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Demissão de Sá Pinto e o trabalho de técnicos estrangeiros no Brasil

Há pouco menos de dois meses, quando o segundo turno do Campeonato Brasileiro teve início, a elite do futebol nacional chegou a ter seis treinadores estrangeiros. Isso significa que mais de um quarto (30%) dos participantes estavam sob o comando de um técnico de outro país. Esta quantidade jogou os holofotes para uma crise dos profissionais brasileiros, desacreditados em seu próprio mercado. Mas, de forma bem rápida, este cenário se alterou. Com a demissão de Ricardo Sá Pinto do Vasco, nesta terça, agora são apenas dois os gringos na condução de um trabalho na Série A. Uma velocidade que mostra que a nacionalidade de quem tem a prancheta nunca foi o problema. E tão pouco a solução.

Domènec Torrent (Flamengo), Ramón Díaz (Botafogo), Jorge Sampaoli (Atlético-MG), Eduardo Coudet (Internacional) e Abel Ferreira (Palmeiras) completaram o sexteto de estrangeiros ao lado de Sá Pinto. Além deles, a elite do futebol brasileiro chegou a contar com mais três em momentos diferentes de 2020: Jesualdo Ferreira, Rafael Dudamel e Jorge Jesus, cujo trabalho no Flamengo impulsionou a busca por profissionais de outros países. O tempo tratou de comprovar a crítica que já era feita pelos próprios técnicos brasileiros: a de que esta onda não se tratava de um modismo.

Não que os treinadores nacionais sejam injustiçados. Mas o fato é que o sucesso de Jesus no Flamengo e de Sampaoli no Santos, em 2019, não ocorreu apenas pelo fato de eles serem de outros países. Pode parecer óbvio, mas não o foi para muitos dirigentes. E 2020 chega ao fim com uma série de estrangeiros se despedindo do Brasil. Apenas o próprio Sampaoli, no Atlético, e Abel Ferreira passarão a virada de ano por aqui.

A forma como a maioria das contratações foram feitas mostra que, no fundo, os cartolas só se  preocuparam com a nacionalidade. Jesualdo Ferreira (português assim como Jesus), foi contratado num momento em que estava há oito meses sem dirigir uma equipe e trabalhava apenas como comentarista de TV. Antes desta pausa, passara quatro anos no futebol árabe. As atuações irregulares do Santos e a eliminação precoce no Paulista fizeram sua passagemm durar por apenas 15 partidas.

Trajetória semelhante teve Dudamel. A diretoria do Atlético-MG até mostrou que estava atrás não só de um estrangeiro, mas também de um nome promissor. Só que ignorou as dificuldades inerentes de se contratar alguém que praticamente nunca havia trabalhado com clubes. Após dez jogos e duas eliminações precoces, decidiu trocar o duvidoso pelo certo e demitiu ex-treinador da seleção venezuelana. Poucos dias depois, anunciou Sampaoli.

O contato mais próximo com Jorge Jesus fez com que o futebol carioca aderisse com mais força a este movimento. Dos três estrangeiros contratados, apenas Ramón Díaz tinha um currículo vencedor como treinador. Ainda assim, foi o que teve passagem mais curta. Em sua chegada, a diretoria do Botafogo deu claras mostras de que não tinha conhecimento de quem estava contratando.

- Primeiro, foi pelo currículo vitorioso dele. Segundo, por ser argentino, nosso vizinho que todo mundo sabe que tem muita garra. Terceiro, me parece que é um técnico ofensivo. Mas foi mais o currículo, aliado ao profissionalismo e à garra argentina - explicou Carlos Augusto Montenegro.

Detalhe: o futebol das equipes de Díaz não pode ser rotulado como ofensivo. Mas sim pela forte marcação no meio e pela saída vertical. Logo, só restavam o currículo e o fato de ser argentino. Foi assim, sem esse conhecimento sobre o perfil do técnico, que o Botafogo o demitiu antes mesmo de sua estreia. O motivo: o tempo de recuperação da cirurgia a qual ele se submetera para retirada de um tumor seria maior do que o informado incialmente.

O próprio Flamengo não conseguiu repetir o acerto com Jesus. A diretoria foi até a Europa decidida a repetir a fórmula do estrangeiro e acreditou que Dome poderia implantar no clube o que Pep Guardiola (de quem foi auxiliar) faz em suas equipes. O fato de os estilos de Jesus e do catalão serem diferentes não pesou na avaliação, e os jogadores pagaram o preço. O time teve muita dificuldade para se adaptar ao jogo posicional do novo treinador. Caiu após duas goleadas e pouco mais de três meses no cargo.

Último a sair, Sá Pinto também chegou ao Brasil com pucas referências. Fez bons trabalhos em ligas de menor expressão, como a da Bélgica, e era mais conhecido pela personalidade expansiva do que pelos métodos e filosofia de trabalho. No Vasco, teve aproveitamento de apenas 33,3% dos pontos e não tirou o time da zona do rebaixamento.

As saídas de treinadores por vontade própria deixam ainda mais evidente que a discussão vai muito além do cargo. Jorge Jesus rescindiu com o Flamengo quando percebeu uma série de problemas internas: desde o desgaste com os jogadores até o aparelhamento do departamento médico. Já Coudet abandonou o Internacional depois de constatar que as promessas feitas pela diretoria no início do ano não seriam cumpridas. A principal delas, montar um elenco capaz de se manter competitivo ao longo de toda a temporada.

O próprio Internacional já fechou com o espanhol Miguel Ángel Ramírez para a próxima temporada. Mas trata-se de um profissional cujo trabalho no Independiente del Valle já vonha sendo observado e valorizado por diversos clubes brasileiros. Sua contratação não pode ser classificada como modismo. A tendência é que este fenômeno não se repita em 2021. Afinal, o que não faltam são lições de que só a nacionalidade do treinador não agrega em nada.

 

Fonte: Agência O Globo