Futebol

Dodô fala sobre seu retorno ao futebol após longa punição por doping

Dodô cumpriu, por suposto doping, a maior pena de um jogador brasileiro em todos os tempos: um ano e quatro meses

\"Dodô\"

Dodô não chorou quando foi confirmada a suspensão de um ano e quatro meses por uso de doping. Aos 35 anos e então na iminência de encerrar a carreira, não deixou cair sequer uma lágrima. Não se desesperou, não cogitou parar de jogar. Da mesma forma contida e controlada com a qual comemorou a maioria dos mais de 300 gols de sua carreira, sem muito alarde, procurou imediatamente um preparador físico e se impôs uma rotina espartana: acordar cedo todos os dias e chegar à academia às 9 em ponto, de segunda a sexta, para duas horas de exercícios específicos. Manteve-se em forma por todo o tempo de calvário, esperando o momento de voltar. O momento chegou. E quem abriu as portas para o retorno foi o Vasco, no Rio de Janeiro, que sempre o acolheu bem.

\"Quando tudo aconteceu, foi uma bomba. Tinha certeza de que seria absolvido no STJD, e fui. Estava seguro da minha inocência. Aí veio a notícia de que o caso seria julgado na Suíça. Fiquei preocupado, vi que era sério. Já estava no Fluminense, e a todo jogo o assunto vinha à tona. Se jogava mal, diziam que era porque estava com a cabeça no julgamento. Se jogava bem e fazia gols, em vez de falar nisso, vinham me perguntar: \"E o julgamento?\"\", diz Dodô. \"E aconteceu. Acho que fui pego de exemplo para o mundo todo. Mas não me revoltei e jamais pensei em parar. Não quis voltar por causa da parte financeira - isso é o de menos. Só vou parar de jogar quando perceber que não dá mais, quando eu decidir. Não dessa forma, com outros decidindo por mim.\"

O momento de regressar a campo chegou no fim de dezembro, quando o artilheiro dos gols bonitos assinou com o Vasco, que também vivia um emocionante retorno - no caso, à elite do futebol brasileiro. A vontade de provar que ainda é um jogador diferenciado, aliada ao apetite do Vasco em voltar a vencer entre os grandes, faz com que Dodô encare 2010 como um ano fundamental em sua vida. \"Gosto de jogar no Rio. Ter a chance de retornar ao futebol aqui foi bom, e melhor ainda foi surgir um clube novo para mim, com uma torcida nova. Precisava de um recomeço em um lugar diferente. E tem essa coincidência boa, de ser um recomeço para o Vasco também, um ano decisivo para o clube e para mim. Nunca fui tão bem recebido.\"

\"Dodô\"
Dodô estreia pelo Vasco, contra o Tigres: retorno após o calvário

A vida sem a bola
\"Saí de casa garoto para jogar, nunca fiquei tanto tempo sem nada para fazer.\" Dodô não nega que a folga prolongada teve suas vantagens, como a maior proximidade dos filhos, Pedro, de 5 anos, e Enrico, de 2. \"Treinava por duas horas de manhã e passava o resto do tempo arrumando o que fazer, muitas vezes com os meninos. Era difícil. Tiraram de mim o que sei fazer.\" Tatiana - que só chama o marido pelo nome, Ricardo, nunca pelo apelido - lembra que Dodô também tinha sua pelada sagrada, duas vezes por semana, e que passou a jogar tênis com regularidade: \"Ele foi muito disciplinado. Acordava cedo para treinar, e eu dizia: \"Ricardo, está chovendo, fica em casa hoje\". Ele respondia: \"Não dá, tenho treino\". Não engordou 1 quilo!\"

Foi ela quem se revoltou quando a suspensão aconteceu. \"Não conseguia nem dormir e não entendia como ele podia ficar tão calmo. Eu perguntava: \"Ricardo, você não está bravo?\" E ele dizia: \"Não adianta ficar me lamentando\". Logo que o caso aconteceu, um dia ele desceu para passear com o Pedro e eu comentei: \"Tem certeza de que quer sair? Vai ficar todo mundo olhando\". Ele sorriu e disse: \"Eu não ligo. Não tenho do que me envergonhar, não vou me esconder\".\"

