Política

Euriquinho: 'Vasco retrocedeu 40 anos em termos de avanço no futebol'

Em conversa com Sidnei Loureiro, ex-gerente de futebol do Botafogo e hoje dono do canal Segredos da Bola, Eurico Ângelo Brandão de Oliveira Miranda, o “Euriquinho”, filho do ex-presidente Eurico Miranda, revelou detalhes importantes sobre a vida política e administrativa do Vasco da Gama, de ontem e de hoje. Logo no começo do programa, perguntado sobre as comparações que são feitas com o seu já falecido pai, Euriquinho disse que “qualquer comparação que fazem com o meu pai eu fico lisonjeado, das partes boas e das ruins também”. Sendo o mais jovem a alcançar o posto de Grande Benemérito do clube, Euriquinho rechaçou qualquer vínculo entre sua filiação e a conquista de tal honraria, afirmando que tudo foi por méritos próprios, ao “contrário de muitos que estão hoje” no clube, afirmou.

Nos primeiros momentos da entrevista, o ex-assessor da presidência e vice-presidente de futebol, fez vários elogios ao pai e, respondendo às comparações que sempre são feitas entre Eurico Miranda e o ex-presidente Calçada (1983-2000), acrescentou que “na verdade o meu pai participa da vida política do clube muito antes do Calçada ser presidente”. Relembrou do quanto seu pai lutou pelo Vasco da Gama e ajudou não só o futebol carioca, mas também a muitos clubes “pequenos” do Brasil com os o Clube dos 13. Sobre o seu início no que pode ser considerado uma militância, Euriquinho ressaltou que “antes eu ligava muito para a parte desportiva, eu via o futebol como um jogo, e hoje eu já entendo que o futebol não se resume àqueles noventa minutos. Aquilo ali é o brilhozinho pro torcedor que aquilo ali é um sonho, e na verdade não é. Aí mudei tudo: hoje já não acredito mais na Justiça. Infelizmente conheci esse lado, porque o futebol perde a graça. Quando você conhece o futebol de verdade, quando você conhece os bastidores, quando você sabe a interferência que um árbitro tem numa partida, como ela é alcançada e como ela é alcançada, você começa a enxergar o futebol de outra maneira, quando um árbitro pode interferir num jogo, quando ele tá ali de boa vontade ou de má vontade, a interferência política no pré-jogo, as interferências políticas que têm que ser feitas. Não é comprar árbitro, não é dar o dinheiro, não é, é força política, é poder político. Interesses. Até o ano 2000 eu era apaixonado pelo esporte, achava aquilo tudo o máximo”.

Sobre a sua passagem pela gestão do futebol no final de 2016, Euriquinho falou da resistência que sofreu justamente por ser filho do então presidente, mas considerou que já tinha bagagem suficiente para suportar a pressão da responsabilidade, e deu detalhes bem importantes: “O futebol é uma grande mentira”, afirmou sobre bastidores e do quanto certas coisas precisam ser mascaradas devido aos perigos das exposições. Mais precisamente sobre suas crenças para o futebol e das novidades que quis implantar no comando vascaíno, o Grande Benemérito apontou que “o futebol saiu muito da parte técnica e entrou na parte de ciência mesmo. Hoje o futebol virou um esporte com muita ciência aplicada, e a mudança disso tem poucos anos. Aí eu queria implantar esse projeto científico no Vasco”. Alongando-se mais sobre esse aspecto modernizante, ele declarou que “o que eu quis fazer realmente é a tal da transdisciplinaridade, que você junta todas as ciências numa em prol de um objetivo que é ganhar títulos. O futebol sempre teve a psicóloga, o médico, o fisiologista, a nutricionista, só que essas áreas falavam muito pouco, se conectavam muito pouco. E é muito difícil isso, principalmente na área médica, pois os médicos se acham seres superiores. No futebol o médico acha que é Deus. Só que cada vez mais ele é menos importante no futebol, tanto que lá fora os clubes têm um médico ou outro, mas os jogadores vão sempre a especialistas”.

Outro detalhe político e administrativo importante do qual Euriquinho tratou, foi o fato de ter havido muita resistência por parte do diretor de futebol José Luis Moreira, o “Zé do Táxi”, considerado pelo próprio Euriquinho “um cara mais da antiga”, ao projeto que quis implantar ainda em 2015. O filho de Eurico Miranda foi categórico em dizer que “Zé do Táxi” tratava do projeto científico como foco, mas na verdade nao deu a ele o devido respeito: “chega na hora as coisas vão mudando quando você não tem a caneta na mão”. Só em 2017 que foi possível “implementar um projeto científico para o atleta render mais do que ele poderia render ou render o máximo que ele poderia render. Não adianta ter um atleta muito bom rendendo 30%. É melhor ter um atleta mediano rendendo 100%. E era isso que eu queria fazer. Como eu não tinha dinheiro pra trazer os atletas bons, eu tive que fazer os atletas medianos renderem como bons ou mais que os bons. E a gente conseguiu um desempenho esportivo interessante para um clube em anos de eleição e com dívidas. E todos os clubes passaram a fazer isso. O Vasco foi visitado por Atlético Mineiro, São Paulo, Seleção Brasileira, Flamengo…todos visitaram a metodologia que o Vasco tinha criado e começaram a implantar nos seus clubes. Já tinha, por exemplo, no São Paulo o Reffis, mas é uma coisa muito mais voltada à recuperação do atleta, não da parte de prevenir, e mais da parte de fisioterapia e médica, não tinha as demais áreas. Não tinha a parte técnica do futebol envolvida com a parte de ciência. Não tinha uma interlocução entre as partes, que é o que manda no futebol hoje. Quem começou com todas essas máquinas novas foi eu Vasco. O clube que não tem isso tá fadado ao insucesso”.

