'Dinamite deixa como legado os gols e o respeito'
Seria possível falar dos gols de falta, da forma como atacava a área para satisfazer seu apetite pelo gol, ou de sua adaptação à passagem do tempo, que lhe permitia ser, ao mesmo tempo, um artilheiro implacável e um jogador capaz de alimentar os companheiros com passes precisos. Em campo, Roberto Dinamite era tudo isso.
Mas é difícil falar na carreira do maior ídolo da história do Vasco e não enxergar que Roberto, mais do que um jogador que marcou época, foi um retrato de época. Ele foi personagem marcante de um futebol brasileiro pré-exportação, em que clubes e ídolos construíam relações quase que indissociáveis. Roberto é Vasco, e a história deste clube gigante, um dos mais importantes do Brasil, não pode ser contada sem que o ídolo ocupe os capítulos principais. Há um clube antes e depois dele.
Roberto simboliza tempos em que se construíam números superlativos, escandalosos para o futebol de hoje. Contam-se nos dedos de uma das mãos os astros do jogo moderno que se candidatam a, pelo menos, se aproximar dos seus 1.110 jogos e 708 gols com a camisa vascaína. Neste tempo, Dinamite não apenas entrou em campo mais de mil vezes vestido de Vasco. Seu compromisso inadiável com o gol o fez colecionar marcas, algumas delas até hoje imbatíveis. É o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro, o recordista de gols no Campeonato Carioca, o homem que mais vezes balançou a rede de São Januário.
Ocorre que há imagens que falam mais do que as estatísticas. Quem se dedicar a buscar gols de Roberto, além de vê-lo marcar de todo jeito, ignorando defensores, verá um jovem de farta cabeleira e um homem maduro, já grisalho. Sempre vestido de Vasco – salvo curtas interrupções. Verá imagens em preto e branco e em cores, verá o futebol se transformando. O que não mudava era a identificação entre o ídolo e o clube. Por quase duas décadas, ir ao Maracanã ver o Vasco era ver Roberto.
Eram tempos distantes das relações impessoais, um tanto descartáveis, que marcam o jogo atual. O futebol construía laços. E, por consequência, produzia rivalidades. E talvez esteja aí um dos grandes legados do Dinamite: o respeito. Roberto era Vasco, Zico era Flamengo, mas os duelos deixavam o ensinamento de que era possível cultivar disputas esportivas sem transformá-las em hostilidades, ofensas, violência. O maior ídolo do Vasco foi um dos protagonistas de duelos que misturavam refinamento técnico, lealdade e classe: os apertos de mão, a convivência, os exemplos, dados até os últimos dias de vida. Roberto já lutava por sua saúde quando recebeu Zico e Júnior em São Januário: os dois maiores craques da história rubro-negra foram a São Januário para a inauguração da estátua do grande nome vascaíno. Os grandes se reconhecem.
Era possível se enfrentar em bases semanais, cada ídolo defendendo sua camisa, em lados opostos de uma das mais fervorosas rivalidades do futebol brasileiro, e ainda assim cultivar amizades. A despedida de Roberto fez Zico vestir a camisa do Vasco. Foi em 1993, num evento cujo simbolismo, por vezes, parece menosprezado.
Pelos gols marcados em campo e fora dele, o futebol precisa de mais Robertos, de mais Dinamites. Ele é um símbolo de tempos românticos, de grandes idolatrias, de craques ligados de forma umbilical às maiores camisas do país, e de rivais que sabiam ser adversários, nunca inimigos.
Fonte: Blog do Mansur - Globoesporte