Década vascaína foi marcada por regalias a Romário e a Edmundo
Numa década em que colecionou maus resultados e muito sofrimento, o Vasco precisou recorrer ao passado para dar um ídolo à torcida. Romário e Edmundo voltaram a São Januário, mas, já veteranos e sem tanta companhia à altura, não trouxeram com eles as glórias de décadas anteriores.
O Baixinho, bicampeão carioca em 1987 e 1988, foi bem em sua volta, em 2000, mas caiu de produção na nova década e colecionou desentendimentos com parte da torcida. Se não conseguiu ajudar muito o Vasco, comemorou uma marca pessoal ao atingir o milésimo gol. O retorno de Edmundo, campeão carioca em 1992 e herói do título brasileiro de 1997, foi ainda mais conturbado, com ações na Justiça e uma aposentadoria precedida pelo rebaixamento.
Em comum, os dois tiveram o prestígio inabalável junto ao então presidente Eurico Miranda, que concedia a eles influência no futebol e regalias - como o direito a um quarto individual na concentração e permissão para atrasos e faltas a treinamentos. Por outro lado, a dupla de craques deu mais visibilidade ao Vasco e segurou outros jogadores no clube - apenas com seu status ou emprestando dinheiro, no caso de Romário.
- Eu ia sair em 2001 e renovei por mais seis meses por causa do Romário. Desse período, eu joguei só quatro ou cinco meses e não recebi um tostão. Até hoje isso está na Justiça - disse Euller.
Juninho Paulista também revelou que a presença de Romário no elenco tinha peso para que muitos atletas avaliassem uma renovação de contrato.
- Romário foi determinante para eu ficar. Só renovei porque teve um pedido dele. Creio que muitos atletas também fizeram isso. A presença dele já fazia com que a gente quisesse continuar no Vasco. Apesar das regalias, que eram fruto do que ele representava, todo mundo gostava dele.
Durante o período em que o Baixinho esteve em São Januário, o próprio presidente Eurico Miranda afirmava aos quatro cantos que Romário pode tudo no Vasco\". E diz que isso nunca atrapalhou o time:
- Pode tudo com permissão minha. É diferente. Os próprios jogadores entendiam isso. Não pode falar de caras extra série. O que atrapalha é o outro jogador achar que o craque tem problema com ele. Mas ninguém liga para essa questão de privilégios.
Romário: projeto mil gols e nova função na carreira
Duas passagens na segunda metade da década são exemplos da força de Romário no Vasco. Em uma partida pelo Campeonato Brasileiro de 2005, ele fez a preleção para os jogadores, na presença do treinador Dário Lourenço. No entanto, a mais emblemática e marcante foi a caminhada em busca dos mil gols, em 2007. Com a intenção de uma grande visibilidade internacional, a diretoria abraçou o projeto e transformou jogos-treinos contra equipes fracas em amistosos com súmula e uniforme oficial - tudo para facilitar a missão do Baixinho.
Concentrado nessa tarefa, o Vasco se prejudicou em campo. Com Romário registrando 999 gols na conta, o clube transferiu para o Maracanã um jogo contra o Gama, pela Copa do Brasil, para atrair mais público. Os companheiros se preocuparam em procurar o atacante em campo e, como resultado, nem ele conseguiu o milésimo gol, nem o time obteve a vaga. A derrota por 2 a 1 se tornou mais um capítulo na lista de vexames vascaínos na Copa do Brasil, e a torcida descontou sua raiva em Romário, com uma provocação certeira: gritando Ah, é Edmundo.
- Futebol é isso, acontece. Quem iria esperar que o Santo André ganharia do Flamengo no Maracanã? Do mesmo jeito, fiz de tudo para ganhar o Mundial. Tudo. Quem me conhece sabe disso. Mas não vencemos. Não dá para dizer que foi culpa do projeto do gol mil do Romário - afirmou o ex-presidente Eurico Miranda.
Romário ainda mostraria mais duas vezes o tamanho do seu prestígio em São Januário. O primeiro deles está fincado atrás do gol onde marcou pela milésima vez na carreira, em uma partida contra o Sport, no dia 20 de maio. A estátua foi feita a pedido de Eurico, que meses depois entregou ao jogador a função de técnico, após a demissão de Celso Roth. Em uma partida da Copa Sul-Americana, contra o América do México, o Baixinho protagonizou cena curiosa, ao determinar a saída de Alan Kardec para que ele entrasse em campo. A dupla função durou até fevereiro de 2008, quando o atacante e treinador pediu demissão, alegando que Eurico Miranda indicara a escalaçao de Alan Kardec para que fosse visto por empresários portugueses.
Edmundo: salários atrasados e pênaltis perdidos
Edmundo voltou ao Vasco seis anos depois de ter sido o destaque do Vasco e do campeonato no título brasileiro. No entanto, o cenário era diferente. O jogador reclamou abertamente dos atrasos nos salários e não escondeu a insatisfação com a qualidade do elenco. Foi embora no fim do ano e pôs o clube na Justiça.
- Dei tudo ao Romário e ao Edmundo. Eles são bastante diferentes, mas bastante parecidos. É contraditório, mas é assim. Quando eu digo em dar tudo, é dar condições. Eles entendiam os problemas financeiros. Mas quando saem é outra coisa. Se você não acerta quando eles estão lá, vão atrás dos direitos deles. Isso é normal - analisa Eurico.
Em 2008, mesmo após uma passagem ruim pelo Palmeiras, o atacante foi assediado por vários clubes. Optou pelo Vasco, abrindo mão de metade dos R$ 14 milhões que ele pedia na Justiça por atraso de salários. Astro maior e capitão do time, Edmundo também tinha uma ligação forte com o ainda presidente Eurico Miranda. Seu poder foi comprovado meses depois de ser contratado: uma discussão áspera com Alfredo Sampaio durante um treinamento, em São Januário, foi mal recebida pela diretoria, e o técnico foi demitido.
- Tanto o Romário quanto o Edmundo tinham sua força dentro do clube. Mas os jogadores não se preocupavam com essa questão política. Todo mundo se dava bem com o Edmundo. Ele era um cara que só fazia você crescer jogando ao lado dele. Que atleta não gostaria de atuar ao lado de Romário e Edmundo? Era um sonho realizado - afirmou o ex-meia Pedrinho.
Poupado de muitos jogos fora de casa, Edmundo protagonizou no Rio de Janeiro lances dolorosos para a torcida. Logo na sua estreia, em fevereiro, perdeu pênalti contra o Flamengo, na eliminação do Vasco na Taça Guanabara. O chute da marca do cal voltaria a ser o pesadelo do atacante na semifinal da Copa do Brasil, contra o Sport. No dia seguinte, ele apareceu careca em São Januário e anunciando que daria adeus ao futebol. Foi demovido da ideia por Eurico e continuou no Vasco, mas não evitou o rebaixamento para a Segundona do Brasileiro.
- Romário e Edmundo são dois grandes ídolos do Vasco. Acho que ajudaram muito o Vasco. Mas o clube tem não só que conquistar títulos como também cumprir obrigações. Isso de pegar dinheiro emprestado foge das obrigações do atleta. Mas aí é problema das duas partes que fazem o acordo - afirmou Roberto Dinamite, que já era presidente no fim de 2008.
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