CBF quer debater com clubes e Globo sobre o calendário de 2024
Durante 12 anos, em dois períodos, Julio Avellar trabalhou na Fifa na organização de competições. Atuou na relação com federações, em relatórios para sede de Copa e na própria operação de estádios e jogos para o Mundial. Não se via de volta ao Brasil quando a CBF o convidou para ser diretor de competições da entidade em abril deste ano.
Avellar faz parte da nova leva de diretores da confederação com a reforma feita pelo presidente Ednaldo Rodrigues após ser eleito. Substitui Manoel Flores, longevo diretor de competições da CBF, que dividida opiniões positivas e negativas entre os clubes.
Se o diretor é novo, os desafios são iguais. O futebol brasileiro tem um dos calendários de jogos mais caóticos do futebol mundial, com excesso de jogos que desgastam atletas, conflitos com datas-Fifa e o natural obstáculo de ser um país continental. A CBF, por estatuto, é a responsável por organizar esse cronograma e até hoje não foi capaz de evitar danos aos clubes.
Para 2023, Avellar promete que os jogos do Brasileiro serão preservados dos confrontos com as datas-Fifa, pelo menos no meio do período. Ainda há ajustes a fazer no calendário por conta do Mundial de Clubes da Fifa, ainda sem data divulgada.
Mas é necessária uma solução a longo prazo, como reconhece Avellar. Para isso, o novo diretor de competições defende que deve-se se chamar todos os clubes, federações estaduais e detentores de diretos para discutir o calendário para 2024.
"Você conhece o presidente Ednaldo. A forma democrática dele agir como tem sido feito. O que não vejo é a gente canetando e dizendo vai ser assim. Tudo que é construído e conversado é melhor", disse Avellar.
Seria algo inédito já que, até hoje, foram discussões esparsas e sem efeito prático com clubes. Não são poucas as discussões: é preciso reduzir Estaduais? Como evitar conflito com datas-Fifa em anos cheios como 2024? Como preservar a irrigação do futebol regional sem travar o desenvolvimento econômico dos grandes clubes?
Veja o que o diretor Julio Avellar conta na primeira parte da entrevista ao blog:
Blog: Entrando na questão do calendário, primeiro, vou perguntar como está para o ano que vem?
Julio Avellar: Falamos com o presidente, ele pontuou corretamente e eu me aprofundei. Hoje existe uma indefinição por parte da Fifa do Mundial de Clubes. No ano passado, o Mundial de Clubes foi do dia 1o ao dia 12 de fevereiro. Hoje, a Fifa não definiu essa data. A Conmebol definiu as datas da Recopa. Então, no momento que tem essa indefinição da Fifa, que ela pode botar em fevereiro, março ou abril, qualquer opção que ela escolha tem um impacto significativo no nosso calendário. E, dependendo de onde ela colocar, é muito provável que impacte nas datas já estipuladas pela Conmebol para a Recopa. Aí bota Mundial de Clubes, tem que realocar a Recopa, e nós como somos terceiros da fila, temos que ajustar o calendário de acordo. Esse é um entrave que nós temos.
Blog: Em geral, o Mundial de Clubes afeta o início da temporada brasileira, fevereiro
Julio Avellar: Nos últimos anos tem sido assim, antes era no final do ano.
Blog: Sim, isso tem sido assim e deve ser de novo porque tem a Copa no final do ano. Para o Brasileiro, que é a competição mais nobre, e a Copa do Brasil, é plausível que não tenha um conflito de datas-Fifa com as datas do Brasileiro?
Julio Avellar: Sim, para o ano que vem é possível
Blog: Não vai ter nenhum jogo inclusive no canto das datas-Fifa?
Julio Avellar: No meio da data-Fifa, tenho convicção de que é possível. São dez datas-Fifa, cinco períodos.
Blog: Pensando mais para frente, não sei se você já teve essa conversa com o Ednaldo, a gente tem uma questão de estrangulamento porque temos muito jogo no calendário brasileiro. Já se pensou de alguma forma se há soluções para isso, especialmente sobre os Estaduais, que são as competições menos nobres e tem 16 datas?