Já fazendo uma conexão com a gestão Campello, Euriquinho avaliou que “o Vasco tinha tudo isso, e voltou porque tinha um presidente que era ligado ao futebol de 30-40 anos atrás, médico, e que preferiu recuar. O Vasco retrocedeu 40 anos em termos de avanço no futebol”. Quando Sidnei Loureiro perguntou sobre a atualidade desse projeto no Vasco, a resposta foi: “tá abandonado e se não recuperar, não volta a ser um clube que disputa campeonato. Hoje em dia, se você não tem investimento na parte de saúde do atleta você não disputa competição. Não tem chance. Não tem mais aquilo de time muito talentoso, muito bem treinado, não tem mais, se não tiver força, se não tiver saúde não vence. Nas disputas de bola você percebe quando se faz um processo desse. Não fui eu que criei não, eu simplesmente vi que os clubes europeus estavam fazendo”. Há de agregar a importância do profissional Alex Evangelista à frente de todo esse processo tratado por Euriquinho, que sobre o próprio Evangelista ressalta que “ele tem um grande problema. Esse projeto iria afetar muitas pessoas e não poderia ser feito na força. Passou a ter muita resistência e muitas pessoas não gostam dele por conta da imposição, não estão acostumadas com ciência”.

Sobre certas áreas do futebol, o ex-presidente de futebol afirmou: “hoje em dia você não pode ter um treinador de goleiro só porque ele era goleiro. Essa posição tem tanta ciência aplicada, métodos de treinamento, coisas que são estudadas no mundo pra aumentar o reflexo e a velocidade do cara, e infelizmente o cara não sabe. O cara foi goleiro e vai ensinar o que aprendeu há 20-40 anos”. Sobre o que considera uma ausência de comando no futebol do Vasco da Gama, foi dito que: “eu acho inadmissível não ter um ídolo do futebol lá dentro do vestiário. Ele passa coisas pro atleta sobre como reage o clube, do sentimento. Cada clube tem a sua identidade. Esse cara é muito importante”. A conversa foi realizada há uma semana, portanto, antes da queda do técnico Marcelo Cabo, de quem Euriquinho concluiu que havia dado “no mínimo umas dez declaracões, umas dez mancadas” justamente por ter ninguém para “dizer pra ele que no Vasco você não pode dizer isso. Aqui no Vasco isso pega mal. Não é que ele é ruim, é que o cara não tem a vivência daquele clube, não sabe o que tá fazendo”.

Indagado sobre o terceiro rebaixamento do clube, em 2015, Euriquinho defendeu-se da seguinte maneira: “eu queria implantar uma ideia moderna no clube, mais agressiva, e precisava de um respaldo da parte executiva pra isso, que realmente acreditasse que isso era importante e desse valor a isso. E a escolha do executivo na época foi o Paulo Angioni, e antes era o Rodrigo [Caetano] e eu queria continuar com ele. O Paulo se comprometeu, mas uma coisa é o cara vir contratado e tal, outra coisa é realmente acreditar naquilo. O primeiro embate foi com o nome do treinador. Eu queria um jovem moderno e estudioso. Pensei no Marquinhos do Santos, mas ele negociou e não veio. Aí surgiu o Doriva e nós gostamos. Falou com meu pai e fechou, mas não era o nome do VP nem do executivo. Montamos um time em um mês e ganhamos o campeonato carioca e começou a ter uma ciumeira muito grande da minha aproximação com o Doriva e começaram muito a sabotá-lo internamente na semana que sucedeu a conquista. Nas primeiras rodadas já desisti do futebol sabendo que queriam derrubá-lo”.

Sobre o maior jogador da história do Vasco, Euriquinho atribuiu maior importância histórica a Roberto Dinamite, mas frisou a grandeza de Edmundo e Romário para a sua geração. Outro importante ponto tratado foi o trabalho de Cristóvão Borges, quem, segundo Euriquinho, “foi um dos que mais entendeu o projeto de ciência no futebol, só que por mais que façam campanhas antirracista, o futebol é racista na sua essência. O grande problema do Cristóvão [negro] foi ter sofrido preconceito no futebol. Não temho dúvida que ele sofreu perseguição da imprensa, de torcedor, pelo fato de um negro não poder, segundo eles, ocupar essa posição”. Voltando aos temas das sabotagens que diz ter sofrido, salientou que “muitos jogadores passaram a dizer uns para os outros que nao era pra ir pro Vasco devido eleições no fim do ano, salário atrasado…esse tipo de sabotagem. Os jogadores me contaram.Não criei isso na minha cabeça. A denúncia que tive foi que o Felipe [“Maestro”] foi um dos que ligaram pra passar que a situação do clube não era viável. Não quero ser leviano e achar que foi por interesse político. Não é uma mentira o que ele falou”.