Filhos corujas
Pedro, que era Botafogo e simpatizava com o Fluminense, no dia desta reportagem estava pronto para dormir vestido com um pijama do Vasco, assim como o caçula. Torce, portanto, para o pai, como qualquer garoto, e vivia perguntando: \"Pai, quando você vai voltar a jogar?\" Dodô tentava responder, mas às vezes faltavam palavras. \"É difícil explicar para uma criança na idade dele o que tinha acontecido. Ele agora está todo feliz. Me vê na televisão. Já o Enrico não entende por que não estou mais sempre perto. Na pré-temporada, no Espírito Santo, minha mulher ligava e ele vinha para o telefone: \"Pai, vem pra casa!\" Ou então: \"Pai, quero ir aí com você!\"\" Depois do primeiro jogo do Estadual, contra o Tigres, Enrico olhou para o pai com cara zangada e disse: \"Tô triste!\"

Mas Dodô está feliz. Do seu jeito, com um sorriso discreto, sem estardalhaço. Diz que jogar num clube de massa como o Vasco não vai mudar seu jeito de ser. \"Nunca fui de dar cambalhota, chutar alambrado. Comemorar para mim é abraçar o companheiro que me deu o passe, cumprimentar a torcida e só. Muita gente, ao longo da minha carreira, me aconselhou a mudar isso, a gritar, correr. Não vou fazer isso. Acho que a torcida vai gostar de mim se eu fizer gols, não pelo jeito como eu comemoro.\"

Em termos de marketing, Dodô também deixa a desejar. Assume, por exemplo, ser um zero à esquerda quando o assunto é tecnologia. \"Não tenho nem e-mail, muito menos Orkut, MSN, blog, essas coisas. Quer falar comigo? Liga para mim! Na concentração, o pessoal joga videogame ou cartas. Eu leio revista de fofoca e vejo novela...\" Dodô é um cara à moda antiga até no visual. Não tem tatuagens, piercings, brincos, tranças, colares ou pulseiras. \"Nada contra, só não combina comigo. Uso a aliança e só.\"

Ele prefere chamar atenção pela beleza de seus gols. Mas, nesse recomeço, nem se preocupa com isso. Ele quer marcar, seja do jeito que for. Na estreia do Estadual, não conseguiu. E passou a noite se remoendo, pensando nos momentos em que podia ter acertado a rede. \"Feios ou bonitos, eu quero é fazer gols, ajudar o Vasco. Sei que vou demorar umas partidas para jogar o que sei, mas vou chegar lá. E este ano vai ser um parâmetro: se eu chegar ao fim dele sentindo que posso render ainda mais, continuo. Se perceber que vou entrar em declínio, paro de jogar, sem drama. Mas no meu momento, escolhido por mim.\" Não pelos outros, não é, Dodô?

Um caso exemplar: Dodô sustenta que foi punido para servir de exemplo

Dodô acredita que foi punido para servir de exemplo, para dar um recado ao mundo esportivo. \"Fui absolvido aqui no Brasil e aí, de repente, meu caso foi para a Suíça. Me pegaram de exemplo mesmo\", afirma. Um de seus advogados, Marcos Motta, especialista em direito esportivo internacional, explica que não foi bem assim.

\"Dodô não foi o único cara punido por doping no futebol brasileiro. Só que o caso dele chama atenção porque foi emblemático. Foi o primeiro caso levado à Corte Arbitral do Esporte na Suíça, o primeiro em que a Fifa e a Wada [agência mundial antidoping] resolveram intervir, porque o resultado do julgamento no Brasil não estava em linha com as recomendações da Fifa. Virou jurisprudência. O \"caso Dodô\" é mundialmente conhecido, é estudado até em cursos de direito esportivo europeus\", diz Motta.

O jogador tomou uma pílula de cafeína que continha a substância femproporex, proibida. O produto foi ministrado pelo departamento médico do Botafogo a todos os seus jogadores, mas Dodô foi sorteado para o exame antidoping.

Além disso, alega-se que houve erro na manipulação da pílula por parte da farmácia - que está sendo processada por Dodô -, já que ela não deveria conter a substância.

No fim das contas, só o jogador foi punido. \"O clube só é punido quando há mais de um caso, e na ocasião só houve o do Dodô. E nem deveria ser mesmo, a culpa foi da farmácia, não do Botafogo. Pelo entendimento dos tribunais, o jogador não pode alegar que não sabe o que está tomando. Ele tem que saber. É impossível o jogador se proteger de uma situação como essa? É. Mas isso não é relevante para os tribunais\", diz Motta, que também cuida do caso de Jobson, flagrado no ano passado por consumo de crack.

Fonte: Placar