Futebol

Entrevista com Paulinho, ex-Vasco e atacante da seleção olímpica

Coragem. A virtude exibida por Paulinho dentro de campo para encarar seus marcadores é a mesma que ele demonstrou em quase um ano de recuperação de grave lesão no ligamento do joelho e também para se posicionar sobre temas que muitas vezes são tabus entre jogadores de futebol. 

Embora jovem - está prestes a completar 21 anos -, o atacante do Bayer Leverkusen e da seleção brasileira que irá disputar as Olimpíadas de Tóquio não hesita em se manifestar sobre assuntos políticos e enfrentar a intolerância religiosa nas redes sociais. 

– Creio que a gente pode, como pessoas que têm palavras públicas, ajudar a combater esse preconceito, seja nas redes sociais ou na televisão – afirmou o jogador, em entrevista ao ge. 

Filho de Oxóssi, o orixá caçador, Paulinho é seguidor do Candomblé, mas conhece bem também a Umbanda, religiões de matrizes africanas, às quais foi apresentado pela mãe e pela tia. Embora diga nunca ter sido vítima de intolerância religiosa, o atacante afirma que "se você olhar nas redes sociais, você consegue ver". 

Na última segunda-feira, Dia do Orgulho LGBTQIA+, o jogador publicou mensagem nas redes clamando por respeito à diversidade. Meses antes, já havia agitado as redes ao compartilhar um post em que pedia "impeachment já" do presidente Jair Bolsonaro. 

– Eu e minha família somos a favor da ciência, por isso a gente coloca lá que tem que ter a vacina, para ajudar o povo. Eu, como cidadão brasileiro, quero que meu país esteja em boas mãos para não sofrer como sofreu na pandemia – argumenta. 

Na entrevista que você lê abaixo, Paulinho detalha como foi ficar tanto tempo longe dos gramados por conta de uma cirurgia no joelho - ele só atuou por 60 minutos no fim da última temporada pelo Leverkusen -, opina por que os jogadores de futebol evitam se posicionar politicamente, comenta sobre o sonho do ouro no Japão e muito mais. 

O atacante se apresenta em São Paulo com boa parte do grupo da Seleção para iniciar preparação olímpica na quinta-feira - os jogos do torneio masculino de futebol começam dia 22. 

Entrevista com Paulinho, atacante da seleção olímpica: 

ge: Você sofreu uma grave lesão em julho do ano passado e só voltou a atuar em maio deste ano. Como foi ficar tanto tempo longe dos gramados? 

– Foi um período complicado, difícil, de reformulação minha, pessoal. Consegui amadurecer muito a minha cabeça. Se eu não tivesse uma família do lado, um suporte legal, a minha mente não iria suportar. Realmente é complicado para um jogador de futebol ficar parado tanto tempo. Eu sempre batalhei muito para estar em campo e ajudar meus companheiros, sei que isso mexe com a cabeça. Quando falam que você pode ficar fora dos campos por 10 ou 11 meses, isso mexe. Consegui superar, junto da minha família e de pessoas que me ajudaram muito durante esse período. 

Você já tinha tido um problema sério em 2018, na época em que jogava no Vasco, quando teve de operar o cotovelo esquerdo. O que foi diferente dessa vez? 

– A lesão é mais grave, só por isso é uma situação diferente, dá mais preocupação. Quando machuquei o joelho, sabia que poderia ser uma lesão de ligamento, como foi, e que eu poderia ficar longe dos gramados por seis a oito meses. Eu já vi isso acontecendo com outros jogadores que jogaram comigo, vi na televisão... É bem diferente da lesão que eu tive no Vasco, em que fiquei fora por cinco meses. 

Poucos meses antes de se machucar, você tinha sido titular durante o Pré-Olímpico e era apontado como um dos favoritos para ir à Tóquio. Chegou a temer ficar fora dos Jogos? 

– Com certeza. No momento, pensei muito no decorrer do ano. Eu estava vindo bem, jogando mais no Bayer, poderia ter chance de jogar na final (da Copa da Alemanha) contra o Bayern de Munique. Fiquei pensando nisso tudo, na Seleção, nas próximas convocações que iriam vir, especificamente nas Olimpíadas. Na hora dá uma mexida, a gente fica um pouco em choque, mas tive que superar esse momento difícil, tive que ser forte, com o apoio da minha família consegui passar por esse momento. 