Julio Avellar: Ideia todo mundo tem de como, entre aspas, consertar o calendário. O que é necessário, quero que fique bem claro, precisa de um esforço comum de todos os agentes envolvidos nisso. Por que pode reduzir Estadual, pode reduzir Copa do Brasil, pode reduzir Brasileiro. Não to dizendo que vai fazer um ou outro. Esses são o campeonatos. A Fifa não vai reduzir, a Conmebol não vai reduzir. Então sobra para a CBF e as federações estaduais. Acho que requer uma conversa de todo mundo para ver qual o melhor caminho. Vou só botar: consigo pensar de todas as formas possíveis. Consigo entender uma cabeça mais CBF onde se privilegie as competições CBF. Mas consigo entender a ótica das federações estaduais. Não existe país no mundo que você grite mais de 30 vezes campeão, só no Brasil. Aí é a pergunta que faço é a seguinte, pensando com a cabeça das federações, a não existência de Estaduais é bom para o Brasil?
Blog: Mas eles como estão postos, Julio, pela sua experiência internacional inclusive de viabilidade financeira dos Estaduais. Dos clubes das Séries A, você tem o Estadual de São Paulo e mais ou menos o do Rio que geram receita. Os outros, você está prejudicando financeiramente os clubes que disputam o torneio porque são jogos que agregam pouco financeiramente para aquele clube. Não acaba atrasando o desenvolvimento do futebol brasileiro por ter um período muito grande dos Estaduais?
Julio Avellar: Por isso que eu fui muito cuidadoso com o que falei aqui. Eu consigo pensar com todas as cabeças. Se o primeiro critério é viabilidade econômica, financeira, você está certíssimo no que você falou. Se o critério for gritar campeão, desportivo, você vai ter clube que é campeão estadual e nunca vai ser campeão brasileiro. É interessante isso para o desenvolvimento naquele Estado ou para o desenvolvimento daquela torcida? Não estou falando que um está certo e outro errado. Estou dizendo que existem formas distintas de você pensar. Para solucionar isso, requer uma conversa com todo mundo desenvolvido.
Blog: A ideia de vocês é chamar os clubes e federações e achar uma fórmula que todo mundo opine (no calendário)?
Julio Avellar: Claro, claro.
Blog: Por que até hoje quem fazia sozinha é a CBF, não é?
Julio Avellar: Você conhece o presidente Ednaldo. A forma democrática dele agir como tem sido feito. O que não vejo é a gente canetando e dizendo vai ser assim. Tudo que é construído e conversado é melhor.
Blog: Seria algo para se pensar para 2024, 2025?
Julio Avellar: Diria 2024. Por que o que temos em 2024 de eventos internacionais? Você tem Olimpíada, que vai desfalcar time no Brasil. Você tem Olimpíada, tem Copa América, que a gente não tem o formato da Copa América. Pode ser uma Copa América maior. Se for isso, a gente já sabe que é impossível defender as datas-Fifa em 2024.
Blog: Ano que vem vocês terem que ter essa conversa?
Julio Avellar: Essa é o caminho. Essa conversa, que fique claro, não é só clube, federação e CBF, é detentor de direito.
Blog: A Globo, por meio de um diretor (Fernando Manuel), já deu a sugestão de Estaduais serem disputados de forma concomitante com outras competições e não com período exclusivo, como uma Copa da Liga na Inglaterra. É algo plausível?
Blog: Mas, como princípio, você mantém a ideia de cada competição ter seu espaço de importância. E mantém a ideia do Estadual de irrigar o sistema federativo. Isso não seria perdido.
Julio Avellar: Exato, com certeza. Não acho que a solução é acabar Estadual. Temos que arrumar uma maneira de coexistir o calendário.
Blog: Para além do calendário atual, muitos times não têm calendário após o Estadual. No Brasil, você entende que cabem mais séries do que existem hoje em dia ou seria excessivo?
Julio Avellar: Acho que depende da ótica que você olha. Se olha pela quantidade de clubes, a resposta é sim. Agora se olha pela questão econômica, quem financia esses campeonatos? Inteiramente a CBF.
Blog: CBF financia integralmente as Séries C e D, não é isso? A Série B é paga pelo contrato?
