Torcida

Especial: Paixão em movimento

Isac Zagury e Vitor Roma: duas gerações e muitas histórias de amor ao Vasco
Duas vidas, duas gerações diferentes. O ponto em comum: a paixão pelo Club de Regatas Vasco da Gama. Encontro com Isac Zagury (57) e Vitor Roma (37) no Centro do Rio, mais precisamente na sede da empresa do último. A turbulência do centro nervoso da cidade maravilhosa desaparece na sala arejada e no ambiente de calma e tranquilidade entre os dois vascaínos. A proposta de uma entrevista objetiva, mas com contornos emocionais, parece agradar aos dois.

Os olhos de Isac brilham quando ele se lembra o quanto a imponente cruz de malta representa em sua vida e em sua trajetória:

“Essa paixão pelo Vasco eu trago da infância. Ainda muito moço, ficava na estátua do Bellini cedinho, esperando abrir o portão do Maracanã... chegava cedo para ver os aspirantes jogarem, assistir ao Roberto em campo... como poderia perder o respeito e a admiração por ele? Era um ídolo legítimo, como nenhum outro que vimos depois” –afirma, denotando sua admiração pelos gols, pelo talento e pelo carisma do magistral artilheiro.

O olhar de Vitor não é diferente ao abordar o mesmo tema. Emocionado, lembrou um fato muito recente. Na perda recente de seu pai, José Guilherme Roma, um fervoroso vascaíno que o inspirou a navegar os mares da paixão pelo clube, Vitor levou as cinzas para cumprir um desejo de seu coração: lançá-las em São Januário. Lá chegando, pediu para entrar no gramado. Quem estava lá, ocasionalmente, e acabou o acompanhando e o ajudando a cumprir o ato – até então solitário - foi ninguém menos que o ídolo-presidente vascaíno.

“Eu pensei em toda a minha trajetória. Incrível! Meu pai me ensinou a amar aquele clube, me ensinou o que era São Januário. Será que ele podia imaginar que, numa situação como aquelas, o maior ídolo e então presidente do Vasco estaria presente em um momento como aquele? O que ele pensaria sobre isso?” – indaga-se Vitor, olhar distante, emocionado.

Olhos embargados, flagrante paixão. Isac e Vitor estão dentre os 70 fundadores oficiais da Associação dos Amigos do Vasco, uma “ordem de cavalheiros” cujo propósito é ajudar o Clube da Colina a angariar doações para sanar suas dívidas e aplicar o excedente na construção de um centro de treinamento. Uma lista que inclui nomes como Olavo Monteiro de Carvalho, Arthur Sendas Filho, Luso Soares da Costa, José Hamilton Mandarino de Mello e o Instituto Barão Pierre de Coubertin, dentre outros não menos importantes. O presidente de honra da Associação é um vascaíno declarado, o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. “O Vasco não revela craques em casa há muitos anos. É uma tradição do clube que só será efetivamente retomada quando tivermos um centro de treinamento moderno, apropriado para esse tipo de trabalho” – explica Isac, imediatamente apoiado por Vitor, que lembrou a frase antológica do não menos antológico presidente Cyro Aranha: \"Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal\". Dentre os fundadores, um nome é citado por Isac com menção honrosa: o Dr. Cantidiano, reconhecido como um dos advogados mais respeitáveis do Brasil. “Ele tem uma característica importante: ser sobrinho-neto do Ciro Aranha, o maior presidente da história do clube, criador do Expresso da Vitória”. Histórias de hoje e de ontem que apontam para a grandeza de um clube ímpar.

Mas o que faria esses homens – empresários, juristas, profissionais liberais e chefes de família imersos em seu cotidiano – arregaçarem as mangas e lutarem em prol dessa causa com tamanha galhardia? Isac lembra de onde surgiu a centelha que acendeu a chama da Associação:

“A idéia surgiu quando vimos o Vasco ser rebaixado dentro de São Januário e a torcida aplaudir o time de pé, cantar o hino do Vasco, enaltecer o presidente Roberto Dinamite. Foi uma das maiores demonstrações de amor e fidelidade a uma camisa que pude ver na vida. Isso nos estimulou a pensar que essa paixão da torcida poderia ser revertida em um grande benefício real ao clube. A diretoria, a comissão técnica e todo o elenco sabem disso, e essa é a razão pela qual os jogadores sempre cumprimentam a torcida ao final dos jogos: é uma parceria vital, o décimo segundo jogador está entrando em campo”. As declarações são entusiasmadas e revelam paixão pelo clube e disposição para a luta por esse ideal. “Sempre trabalhei quinze horas por dia. Hoje, aposentado, posso dedicar algumas horas ao meu clube, da forma que acho mais eficiente” – confessa, apaixonado.

Atentos a essa paixão declarada, alguns torcedores ilustres começaram a pensar nos esforços conjuntos que poderiam desenvolver para apoiar a jornada vascaína de volta ao pódio de sua indiscutível grandeza. Foi aí que pensaram em criar a Associação. O trinômio “paixão” + “situação financeira” + “presidente-ídolo” foi a base para a concretização do projeto.

“Os números do clube mostram uma situação de endividamento e descrédito no mercado. Como capitalizar esse clube? Ou você tem crédito ou capital próprio. Quem compra as ações? A nação vascaína. Entre um fundo de investimento e a idéia da associação, com CNPJ em três dias, a primeira idéia pareceu muito mais acessível” – esclarece Zagury, apostando ainda em mais um fator pioneiro do clube nesta fase: “O Vasco é único clube no Brasil que tem como presidente um ídolo nacional. É mais um marca em nossa história. Quem não se mobilizaria para ajudar um jogador eternizado pelo clube?” – afirma, sem esconder sua admiração por Roberto Dinamite, citada a todo instante.

