Clubes cogitam fair play financeiro
"Estava negociando com um jogador que disputaria posição, que estava longe de já chegar com status de titular e ele pediu R$ 600 mil de salário. Surreal." Este é o depoimento de um dirigente de um grande clube do futebol brasileiro dado ao UOL na semana passada. O lamento do executivo não é um fato isolado. Os altos valores praticados no país tanto em salários quanto em custos das transações inflacionaram o mercado, e as agremiações já admitem que "a bolha está prestes a estourar".
Os números falam por si sós. Em agosto de 2024, por exemplo, o Brasil atingiu seu recorde de gastos com contratações entre os clubes da elite. Foram mais de R$ 2 bilhões. Para se ter uma ideia, somente na primeira janela a conta foi de cerca de R$ 1,1 bilhão.
Dirigentes do Red Bull Bragantino calculam que, de dois anos para cá, o valor para se montar um time competitivo na Série A praticamente dobrou.
Ainda na temporada passada, sete clubes ultrapassaram a casa dos R$ 100 milhões em reforços, sendo quatro deles com modelos SAF: Bahia (SAF), Botafogo (SAF), Corinthians, Cruzeiro (SAF), Flamengo, Palmeiras e Vasco (SAF).
O Botafogo foi o grande recordista, com mais de R$ 323 milhões investidos, tendo como retorno esportivo os títulos do Campeonato Brasileiro e da inédita Copa Libertadores.
Fair play financeiro é cogitado
Diante do problema, o fair play financeiro foi debatido na CBF ainda na gestão Rogério Caboclo. Na época, um modelo foi elaborado pelo economista Cesar Grafietti, mas acabou engavetado.
Ano passado, ele foi retomado na Comissão Nacional de Clubes, mas atualmente se encontra estagnado.
A gestão passada do Flamengo, comandada por Rodolfo Landim, levantou a bandeira sobre a discussão após ver seu rival Botafogo, impulsionado pela SAF de John Textor, virar seu concorrente e se tornar agressivo no mercado. Atualmente, o Rubro-Negro e o Alvinegro possuem oito das dez contratações mais caras do futebol brasileiro. Agora, cada vez mais clubes aderem à ideia.
Alguns clubes agem um pouco de forma irresponsável. A entrada das SAFs também inflacionou, porque é um dinheiro de fora e isso não representa um crescimento da receita e, sim, um aporte. Esse dinheiro inflacionou o mercado, se tornando um problema, pois essa bolha vai estourar em algum momento e isso não existe a menor dúvida. Os clubes que querem se manter organizados vão ter dificuldade de competitividade, porque vão concorrer com quem inflacionou e que vai ter performance esportiva de curto prazo melhor. Acho que urge a necessidade de um fair play financeiro. Se o clube estiver com dívida, não pode seguir contratando, pois o modelo atual causa desequilíbrio artificial, e isso não é bom para nenhum mercado
Marcelo Paz, CEO da SAF do Fortaleza
É preciso discutir o fair play financeiro para que não gere irresponsabilidade nas finanças conectadas ao faturamento do clube. Muito além de olhar para fora, os clubes precisam melhorar suas governanças, inovar na gestão dos ativos, conectar cada vez mais com o torcedor e buscar o aumento de receitas
José Olavo Bisol, vice-presidente de futebol do Internacional
Mano Menezes: 'Bolha será furada logo ali na frente'
Técnico do Fluminense e com vasta experiência no futebol brasileiro, Mano Menezes é claro e pessimista sobre o assunto. Para ele, a conta irá chegar muito em breve aos clubes que estão trocando os pés pelas mãos.
É um momento de extrapolação da nossa realidade. Não podemos nos comparar com Inglaterra ou Alemanha. Nossa realidade de economia é diferente. Estamos vivendo uma realidade de bolha que será furada logo ali na frente. Os clubes não vão conseguir honrar compromissos e sustentar negociações desse tamanho. Não temos receitas para isso. Há duas ou três exceções, eles podem fazer negociações diferentes da realidade
Mano Menezes, à TNT
Ligas e SAF's catapultaram valores?
Para muitos clubes, o surgimento das SAF's e das ligas catapultou os valores. Há, porém, um contraponto de que a profissionalização da gestão do futebol brasileiro também trará um maior equilíbrio.
Tivemos uma injeção grande de dinheiro vinda de três fontes: as SAF's, as bets e as Ligas. Principalmente em 2023, tivemos uma grande distribuição de dinheiro do investidor, que comprou os direitos da LFU. E também da Rede Globo, que antecipou receita para os clubes da Libra. Isso também influenciou muito nos valores de salário e de transferências. Ainda assim, acho que o Brasil está caminhando para tentar diminuir essas diferenças entre os grandes e pequenos/médios. A gente vai ter uma diminuição dessa diferença e um aumento da competitividade
Cristiano Dresch, presidente do Cuiabá
Não há como negar que está absolutamente inflacionado no Brasil. Não é à toa que tantos atletas com mercado aberto na Europa e Oriente Médio têm vindo com naturalidade atuar aqui. Os salários se equiparam. Esta realidade é condizente com dez ou 12 clubes no Brasil e, talvez, eles balizem o mercado e atinjam diretamente o cenário financeiro. E como esta é uma realidade na qual nem todos os clubes estão inseridos, as dificuldades dos médios e pequenos torna-se ainda maior pela disparidade de poder de investimento. Para minimizar os efeitos, acredito que a criação da Liga vai ajudar. Os clubes passarão a receber cotas mais equilibradas entre si
Fabio Pizzamiglio, presidente do Juventude
A entrada de recursos externos oriundos, principalmente, das SAF's e da comercialização dos direitos de transmissão foram os pontos que influenciaram nessa inflação. Para reverter ou mudar esses efeitos, acredito que em algum momento o próprio mercado irá se acomodar, havendo uma estabilização dos valores. Mas também será preciso que haja um entendimento entre os dirigentes
Yuri Romão, presidente do Sport
Patrocinador bancando, direitos fatiados... Clubes usam criatividade
Os clubes que não possuem poder aquisitivo alto têm utilizado a criatividade para se reforçar. O Corinthians, por exemplo, contratou Memphis Depay com a ajuda de um patrocinador, que se comprometeu a bancar boa parte do salário do holandês.
Outra alternativa tem sido fatiar os direitos econômicos. Ao invés de adquirir a totalidade ou grande parte do atleta, eles propõem apenas a compra de um percentual, mantendo ainda um vínculo financeiro com o clube vendedor.
O mercado sul-americano é outra saída, onde encontram-se jogadores por preços inferiores aos praticados pelos clubes brasileiros.
Aqui no Fluminense, a gente tem que trabalhar com números mais abaixo e encontrar soluções. Não acredito que os clubes vão suportar isso por muito tempo
Mano Menezes, à TNT
Técnico do Atlético-MG, Cuca também se mostrou espantado com os valores praticados pelo mercado atualmente:
Fonte: UOL EsporteOs preços são absurdos. Fiquei perplexo em participar das coisas com o Victor (diretor do Atlético-MG), de como as coisas inflacionaram e como se tornaram quase que inviáveis. Então, a gente tem que usar a criatividade
Cuca, técnico do Atlético-MG
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