Cristóvão evita pensar no futuro, mas mira o título Brasileiro
Era tarde de 28 de agosto. Em uma cabine do Engenhão, Cristóvão Borges assistia ao clássico contra o Flamengo ao lado do diretor-executivo do Vasco, Rodrigo Caetano, e do auxiliar Gaúcho, quando este quebrou o silêncio aflitivo que denunciava a angústia do trio com um empate, àquela altura, desinteressante para o time. \"Cadê o Ricardo?\", perguntou. A concentração de gente e olhares na direção do banco de reservas gerou um mau presságio.
De repente, Sebastião, funcionário do clube, irrompeu o espaço assustado, tropeçando nas palavras. \"Fala!\", gritou um Rodrigo em transe, agoniado. \"O Ricardo está passando mal\", ouviram. Ao chegarem ao gramado, Ricardo Gomes, amigo pessoal e parceiro de trabalho de Cristóvão, estava sendo posto na ambulância já com os movimentos do lado direito do corpo comprometidos pelo AVE.
Eu gelei. Tinha certeza de que era grave. Os jogadores vinham à beira do campo perguntar o que estava acontecendo, e eu respondia \"vamos jogar\". Estava anestesiado. Cheguei a tremer revela o técnico do Vasco. Por alguns instantes, Cristóvão Borges, que dirige o Vasco hoje, às 16h, contra o Corinthians, em São Januário, viu-se sem chão.
Da insegurança ao conforto
A sensação adentrou a madrugada no hospital Pasteur, no Méier. Após a cirurgia em que os médicos drenaram 80ml de sangue do cérebro de Ricardo, a equipe se reuniu com a família e a direção do Vasco. O sucesso do procedimento não afastava o risco de morte.
Ainda ali, o presidente Roberto Dinamite e Rodrigo Caetano avisaram Cristóvão de que ele assumiria o time. Na manhã seguinte, todo o departamento de futebol do Vasco da Gama estava mobilizado para ouvi-lo falar pela primeira vez como técnico. \"Foi um discurso para nos mantermos de pé\", resume.
Em questão de dias, ele perdeu três quilos, consumidos pelo medo de ficar sem o amigo, e, revela, modesta e corajosamente, por insegurança. O carinho que recebia dos jogadores e o sentimento de ser parte desde o começo do projeto vitorioso do clube eram seus únicos alentos, e o emocionam até hoje. Então veio um momento especial.
O Vasco já havia vencido e sido goleado sob seu comando, quando, na manhã de 8 de setembro, dia da partida contra o Coritiba, Cristóvão esteve na UTI. Enquanto conversava com Diego, filho de Ricardo, sentia que o amigo, ao lado, na cama, estava com os sentidos apurados.
Ele ainda estava sedado, mas achei a fisionomia dele ótima afirma, com olhos marejados. Foi uma coisa de energia, não se explica. Senti que ele ficaria bom. Dali por diante, tudo foi mais fácil, fiquei seguro. O Vasco fez mais quatro jogos. Venceu dois e empatou dois. As goleadas sobre Grêmio e Cruzeiro foram as duas melhores atuações do time no Campeonato Brasileiro.
Futebol e MPB
Cristóvão é baiano de Salvador, filho de um motorista que trabalhava para o Estado e de uma dona de casa. Morava em Amaralina, um bairro de classe média na orla metropolitana. Dividia o tempo entre o futebol de rua e os fins de tarde na Praia de Itapoã cantados por Dorival Caymmi.
Começou a carreira nas divisões de base do Bahia, contra a vontade do pai, um torcedor do Ypiranga que, segundo ele, vivia discutindo futebol em tom tão elevado na rua que parecia estar sempre brigando. A madrinha, Ivone, era quem patrocinava as passagens de ônibus para Cristóvão ir treinar. Rapidamente se destacou e, após a conquista da medalha de ouro no Pan-Americano de 1979, em San Juan, Porto Rico, foi levado para o Fluminense pelo médico Arnaldo Santiago. O tricolor apresentou ao país um meia direito esguio, elegante, altamente técnico. E o amigo Carlos Alberto Pintinho, com quem disputava posição, introduziu-o no mundo da Música Popular Brasileira.
Pintinho me acolheu. Era um cara muito bem relacionado no meio artístico. Comecei a frequentar shows com ele e foi aí que me aproximei de Gil, Moraes Moreira, Luiz Melodia, vascaíno que até hoje é meu parceiro, Caetano, Pepeu Gomes lembra Cristóvão, que também passou a frequentar o Clube do Samba, de João Nogueira. Tive mais influência dos baianos do que do samba.
Cristóvão estava totalmente adaptado à cidade. Jogava pelada com a turma da música no Clube Caxinguelê, no Horto, no Politheama, campo de Chico Buarque, e foi assim, dividindo-se entre o futebol e o ritmo da MPB que viveu uma história de amor que se arrasta até hoje. Certa noite, um músico da banda de Caetano Veloso o convidou para um show da Banda Brilho, de Cláudio Zolli, no Morro da Urca. Lá, foi apresentado a Leninha, uma portuguesa nascida em Aveiro, que empresariava a banda. O romance virou casamento. Hoje, ela é empresária de Zeca Pagodinho, de quem Cristóvão fala com carinho:
Ja fui a muita Festa Junina e roda de samba em Xerém, mas não dá para acompanhar. O Zeca gosta de festa pra caramba.
Uma lesão no joelho seria uma divisor de águas na carreira do atual técnico do Vasco. Após oito meses de afastamento, ele perdeu espaço nas Laranjeiras e pediu para ser emprestado.
Passou por Operário-MS, Santa Cruz, até chegar ao Atlético-PR. Lá, foi eleito melhor do campeonato e só não se tornou dono do próprio passe \"era barato demais, dava para eu comprar\" porque a lei não permitia. Indicado pelo técnico Otacílio Gonçalves para Rubens Minelli, parou no Corinthians, adversário desta tarde em São Januário e pelo qual atuou em 58 partidas, tendo feito 13 gols entre 1986 e 1987:
Naquele clube, alegria e ebulição política vivem juntas afirma. Após a passagem pelo Grêmio, pelo qual foi tricampeão gaúcho(1987/88/89) e chegou à seleção, Cristóvão peregrinou por clubes pequenos até encerrar a carreira e começar a trabalhar como auxiliar técnico.
A parceria com Ricardo começou na seleção pré-olímpica, em 2004. O trabalho fracassou, mas a amizade se fortaleceu. Desde que o companheiro deixou o hospital, Cristóvão o vê quase diariamente.
Não falamos sobre o que faço. Quando pergunto, Ricardo diz \"Faz do teu jeito\". Mas ele não se desliga. Quando viu a foto do Bernardo chorando, perguntou o que tinha acontecido diz Cristóvão, que não quer saber do futuro como técnico:
Tenho uma missão, vou cumprir, e não há pressa para nada. Se vencermos o Corinthians, continuamos na liderança. Temos chances de sermos campeões. O que dizem não me pega.
Vasco: Fernando Prass, Fágner, Dedé, Renato Silva e Márcio Careca; Rômulo, Eduardo Costa, Juninho Pernambucano e Diego Souza; Éder Luís e Élton. Corinthians: Júlio César, Alessandro, Paulo André, Wallace (Leandro Castán) e Fábio Santos; Ralf, Paulinho, Danilo e Alex; Jorge Henrique e William. Juiz: Sandro Meira Ricci (DF).
(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)
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