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Ex-Diretor de Marketing da TAP volta a analisar a situação do Vasco

Desculpability Vascaína:
A nova face de uma gestão “disléxica” e da miopia política

Em 2017 escrevi que uma gestão “disléxica” e miopia política estavam comprometendo o futuro do clube. Passados quase três anos, posso inferir que nada mudou. Desde o início do golpe histórico, promovido na última eleição, a palavra de ordem da atual gestão chama-se Desculpability, que em uma tradução popular e total liberdade poética é o oposto de Accountability. Apesar de não existir uma versão exata em português e do significado não ser muito difundido em nossa cultura, Accountability pode ser descrita como a situação em que alguém e/ou instituição (pública ou privada) está sempre de prontidão a prestar contas de seus atos, sem grandes considerações e/ou condições. Uma postura que está associada a termos inerentes a uma gestão eficiente e eficaz, tais como: comprometimento, proatividade, responsabilidade e, acima de tudo, transparência.

Partindo da premissa de que nada acontece por acaso, a atual gestão começou 2018 já com uma promessa bombástica e fantasmagórica de patrocínio, tendo como destaque a desastrosa frase do mandatário antecessor, qualificando o novo patrocinador como “uma empresa revolucionária”. Tão revolucionária que, dos R$ 18 milhões anuais prometidos pela mundialmente desconhecida Lasa Ind. Farmacêutica, nenhum centavo foi depositado e, consequentemente, contribuiu para que a imagem já combalida do clube fosse mais uma vez achincalhada no mercado. Era só “dar um google” e perceber que tal possibilidade não passava de mais uma bravata de fim de festa da gestão anterior, com a anuência ingênua da atual gestão. Como disse, nada acontece por acaso. E, como se não bastasse, seguíamos somente com micro patrocínios estampados na camisa, alguns de relevância duvidosa, como a JJ Invest, cujo sócio fundador está desaparecido e é procurado pela Justiça por crime financeiro.

E os problemas não se resumiram a este amadorismo na estratégia de captação de recursos, parcerias e patrocínios. Os mesmos modelos mentais, desculpas e procedimentos dos últimos anos em gestões anteriores continuavam. Uma guerra política interminável entre Diretoria Administrativa, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Conselho de Beneméritos, tem sido desde então o destaque negativo, com diversos mandos e desmandos, reuniões desastrosas, ofensas pessoais e uma requintada (ou requentada) disputa de poder. Um jogo político recorrente e nocivo ao clube, que há décadas prejudica qualquer iniciativa de modernização, inovação e profissionalização no seu modelo de gestão.

Neste contexto, não posso me furtar ao comentário sobre o recente comunicado oficial do Conselho de Beneméritos. Seu conteúdo causou estranheza ao repudiar qualquer troca de votos para aprovação do balanço da Diretoria Administrativa e afirmar que a concessão de títulos de beneméritos passa por um rigoroso critério de pontuação, levando em conta relevantes serviços prestados com o cumprimento de requisitos estatutários e regimentais. Tal afirmação me parece contraditória e passível de reflexão. Para exemplificar, ainda no primeiro ano desta temerária gestão, foi aprovado como benemérito pelo egrégio Conselho o presidente do Conselho Fiscal. Ao realizar uma breve pesquisa pública, não consegui encontrar um volume significativo de serviços prestados ao clube que justificasse tal aprovação. Vale ressaltar que não tenho qualquer juízo de valor e/ou diferença pessoal com relação ao benemérito citado, o qual nunca tive oportunidade de conhecer. Mas, diante dos fatos, posso inferir que me pareceu mais uma significativa ‘benemerência política” do que um rigoroso critério de pontuação. Este é apenas um exemplo “suave”, diante de tantas outras situações contraditórias e repletas de questionamentos. E as divergências só aumentam, proporcionando a ampliação de diversas correntes políticas. São mais de 30 grupos políticos, com dificuldades de aglutinação e convergência política, que acredito só será possível uma redução significativa na sua quantidade com a contratação de uma empresa especializada em fusões e aquisições.

O ano de 2019 se iniciou com a esperança de um Vasco melhor e um período de calmaria de nossa nau combalida. Infelizmente, como no ano anterior, continuamos a assistir o mesmo filme político e as dificuldades rotineiras se intensificaram, como atrasos frequentes no pagamento de elenco e funcionários. A falta de transparência, prática usual, também foi evidenciada em diversos momentos, como no caso da associação maciça no mês de agosto. Contudo, no final do ano, a imensa torcida vascaína de todos os cantos do Brasil deu uma demonstração clara de força e paixão. Foram momentos únicos, que ficarão na memória de qualquer torcedor vascaíno e do mundo do futebol. Mais uma vez, o clube fez história com a adesão maciça ao programa de sócio torcedor e a expressiva contribuição para a construção do CT. Além disso, a pressão popular fez com que a Conselho Deliberativo aprovasse por unanimidade eleições diretas para o próximo pleito.

Acredito que ninguém, em sã consciência, votaria de forma contrária aos anseios dos sócios e torcedores, pois ficaria negativamente marcado na história do Vasco. Independentemente da votação conveniente, o resultado prático é que não teremos mais uma situação tosca e vergonhosa como a que presenciamos na última eleição. 

Iniciamos 2020 e seria imperdoável da minha parte não registrar o recente e contraditório patrocínio fechado com uma empresa do varejo nacional. Só me reservo o direito de não escrever o nome da instituição, por não coadunar com minhas convicções sociais e com a história de lutas e de defesa dos direitos humanos de nosso clube. Um patrocínio que  gerou o descontentamento de parte da torcida e sócios em função de todo histórico controverso e processos judiciais da empresa e de seu mandatário. O custo intangível desta negociação, só o tempo dirá.

Por ser um ano eleitoral, alguns pré-candidatos já iniciaram seus pré-discursos e prépromessas com o objetivo de pré-iludir o sócio eleitor. É importante destacar que a retórica, até o momento, tem sido muito similar à de anos anteriores, onde falsos heróis surgiam do ostracismo para manifestar seus poderes - o justiceiro, o pacificador, o agregador, o conhecedor são alguns desses “heróis”. De qualquer maneira, apesar destes pré-discursos vagos, continuo esperançoso de que a Reforma do Estatuto caminhe no sentido de uma modernização que contribua para uma nova era na gestão do clube. Desejo também que as diferenças políticas sejam esquecidas e o Conselho Deliberativo consiga aprovar uma reforma que garanta uma gestão responsável, comprometida, transparente, mais ágil, menos burocrática, que permita responsabilizar a Diretoria Administrativa por eventuais atos que ponham em risco a saúde financeira da instituição e traga uma calmaria sustentável para nossa nau.

Finalizo com o último parágrafo que escrevi em 2017, de que a nação vascaína precisa continuar a exigir, mais do que nunca, uma total responsabilidade administrativa, fiscal e política da diretoria atual e futura, independentemente de “oposições” e/ou “situações”, para não presenciarmos mais funcionários sem receber salários, erros primários de gestão e o nosso clube acabar por sucumbir diante de tanta incompetência e seus pseudos gestores e asseclas saírem incólumes.

Que surjam novamente as vitórias dentro de campo e muitas outras fora dele.

Saudações cruzmaltinas.

Francisco Guarisa
Ex-Diretor de Marketing da TAP Air Portugal
Atual Diretor de Projetos do Grupo MedLevensohn

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