e Palmeiras. Em 1942, quando o Brasil entrou em guerra com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), todas as instituições que tivessem em seus nomes referências a algum desses países teriam de mudar suas denominações. Assim, o Germânia virou Pinheiros, e o Palestra Itália de Belo Horizonte, Cruzeiro. Mas e o Palestra Itália de São Paulo? De acordo com o que o goleiro Oberdan Cattani, que atuou no Palmeiras entre as décadas de 30 e 50 contou ao GLOBO em 2011, o velho Palestra foi duramente perseguido em São Paulo, porque a maioria de seus atletas tinha origem italiana, a ponto de serem chamados de fascistas e traidores. De acordo com alguns historiadores, o tricolor São Paulo, que ainda não era dono do Morumbi, estaria interessado no Parque Antarctica, caso o rival fechasse as portas.
— O São Paulo queria acabar com o Palestra e criou vários problemas. De Palestra Itália, mudamos para Palestra São Paulo, e depois, Palmeiras. Foi uma homenagem à extinta Associação Atlética das Palmeiras — explicou, em 2011, Oberdan, que morreria em 2014. — Na época, veio do Rio o Adalberto Mendes, oficial do Exército. Ele era vascaíno e veio nos dar apoio. Na decisão do Paulista, ele entrou em campo conosco, fardado, e todos levamos a bandeira brasileira.
O então capitão Adalberto, que chegou a general, era um sergipano que morava no Rio, onde chegou a ser dirigente vascaíno. Transferido pelo Exército para São Paulo, fez amizade com torcedores palestrinos e chegou a ser um dos vice-presidentes do clube. Pressionados, conselheiros do então Palestra se reuniram a 14 de setembro de 1942, para decidir qual nome adotar e o que fazer antes do jogo do domingo seguinte com o São Paulo. Se ganhassem, seriam campeões paulistas por antecipação. Como nem mesmo a adoção do nome Palestra São Paulo serviu para calar o São Paulo e a opinião pública, optaram por Palmeiras. Mudaram também as cores do uniforme, que até então era verde, branco e vermelho. O vermelho foi retirado e o clube passou a ser alviverde.
— Entramos com a bandeira (do Brasil), para mostrar que, mesmo filhos de italianos, éramos brasileiros. O Palmeiras ficou muito mal visto, por causa da Guerra — contou Oberdan, que foi reserva da seleção brasileira de 1950, em que fez amizade com Barbosa e vários atletas vascaínos. — No jogo (primeiro sob o novo nome), ganhamos do São Paulo por 3 a 1, e aos 20 minutos do segundo tempo, houve um pênalti a nosso favor, mas os são-paulinos abandonaram o campo.
A partida com o São Paulo foi disputada a 20 de setembro, que em São Paulo é chamado de “Dia do Palmeiras”. Em depoimento em 1982, o próprio Adalberto Mendes contou como teve a iniciativa de entrar em campo fardado e com os jogadores carregando a bandeira no episódio que ficou conhecido como “Arrancada Heróica”.
— Boatos diziam que haveria um clima de muita hostilidade por parte da torcida para com nossos jogadores, que realmente estavam preocupados. Percebi isso e notei também que nosso treinador, Del Debbio, tinha em mãos uma bandeira brasileira. Eu sabia que a exibição do pavilhão nacional só era permitida em eventos internacionais, mas chamei a responsabilidade para mim e orientei nossos atletas a entrarem, ao meu lado, carregando-o e o exibindo à toda a torcida que superlotava o estádio do Pacaembu — relatou Mendes em 1982, dois anos antes de morrer, em 1984. — Após alguns segundos de surpresa por parte de todos, fomos muito aplaudidos e nenhum ato hostil nos foi desferido.
Nove anos depois, no Maracanã, na Copa Rio de 1951, um torneio considerado uma espécie de Mundial de Clubes, na decisão entre Palmeiras e Juventus da Itália, a torcida do Vasco, que havia sido eliminado na semifinal, apoiou maciçamente o alviverde para que um time brasileiro ficasse com o troféu, o que aconteceu. Em campo, vários jogadores fizeram sucesso com ambas as camisas, como Jair, Friaça, Vavá, Leão, Edmundo, Luizão, Edilson, Evair, Euller, Juninho Paulista, Diego Souza, Pedrinho, Alan Kardec, Alecsandro e Fernando Prass.
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