O empresário Vitor Roma sempre teve, desde menino, relações familiares profundas com beneméritos e dirigentes do clube cruzmaltino.
O calor da torcida, matéria-prima para a idéia de uma unidade de propósito em favor do clube, também aparece nas observações de Vitor, que é um dos colunistas do site SUPERVASCO e dono do blog Bola Pra Quem Sabe (www.bolapraquemsabe.com.br): “A torcida aplaudiu o time no dia do rebaixamento mesmo tendo uma percepção de que era um time de muitas figuras sem nenhuma identificação com o Vasco. Jogadores que demonstraram, o tempo todo, que o Vasco era uma mera passagem, sem correlação direta com a história do Vasco, tendo inclusive contratos pré-assinados com outros clubes. O retrato da identificação que hoje existe entre a torcida e o time foi a superioridade vascaína no clássico recente contra o rival. Os vascaínos superaram os flamenguistas em presença, orgulho. Essa paixão é a maior moeda para o reerguimento do Vasco” – conclui.

O faro de administrador leva Isac a identificar, de primeira, as necessidades estruturais do clube. Além da redução da dívida e da construção de um centro de treinamento, o sonho de uma fábrica de jogadores é uma realidade possível aos olhos de quem tanto ama os valores do clube de São Januário. “Tão logo tenhamos recursos suficientes, o acordo com o clube será comprar as dividas e perdoá-las, fazendo com que elas saiam do balanço” – esclarece Isac, complementado por Vitor: “O clube deve e os credores sabem que o Vasco, como todos os clubes, têm dificuldades. Se tivermos o recurso, podemos chegar no credor e trocar o titulo ruim pelo bom, pedindo desconto para pagar. A Associação compra os créditos negativos para sanar as dívidas do clube”- detalha. Isac lembrou ainda que “somente uma situação financeira saudável pode atrair parceiros, patrocinadores, trazendo efeito multiplicador”, e acredita no Centro de Treinamento na Washington Luis sendo reativado para desenvolver o projeto de futuros talentos vascaínos.

O experiente economista Isac acredita na mobilização dos vascaínos para transformarem sua paixão em doações capazes de levantar o clube de São Januário.
Pacíficos, neutros e correndo por fora das divergências políticas, os membros da Associação pensam tão somente em ajudar o Vasco lado a lado com a força da torcida. Sem acalentar partidarismos ou correntes políticas internas. “Por ser apolítica, a associação tem obrigação de ouvir todas as figuras do clube, imparcialmente. Não teremos nenhuma restrição. Ouvimos todas as partes. Todos os beneméritos poderiam participar da associação. Menos de 30% dos sócios fundadores da associação são sócios ou beneméritos ou participantes da gestão do Vasco, o que comprova a nossa isenção nos processos” – pontua Zagury.

A MATEMÁTICA DA ASSOCIAÇÃO

Firme em seu propósito, a Associação já publicou seu primeiro balanço. E os entrevistados mostraram-se muito otimistas com o resultado do inicio do movimento:

“A contribuição per capita tem aumentado desde os 377 reais do primeiro balanço publicado. O Vasco deve ter 12 milhões de torcedores. Se 3% aderirem, a arrecadação giraria em torno de 100 milhões de reais. Essa é uma projeção” – diz Zagury. “O número do primeiro mês não é representativo porque ainda estamos em fase de propagação. A razão de divulgarmos é darmos transparência, levarmos as pessoas a confiarem no que vem sendo feito. Não é a vaidade de dizer que deu certo, é o impulso para um trabalho sério e de muita clareza” – diz Vitor.

Os olhos de Isac novamente se iluminam quando ele usa o amor da torcida como ponto de esperança para que o projeto almeje sucesso:

“Eu me emociono quando vejo, como hoje, um vascaíno de São Luis do Maranhão doar 500 reais. Um torcedor de longe do Rio, mas apaixonado pelo clube e acreditando nesse propósito. Isso é comovente, é representativo, e nós esperamos que, através desses exemplos, os grandes vascaínos e beneméritos se sensibilizem por essa causa. A maior parte das contribuições vem de fora do rio. Apenas 33% dos contribuintes são do Rio” - revela.

Acreditando no projeto para arrecadar novos sócios, Vitor também faz suas contas acerca da mobilização dos vascaínos em favor do clube: “Por ter montado um bom time de futebol, por ter tomado iniciativas corretas, ocorre uma retroalimentação. O cuidado do time de agradecer a torcida a cada jogo revela essa força conjunta. A quase totalidade dos 13 milhões de vascaínos do Brasil contra apenas dois mil sócios do clube revelam que algo precisa ser feito para que a paixão faça o torcedor começar a abraçar mais de perto o clube. O Vasco precisa demonstrar que está percebendo essa mobilização e reagindo, dando o seu melhor também como agradecimento, alimentando essa relação” – afirma o jovem empreendedor.

Apostando no combustível dessa paixão indizível e na força inexplicável dessa torcida contagiante, os dois entrevistados renderam créditos a todos os demais componentes da diretoria fundadora, colocando-se como representantes de um grupo unido e destemido.

Mais do que isso: como pontas-de-lança de uma imensa torcida que, ao apostar no exemplo desses fundadores, pode reeditar as páginas gloriosas do mais democrático e independente dos clubes do país, o único a ter um estádio construído com esforços de seus torcedores e admiradores fiéis.

Se olharmos o exemplo dessa Associação sob a mesma égide de nossos entrevistados, é possível acreditar que os versos de nosso hino podem se cumprir: “tua estrela na terra a brilhar ilumina o mar”.

Que assim seja com a Associação dos Amigos do Vasco da Gama!

Por Hélio Ricardo

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