Torcida

Crianças lotam São Januário no último treino antes de jogo decisivo

“Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”, dizia Cyro Aranha, antigo presidente do Vasco nos anos 50. Se a sentença, hoje eternizada nos muros de São Januário, se fizer valer, então o Vasco está mais vivo do que nunca. Sexta-feira foi o dia da juventude tomar São Januário durante o treino comandado por Dorival Júnior. E, se depender da vontade das crianças, o Vasco, depois do jogo de sábado, no Maracanã, às 16h10, contra o Juventude, já poderá se considerar um time de primeira divisão de novo. Para tanto, basta vencer a partida.

A julgar pela presença dos pequenos vascaínos no treino de sexta-feira, apoio para isso não faltará. Vitor e Mateus têm 7 anos. Artur, 6. O trio faz escolinha de futebol no projeto dos núcleos oficiais do Vasco, coordenados pelo professor Moacir Delorme. De Inhaúma, os meninos vieram de ônibus, acompanhados, dos pais para assistir ao treino da equipe.

– Minha posição é atacante e eu quero ser jogador de futebol quando eu for grande. Mas só se for para jogar no Vasco – conta Artur, que revela seu maior ídolo. – Quero autógrafo do Elton, porque o meu apelido é Elton!

Vitor, atacante, não concorda muito com a fama do amigo.

– Não faz muito gol não – brinca, provocador.

Mateus, meio-campo, naturalmente tem preferência por outro ídolo vascaíno.

– Eu sou meia. Quero ser mais assim que nem o Carlos Alberto – explica ele.

O pai de Artur, Luciano, ainda lembra que Elton não é o único ídolo do jovem.

– Ele é louco pelo Vasco. No videogame, joga sempre com o time de coração contra o Real Madrid, o Barcelona, é uma figura. Mas não é só do Elton que gosta não. Quando o Rodrigo Pimpão se machucou, nossa... só faltou chorar. Vínhamos para cá e ele me perguntava: “O Pimpão vai estar lá, papai?” Eu dizia que não sabia, né? – conta o pai coruja.

Para alegria de Artur, e de toda a criançada diga-se, Rodrigo Pimpão apareceu no gramado de São Januário quando os jogadores faziam a tradicional e descontraída roda de bobo. Óculos escuros, chinelos e braço imobilizado: o atacante veio apenas prestigiar a festa dos torcedores e mostrou ter uma moral e tanto com a criançada que se juntou aos bandos para pedir um autógrafo pelo alambrado.

Em pé numa das cadeiras das arquibancadas de São Januário estava Guilherme, 2 anos e 6 meses de vida apenas, observando a movimentação atentamente. Quando a meninada entoou cânticos cruzmaltinos, o menino começou a bater palmas e pular, obrigando a mãe a segurá-lo.

– O irmão dele joga na escolinha de Inhaúma e resolvi trazê-lo para ver o treino. Amanhã ele vai ao Maracanã pela primeira vez! – explica Diana Danubiana, mãe do pequeno vascaíno.

E não havia apenas meninos em São Januário. As irmãs Jennifer e Stephanie dos Santos, de 6 e 7 anos, respectivamente, também foram conferir o treinamento. A menina mais velha também é aluna do núcleo oficial de Inhaúma. Pela primeira vez em São Januário, com papéis de caderno nas mãos, as duas acompanhavam o treino atentas, esperando o autógrafo de quem?

– Elton! – diz a jogadora.

Energia jovem de futuros “grandes” torcedores: um motivo a mais para o Vasco demonstrar sua grandeza sábado.

Descontração marca treino

O calor em São Januário era descomunal. Contudo, os jogadores foram a campo para treinar, ainda que as atividades tenham sido leves. Dorival Júnior promoveu um coletivo e conversou com os atletas por alguns minutos, passando instruções sobre o time adversário.

Apesar da descontração que marcou as atividades e da tranquilidade passada pelo elenco do Vasco, a expectativa de vencer o jogo é muito grande.

– Já sei que não vou conseguir dormir direito, porque nessas situações fico pensando como vai ser o jogo e tal. Mas isso tem o lado bom, pois demonstra o quanto estou focado – diz o apoiador Souza.