O começo deve ter sido o momento mais difícil? Onde você buscou forças para enfrentar esse desafio? 

– Pensei na solução, que era me recuperar. Junto com meu "personal trainer", consegui focar somente na recuperação. A cada mês que passava, eu sentia melhoras, fui evoluindo rápido e me sentindo bem, sentindo confiante aos poucos. Mas é claro que a gente pensa como a gente vai voltar, se vai se sentir bem em campo, como a gente vai voltar a ter aquele ritmo de jogo com os companheiros. Mas, conforme o tempo foi passando, consegui evoluir tranquilamente. Quando fui jogar, no último jogo, me senti super bem, não senti tanta diferença. 

Você manteve contato com a comissão técnica da Seleção neste período de recuperação? Estava esperando ser convocado depois de tanto tempo sem jogar? 

– O contato com o Jardine eu tive logo quando me machuquei, não só ele como muitas pessoas que trabalhavam na CBF me mandaram mensagem, desejando boa recuperação e força. Depois, fui ter contato acho que perto da convocação. O pessoal sempre perguntou como eu estava, queriam saber da recuperação, os médicos e fisiologistas, e foi com eles que eu fiz o teste (na Granha Comary, há cerca de um mês). Eu fiz parte de toda a preparação dessas Olimpíadas desde a primeira convocação, em Toulon, em 2019, quando a gente foi campeão. Mas sabia que a lesão era grave e poderia me deixar fora se eu não recuperasse a tempo ou se não tivesse uma boa recuperação. Mas estava com a minha cabeça tranquila se eu fosse convocado ou não. Se não fosse convocado, meu foco seria na próxima temporada, estaria trabalhando nas férias, mas sabia que tinha uma possibilidade por tudo o que construí com a seleção olímpica. E eles sabiam que poderiam confiar no meu potencial, e me senti tranquilo com qual fosse a decisão deles. Na primeira vez que ouvi meu nome, foi uma emoção muito grande. A gente estava nessa dúvida, se eu poderia ir ou não. E foi um alívio no momento. 

Ter feito o exame na Granja deu uma esperança maior antes da convocação? 

– Deu, deu... Mas, mesmo assim, eu tinha que esperar escutar meu nome, porque a gente sabe que tudo pode mudar da noite para o dia. Essa geração é muito boa e tem muitos jogadores de qualidade que poderiam fazer parte dessa seleção. 

Já se sente 100% ou ainda pode evoluir com mais condicionamento e ritmo de jogo? 

– Me sinto muito bem. Estou treinando com o time vai fazer três ou quatro meses, me sinto totalmente adaptado ao campo para jogar da forma que for, seja dar uma dividida, uma explosão, uma corrida em profundidade, o que for. Estou pronto para as Olimpíadas. 

A lesão fez você se aproximar ainda mais da sua religião? 

– Aproximação sempre teve, minha família sempre esteve presente na Umbanda e no Candomblé, e depois de uns 15 anos eu passei a frequentar. Cultuo muito a minha religião e cultuo com muito orgulho. 

Logo após o anúncio da convocação, você fez uma publicação nas redes sociais: "nunca foi sorte, sempre foi Exú". Você já disse que não admite intolerância em qualquer campo. Gostaria que você falasse um pouco da sua fé e como vê o preconceito com religiões de matrizes africanas. 

– Eu e minha família costumamos falar que é uma ligação muito pessoal, com você mesmo. Eu nunca falei abertamente sobre religião, até porque estou aprendendo, buscando conhecimento com a minha mãe e a minha tia, que fazem parte comigo. Em relação ao preconceito, eu nunca sofri um preconceito religioso, mas se você olhar nas redes sociais você consegue ver, principalmente no Instagram. Mas eu não me ligo muito nesses comentários, porque sei que vêm da ignorância, ainda tem muito disso no nosso país. São coisas que temos que mudar ao longo do tempo, instruindo, passando informação, com as próprias pessoas indo buscar informação sobre o assunto. Creio que a gente pode, com pessoas que têm palavras públicas, ajudar a combater esse preconceito, seja nas redes sociais ou na televisão. 

