Futebol

Ex-desafeto, Cafezinho quer ver Romário presidente do Brasil

O futebol é pródigo na arte de forjar personagens. Heróis, vilões, torcedores ilustres, árbitros e até cartolas estão eternizados na história do esporte. Em uma singela página, há um espaço reservado para um episódio hostil - mas não menos marcante que os habituais. Nele, consta o nome de João Cristiano Araújo, o Cafezinho, que ganhou fama ao brigar com Romário durante um jogo entre Flamengo e Madureira, na Gávea, pelo Campeonato Carioca de 1997.

Dezessete anos após a confusão, Cafezinho ainda é lembrado por trocar chutes com o Baixinho, que havia sido tetracampeão mundial pela seleção brasileira em 1994. O ex-lateral direito do Madureira não se intimidou com o peso do nome - e a habitual marra do atacante - e iniciou a briga, que se estendeu aos demais envolvidos na partida, como Júnior, então técnico do Rubro-Negro.

- Eu não tinha muita experiência, perdíamos por 7 a 0. Nós nos xingamos no meio de campo. Acho que falei algo mais grave, ele achou ruim e se armou. Eu dei um chute, ele revidou. Aí começou a confusão, que parou do outro lado do mundo - recorda Cafezinho, em entrevista ao GloboEsporte.com.

Daquela tarde em diante, a vida de Cafezinho nunca mais seria a mesma. O atleta do modesto Madureira ganhou a manchete dos principais jornais do Rio de Janeiro e virou notícia até no exterior. Deixou de ser um desconhecido para se tornar aquele que enfrentou Romário. E até hoje é lembrado pelo episódio nos lugares que passa.

- Rapaz, isso ficará marcado para o resto da minha vida. Os caras só lembram de mim por conta da briga, não lembram que joguei no Vasco, no Náutico, no Santa Cruz. Essa situação da briga foi boa e ruim. Ruim por conta da cabeça quente, eu estava buscando o pão de cada dia. O bom é que fiquei famoso. Fiquei mais falado que notícia ruim (risos). Esse assunto vai render até quando eu morrer. Dou entrevistas, falo sobre a briga até hoje. Às vezes, estou em algum lugar e falam: "O Cafezinho está ali". Alguns me pedem para tirar fotos. Recentemente, o Madureira jogou aqui em Maceió, e fui para uma mesa redonda na rádio relembrar a briga.

Menos de uma semana depois do confronto, Cafezinho e Romário selaram a paz durante um treino físico das equipes em um parque da Barra da Tijuca. O centroavante se desculpou depois que o filho de Cafezinho, João Henrique, pediu que Romário não batesse mais em seu pai. A pureza da criança sensibilizou o camisa 11.

- Foi cabeça quente dos dois lados. Ele é um cara bom. Nós nos estranhamos, coisas do futebol, vemos isso até hoje. Fizemos as pazes. Falei com ele em 97, quando fui ao Rio resolver um negócio. Ficou tudo certo. Gostaria de reencontrá-lo. Se marcarem, estou à disposição. Queria jogar futevôlei com ele. Uma vez, estava de folga e o vi jogando com o Renato Gaúcho, Macula e Sorato. Não tínhamos brigado ainda.

Enquanto não encontra o ex-desafeto pessoalmente, Cafezinho o acompanha à distância. Ele torce pelo sucesso do recém-eleito senador e vai além: sonha com Romário na presidência da República. A personalidade forte cairia bem no comando do país, acredita o ex-lateral.

- Se ele fosse senador na época em que jogava, eu jamais brigaria com ele. Já pensou brigar com um senador? Não dá, é pedir para arrumar problema. Acompanho o trabalho dele e, pelo Facebook, pedi para minha família votar nele. Não guardo mágoa ou raiva. Torço para o Romário ser presidente do Brasil. E, se ele quiser me levar como cabo eleitoral, estou à disposição para o que ele precisar. Se ele quiser meu telefone, pode passar. Torço muito pelo Romário. É um cara sincero. Ele fala o que pensa, não tem tem rabo preso, nem medo de ninguém. Político tem que ser assim.

Questionado se o fato de ser mais conhecido pela confusão do que por sua carreira de uma forma geral, Cafezinho não pensa duas vezes antes de responder.

- Não fico chateado não, rapaz. Converso, rio e explico para o pessoal.

Lesão e fim de carreira

Aos 49 anos, Cafezinho mora com a família em Maceió. Sustenta a casa com o dinheiro da aposentadoria e com o que recebe por ser o "faz tudo" de um vereador da capital alagoana. Realidade e rendimento diferentes do que acontecia na época de boleiro.

- Estou na terra da matança (risos). A aposentadoria dá para manter a casa, não pago aluguel, graças a Deus. O jogador que para e não tem onde morar está ferrado.Também não posso esbanjar, passar dos limites. No futebol, havia prêmios de classificação, bicho, era um a mais. Hoje é pouquinho, mas dá para levar. São dois salários mínimos para sustentar minha mulher, filhos e meu netinho. Tenho que correr atrás - afirma.

A aposentadoria foi forçada. Em 2005, quando defendia o Bom Jesus na partida contra o Coruripe, quebrou a perna e o joelho ao receber uma pancada só durante um cruzamento. Passou dois anos com ferros, placas de platina e refez os ligamentos. Pouco adiantou. Está impossibilitado de correr e precisa se contentar em assistir futebol apenas pela televisão. Não entra em campo nem mesmo nas típicas peladas de fim de ano.

- Não queria parar, não. Sempre me cuidei. O rapaz me disse que veio para matar a jogada, mas ele é forte, e eu sou magrinho. A saudade do futebol é muito grande. Fui criado na bola. Queria muito jogar, mas não posso forçar a perna e nem pegar peso - lamenta.

Carrinho em ator

Com passagens por Náutico, Santa Cruz, Bangu, CRB, dentre outros times de menor investimento, o Vasco é o clube mais expressivo do currículo de Cafezinho. O ex-jogador atuou apenas quatro partidas pelo Cruz-Maltino, em 1997, ano do tricampeonato brasileiro. A convivência com os renomados companheiros de equipe, em especial, Edmundo, artilheiro daquela temporada, são inesquecíveis.

- Foi uma das melhores coisas da minha vida. Fiquei no grupo, joguei algumas partidas e guardo boas lembranças. O Edmundo foi artilheiro, o Felipe jogou para caramba. Tinha Luisinho, Valber, Juninho, Odvan, Mauricinho. Foi um negócio muito bom. O Edmundo é completamente diferente do que o povo fala. O Ramon era dez também. O Evair não tenho nem o que falar, sempre dava bons conselhos.

Um momento de descontração, na casa do Animal, é uma das boas histórias que o futebol proporcionou a Cafezinho. Em uma pelada na casa do atacante, quem pagou o pato foi o ator Eri Johnson, vascaíno e amigo pessoal do anfitrião.

- O Eri Johnson estava lá. Ele já tinha tomado umas duas. Eu não bebo. Dei um carrinho nele, que não gostou, e foi reclamar com o Edmundo por achar que eu havia sido violento. Eu falei: "Levanta para apanhar de novo, rapaz". E os caras riram muito na cara dele (risos). Aí falaram: "Esse aí brigou com o Romário". E ele ficou calado. De vez em quando, ele vem fazer peça em Maceió. Quando encontrá-lo, vou perguntar se ele lembra disso - diverte-se.

Fonte: ge