Ainda sobre o seu pai, Euriquinho disse que “foi o maior dirigente da história do futebol brasileiro e foi uma das maiores personalidades do mundo do futebol. Disso não tenho dúvida. Não é constatação minha, eu escuto de outras pessoas. Onde ele passou foi vitorioso e desenvolveu coisas novas. Com um ano na CBF fez o Brasil voltar a conquistar a Copa América. Foi o criador da Copa do Brasil, dando oportunidade a centenas de clubes do Brasil alcançarem visibilidade. Um clube do Acre joga contra um Vasco, um Flamengo em rede nacional. Tinha uma visão social do futebol e que o lá de fora é que tinha que imitar o brasileiro, mas o brasileiro fez tudo ao contrário. Meu pai era um bom homem”. Aqui cabe destacar uma clara contradição: o mesmo Euriquinho que se orgulha de haver observado e copiado o que os europeus estavam fazendo no campo da ciência do futebol, é o mesmo que agora elogia a postura do pai em não ter copiado.

Sobre as polêmicas nas eleições com o Júlio Brant, Euriquinho considera que “a chapa deles se dividiu” e isso fez com que não ganhassem. O filho de Eurico Miranda aponta que “o cara morreu tem três anos e até hoje colocam muita coisa na conta dele. O cara entra com processo trabalhista…é culpa do Eurico. Tudo é o Eurico! Quando você erra é o Eurico, quando você acerta é você. Os torcedores não cobram os dirigentes por causa disso”. No entanto, é inegável que o euriquismo deixou muitas heranças negativas para o clube e que até hoje tem sim seus nefastos efeitos, e um deles é a falta de unidade politica justamente pela velha maneira de comandar, de gerir, ter sempre uma atualidade no Vasco da Gama.

Quando perguntado sobre suas ambições para um futuro próximo, Euriquinho revelou que “hoje não tenho pretensão nenhuma para o futebol. Do fundo do coração. Eu tenho muito desgosto com o futebol em si. O futebol é muito mentiroso. Quem domina o futebol brasileiro hoje tá muito escondido. Quem domina o futebol é o dinheiro. Os clubes não têm o dinheiro. Empresários têm”, disse ele numa possível referência a Marco Polo Del Nero. Aproveitando a citação de empresários do futebol, Sidnei Loureiro aproveitou, e isso num claro exemplo de muita experiência comunicativa, para perguntar sobre o empresário Carlos Leite, de quem Euriquinho disse o seguinte: “sou suspeito pra falar dele. Minha relação com ele não era boa. Quem investe quer ter o retorno, que eu acho que ele teve, ele pode achar que não teve. E hoje tenho uma relação muito ruim com ele pela minha personalidade não aceitar algumas coisas, mas realmente de certa forma ele tem muita influência no clube, e de muitos anos. E nessa gestão [Salgado] muito mais, é onde ele está tendo mais influência na história dele com o Vasco. Por ser uma gestão totalmente perdida, pois assumiu aquilo sem ter condições nenhuma de gerir, depende ainda mais da ajuda ou da participação dele no clube. Mas ele não tem culpa, é o business dele. Na verdade ele ajudou muito o Vasco e o Vasco precisava muito dele. Na verdade a culpa é do Vasco, que tava precisando e teve que correr atrás dele. Não posso dizer que quem tá fazendo agora tá errado, pois a gente também já fez. Agora, eu sei que não é o caminho correto, porque na medida que você pega dinheiro com alguém, você fica de certa forma dependente dela, principalmente se você tiver algum caráter”.

Ainda sobre alguns ponto sobres gestão e profissionalismo, Euriquinho disse que “não entra na minha cabeça um CEO do Vasco ser flamenguista”, por considerar que o clube precisa de uma mescla interna entre qualidade profissional e também conhecimento apaixonado do clube. Em seguida criticou a gestão de Jorge Salgado no tocante ao fato dos troféus do clube terem sido deslocados numa Kombi, deixando bastante a desejar no aspecto acomodação e transporte com um dos patrimônios materiais mais importantes do clube, afirmando que “o cara não tem sentimento por aquilo. Só consegue entender quem realmente é apaixonado por aquilo”. Sobre a criação dos clubes-empresas, ressaltou que não se pode esquecer que os clubes vão muito além do financeiro. Euriquinho conclui a entrevista reafirmando sua decepção com o futebol por este estar intimamente ligado ao dinheiro e ainda por cima envolver paixões, e hoje sua preocupação é apenas no âmbito familiar.

Fonte: Papo na Colina