Você também já se manifestou politicamente nas redes sociais. Pediu, inclusive, o impeachment do presidente Bolsonaro. Por que decidiu tomar essa atitude e por que acha que são poucos os jogadores de futebol que agem assim? 

– São coisas naturais, momentos em que a gente percebe o que está acontecendo no país e no mundo. Eu e minha família somos a favor da ciência, por isso a gente coloca lá que tem que ter a vacina, para ajudar o povo. Eu, como cidadão brasileiro, quero que meu país esteja em boas mãos para não sofrer como sofreu na pandemia. Em relação ao posicionamento dos jogadores, acredito que não posso falar pelas pessoas, falo por mim e pelo meu povo. Mas também pode ser por falta de informação e de conhecimento que algumas pessoas não se posicionam. 

Pode ser também para evitar ataques de quem não concorda com determinados posicionamentos? 

– Pode ser, mas isso faz parte do cotidiano. Pode ser falta de conhecimento, de informação, medo de entrar em debate, em uma briga. 

Outro tema sobre o qual você se posicionou foi em relação à chacina do Jacarezinho, em maio deste ano, no Rio de Janeiro. Mesmo vivendo na Europa, você procura estar por dentro e engajado nessas questões sociais que fogem do esporte? 

– Às vezes, morando fora, a pessoa pode não estar ligada a uma situação dessa, que está acontecendo no país dela, pode estar ligada na vida pessoal e acaba esquecendo da vida no próprio país. Eu tenho minha família aqui e sei que ela precisa de uma estrutura boa dentro do país que vive para viver com tranquilidade. Acredito que na Europa, se você for ver, dá para enxergar que o povo é bem tratado, tem toda a estrutura para ter uma vivência boa. 

Falando em vida na Europa, como foi sua adaptação à Alemanha nos primeiros momentos? Você já está lá há três anos. 

– No primeiro momento é um choque, seria para qualquer brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Foi um choque de cultura, de clima, mas que depois de uns três ou quatro meses a gente já se sentia adaptado, tranquilo, até mesmo ao futebol, ao estilo de jogo, tudo. Hoje, mais do que nunca, estou muito mais adaptado e ciente de tudo o que tem no país e no clube, sei a estrutura que o clube me dá, isso facilita muito a vivência no país. 

E em relação à culinária alemã? 

– A minha mãe costuma comprar algumas coisas de comida brasileira lá, tem alguns mercados que vendem, mas a comida alemã é muito boa também. Costumo comer no clube, e a comida é bastante boa. 

O Bayer impôs alguma dificuldade para te liberar para as Olimpíadas? 

– Eles sempre souberam da minha vontade, do meu orgulho de vestir a camisa da Seleção, de vivenciar o ambiente da Seleção, isso nunca foi novidade para eles. Nada prejudicou para que eu pudesse estar nas Olimpíadas. Agora estou pronto para jogar as Olimpíadas. 

Sabemos que o futebol alemão exige bastante força física. Olhando fotos, a impressão que dá é que você está até mais forte do que antes de se machucar. De fato, você ganhou massa nesse último ano? Sabe quantos quilos ganhou? 

– Eu não fico tão focado no controle, quem fica é mais o meu personal. O ganho foi natural. Conforme a gente não está jogando, não está perdendo (massa muscular), então é mais fácil ganhar peso e massa, mas sempre controlado. Eu sempre procurei aumentar a minha massa em vez de gordura. Com controle, tudo ficava mais fácil. Eu acho que evoluí, me vejo um pouco diferente de um ano atrás, com certeza, mas não acho que foi tanto. 

Como viu a convocação do Daniel Alves para a seleção olímpica? Já o conhece? 

– O Daniel Alves é vencedor, né? Se não me engano, é um dos jogadores com mais títulos na história do futebol. Isso tem um peso enorme para nós que estamos vindo de baixo, construindo uma história ainda. É importantíssimo ter um jogador como esses no grupo, você vê o espírito de liderança nele. Creio que ele vai nos ajudar muito nessa competição e espero que possa dar certo para a gente conquistar essa medalha de ouro. Ainda não o conheço, nunca tive contato, mas sempre acompanhei a história e a trajetória dele, desde o Barcelona, e sei que ele vai ser importante para a gente nessa campanha. 

Fonte: ge