Mais que lutar pela garantia do acesso à Série A, o time quer dar um presente à massa vascaína que estará no Maracanã. Os ingressos para arquibancada já estavam esgotados sexta-feira pela tarde e restaram aos torcedores as entradas para cadeiras azuis. No fim da tarde, 64.559 ingressos já tinham sido vendidos. Para as vendas de sábado, no Maracanã, restaram apenas 3.500.

– Quando eu vejo aquela torcida toda fico todo arrepiado. O que os motiva, certamente, é a garra do time em campo – conta Souza.

O comandante Dorival Júnior também vê a torcida como um fator muito positivo.

– O maior momento da minha carreira de jogador foi num Palmeiras e Corinthians quando entrei em campo e vi aquelas duas torcidas gigantes na arquibancada. Todos nós que gostamos de futebol nos emocionamos com esse tipo de manifestação. Como torcedor, acompanhava em frente a uma televisão o Maracanã cheio e achava incrível. Acho que é importante saber aproveitar e viver essa sensação agora dentro de campo. Espero que nossa equipe proporcione muita alegria para a torcida neste jogo. Será um jogo perigoso, mas tenho certeza de que a equipe terá consciência e inteligência dentro de campo – declarou o treinador.

Butique fica lotada na véspera da \"final\"

As arquibancadas de São Januário estavam movimentadas. Mas, na butique oficial do Vasco, o vaivém era ainda maior. As vendas no local dobraram sexta-feira e na quinta-feira, os dois dias que antecediam ao jogo de sábado, que pode selar o retorno do clube à Série A. Até na loja, os pequenos vascaínos compareceram.

Miguel Santos de Andrade completará 1 ano no próximo dia 10, terça-feira. Mas a comemoração será mesmo sábado, quando o menino será levado pelo primeira vez ao ex-maior estádio do mundo. O pai, Cristiano de Andrade, comprava o uniforme para a festa.

– Vamos comemorar com a subida do Vasco. Ele estará pulando lá no Maraca, todo vestido de Vascão! – disse o pai, com os olhos brilhando de felicidade.

Welton e Luciana são de Campinas. Namorados, não se conheceram em função do time, mas, coincidentemente, sempre foram vascaínos. Os dois vieram da cidade natal para o Rio para ver de perto o retorno do Vasco à elite do futebol brasileiro. Antes do treino, que assistiram em São Januário, compravam lembranças para os sobrinhos.

– Assistimos este ano aos jogos contra a Ponte Preta e o contra o Guarani na nossa cidade. Agora viemos ver a volta do Vasco (à Série A) aqui no Maracan㠖 conta Welton.

Teve até jogador comprando na butique. Fernando Prass, acostumado a garantir que o Vasco não leve gols, sxeta-feira, garantiu o presente do sobrinho.

– Estou comprando um short para o meu sobrinho – contou o goleiro, e revelou sua expectativa para o jogo. – Estou na ansiedade do acesso. Estamos acostumados a fazer jogos importantes, mas sábado é um dia especial. Vamos comemorar se vencermos, mas será um jogo difícil. Não costumo sofrer muito com essas situações não. Mantenho-me bastante tranquilo. Mas claro que uma ansiedade é até normal e positiva para nós. Esperamos poder dar a torcida essa alegria amanhã.

Funcionários torcem por acesso e salários

Alegria era a tônica em São Januário. Para os funcionários do clube, ela também tem vez, mas não com tanta força. O sentimento de fazer parte da recuperação do clube mescla-se com a tristeza de estar há quatro meses sem receber salário. Relatos de acúmulo de função por parte de empregados também existem, o que deixa ainda mais negativo o astral.

Mas, com tudo isso, ainda há espaço para um sorriso. Pedro Paulo Espósito trabalha há 20 anos no portão do estacionamento de São Januário e, apesar dos pesares, diz estar muito contente com a fase cruzmaltina.

– Sempre fui vascaíno e ano passado tudo ficou muito triste por aqui. Eu nem falava com ninguém. Mas agora a equipe está bem. Será um acontecimento especial – afirma, mas deixa o aviso. – Mas para o ano que vem, se quiser brigar, tem que melhorar.

Ana Maria de Oliveira, 74 anos, não esconde a satisfação de falar dos 54 anos que passou cuidando do vestiário feminino no clube.

– Já trabalhei para oito presidentes no clube. Quando o Brasil ganhou a primeira Copa, em 58, eu já trabalhava aqui – diz.

Fonte: Jornal do Brasil