Crítico de Eurico, jornalista comemora decisão do presidente vascaíno
Desta vez, Eurico Miranda acertou em cheio. Patrocínio com chocolate tinha de ser rompido. O grande Vasco da Gama nasceu para comemorar conquistas. Não ficar entre o G16…
Eurico Miranda tem inúmeros defeitos. Centralizador, reacionário, manipulador, truculento, ditador, ultrapassado. É por sua visão arcaíca, de ainda considerar importante o Campeonato Carioca, que o Vasco está desesperado tentando sobreviver na Série A. Mas há algo que ele tem e ninguém pode contestar. O respeito que exige com o clube cruzmaltino.
Além das inúmeras conquistas está na história como o primeiro clube do Brasil a aceitar negros na equipe principal. Algo que exigiu muita coragem dos seus dirigentes. "O mulato e o preto eram, assim, aos olhos dos clubes finos, uma espécie de arma proibida", descreveu Mario Filho, no seu fundamental livro "Os Negros noFutebol Brasileiro."
Os adversários se negavam a enfrentar o time forte talentoso que foi campeão da Segunda Divisão de 1923. A Associação Metropolitana de Esportes Athleticos exigia que 12 atletas, por serem negros ou mulatos, e ainda pobres, não poderiam jogar na Primeira Divisão do Campeonato Carioca de 1924. O que o Vasco fez? Não se dobrou, como todos esperavam. Se desligou da AMEA. E só em 1925, voltou a disputar o torneio. Mas com os negros, mulatos e pobres que faziam parte do seu elenco.
Esse episódio deveria ser lembrado com uma data especial. Mas o Brasil é um país sem memória.
Eurico Miranda tomou uma atitude digna no final da semana passada. Um recente levantamento do Itaú BBA, divulgado em setembro, mostra que o Vasco deve R$ 523 milhões. Só Flamengo e Botafogo têm dívidas maiores. O clube da Cruz de Malta precisa de dinheiro. Ainda mais nesta luta insana para ficar na Primeira Divisão. Tem de motivar seus atletas a cada partida das três partidas que restam para o Brasileiro acabar.
Vencer o Joinville em Santa Catarina hoje é mais do que obrigação. E qualquer ajuda interessa. O departamento de marketing conseguiu um acordo pontual, de última hora. A Lacta está lançando no mercado um novo chocolate. Batizado de 5Star. E resolveu oferecer R$ 100 mil para colocar sua marca embaixo dos números dos atletas vascaínos no fundamental confronte de hoje à tarde.
Não foi difícil acertar o patrocínio pontual. Dinheiro inesperado que chegava para motivar os atletas. Havia a possibilidade de o acordo valer também para os jogos contra o Santos, em São Januário, e Coritiba, no Paraná. Mais R$ 200 mil.
E a agência de publicidade Wieden+Kennedy desenvolveu a propaganda que amarrava a promoção. Aí é que tudo naufragou. Como deveria naufragar.
O primeiro comercial do chocolate, exibido há dois meses, já era polêmico. O tema era '5Star, uma mordida e você vai achar que pode qualquer coisa." Em seguida, só fracassos. Um paraquedista resolve pular de um avião sem para-quedas. Se esborracha na savana africana. Depois, segundo o texto da propaganda, 'você vai achar que pode ser 'brother' de um urso'. Um homem invade a jaula de um urso pardo e o provoca dando batendo com uma toalha nas suas costas. Os visitantes do zoológico olham assustados para o resultado da cena. Passa a ideia que foi massacrado pelo animal.
Depois um homem magro morde o chocolate. E a voz de fundo garante que basta uma mordida e "você acha que pode acabar com a máfia sozinho". O homem desarmado invade o que parece ser uma reunião de bandidos mal encarados. Logo se ouve tiros. A ideia que o 'herói' foi massacrado prevalece.
Para terminar a voz sugere que 'você vai achar que pode construir seu próprio jetpack (aparelho propulsor a jato individual)'. E mostra um homem orgulhoso do aparelho de sua autoria. E continua. 'Até que pode.' Daí, a inevitável explosão. E a voz retorna. "Não, não pode." O mote do chocolate é "mordeu, bateu".
Bastasse qualquer pessoa ligada ao Vasco ter o cuidado de ver essa primeira propaganda divulgada há dois meses. Era possível esperar tudo da propaganda do mesmo chocolate ligada ao clube. E ela foi muito infeliz. Mostrava executivos reunidos decidindo como chamar a atenção sobre o chocolate. Assume ser no departamento de marketin, divisão chocolate 5 Star. Peça de teatro, festival de rock foram as sugestões. Até que alguém pensou em um time. Quando se perguntam qual, estes executivos aparecem comemorando, pulando. Um deles com uma cruz de Malta aplicada no rosto.
Na tela, em letras garrafais, a resposta. 'Vasco.' Com o som ritmado da torcida, segue a mensagem. "Porque depois de uma mordida, a gente acha que o nosso patrocínio pode ajudar o 'Vascão' a se manter na Série A." E surge a hashtag #vasconog16. Um close de uma secretária espantada. O close do chocolate e seu lema: 'mordeu, bateu'. E a cruz de malta, vermelha por trás na tela laranja.
A publicidade começou a ser divulgada logo após o empate contra o Corinthians. Com razão, vascaínos revoltados exigiram que fosse tirada do ar. Qualquer leitura que se faça da propaganda é negativa. A mais óbvia é que seria uma grande vitória, um milagre o time sobreviver na série A. E seria razão de festa ficar no G16. Quando um time importante faz péssima campanha e está ameaçado de cair, mas não é rebaixado, sente alívio. Festa é para equipe pequena. Elementar.
E a direção vascaína sabe que, se o time não voltar à Segunda Divisão, não seria pelos R$ 100 mil por jogo do chocolate. Esse valor no contexto geral do futebol brasileiro é irrisório.
Eurico Miranda não pensou duas vezes em romper o acordo. Fim do patrocínio. Nada mais correto.
O Vasco deveria ser tratado com muito mais respeito.
Mas o departamento de marketing do clube tem muita culpa.
Bastaria ter toda a atenção sobre como o anunciante já vinha sendo vinculado.
Optou por chamar a atenção sobre a sensação e não as realizações.
Quem come o chocolate acredita ser capaz de fazer o impossível.
Mas a realidade mostra, de maneira chocante, que não consegue.
Esta mensagem não combina com o esporte.
O Vasco não precisa de ilusão.
E muito menos festejar ficar no G16.
Eurico Miranda agiu como deveria.
Preservou o grande Vasco da Gama.
Pode até ser rebaixado.
Mas não desrespeitado...
Fonte: Blog do Cosme Rimoli