Julio Avellar: Todas as competições têm custo para a CBF. Se você vai criar uma Série E, ela vai ser toda financiada pela CBF. Eu acho que é uma coisa a ser investigada. Voltando ao ponto que você falou, para preencher o calendário, em um ambiente em que você não jogue data-Fifa, você pode alongar o calendário também. Você para não só na A (na data-Fifa), mas na B, C e E. E você alonga essas competições e mantém esses clubes. Mas o que precisa é um desenvolvimento de produto para irrigar esses produtos e por consequência os clubes teriam mais recursos para serem mais sustentáveis.
Blog: E isso a CBF que faria com as Séries C e D?
Julio Avellar: Isso é o que está na cabeça que eu tenho é de construiu um produto. Estamos construindo competições melhores, com mais visibilidade.
Blog: Outra nova discussão seria a volta dos regionais. O Nordeste já está consolidado, agora se falou na Sul-Minas?
Julio Avellar: todo mundo sabe das dificuldades do calendário. O Nordeste já está consolidado. Acho que precisaria de um ajuste porque os Estaduais estão muito deixados de lado. Copa Sul-Minas teria de fazer conta para ver se cabe. Antes, havia o Rio-SP que trouxe complicações para Estaduais. Tem que fazer conta.
Blog: Você entende que tem mexida demais na tabela? Uma vez contei que tinha 150 mexidas na tabela.
Julio Avellar: Esse é outro ponto interessante. Quando cheguei aqui, fiz um trabalho de mensurar quantas mudanças a gente tinha. E a grosso modo era 40% da tabela da Série A, 50% das Série B, 60% da Série C, e, na Série D, era uma tristeza, 70% trocava. Mas a gente tem que analisar os agentes, o porquê dessas mudanças. Tem o detentor que pede para mudar porque privilegia a questão comercial dele. Você tem a informação vem escassa ou fragmentada de federação ou clube. E às vezes ia mudando. O ambiente que a gente tinha aqui, não podemos deixar de constatar, a malha aérea enxugou. As tabelas eram desdobradas em cinco, cinco rodadas. Eu desdobrei dez rodadas da Série A, Série B foram12. Para criar previsibilidade, o clube pensar, essa viagem eu faço aqui, esse treinamento aqui. Foi um trabalho de construção com todos os agentes, detentor de direito, parceiro logístico, seja clubes e federações, para poder entender que para desdobrar a tabela de cinco jogos, não ajuda ninguém e tem muita mudança.
Blog: É ruim ter muita mudança de 40%?
Julio Avellar: Acho péssimo. Você é torcedor do seu clube e quer planejar uma viagem para ver o seu clube e não sabe quando o cara vai jogar. Você compra a passagem e o cara trocou. É horrível, você destrói o produto. Quanto mais alongar essa previsibilidade, melhor. O que pude observar é que essas mudanças diminuíram. Fizemos um trabalho com os detentores de direitos para mostrar para eles quais são as premissas na construção de tabela. Avião não desce em Chapecó às 10 horas da manhã. Será que o outro lado sabe? Quando está pedindo um jogo em tal horário, sabe disso?
Blog: Esses horários de 11 horas da manhã não funcionam em determinados locais?
Julio Avellar: Não funcionam. A palavra que tenho mais utilizado é construção. O que tenho feito é construir junto, agentes, detentor, clube, federações. Cada um poder entender a dificuldade do outro. O detentor quer privilegiar a parte comercial, o clube privilegia a logística. A gente criou uma tabela de premissas de restrições. Não pode ter jogo no Nordeste cedo, tem estádio que não tem refletor, mas a televisão quer botar o jogo à noite lá. Foi uma mudança grande aqui na casa, foi ter um sistema para ter Big data. Não tinha Big data. Chegava um ofício aqui, um clube pediu para mudar a data. Por que?
Blog: E aí ficava centralizado no diretor de competições?
Julio Avellar: Não sei como ficava. A mudança foi: as federações entram e recebem os ofícios. A federação tem que botar no sistema. Eu consigo te dizer quantos pedidos de mudanças no final do campeonato. Esse clube jogou mais em tal horário, tem que ver foi opção de tv, do clube. Consigo dizer que tal jogo teve quatro mudanças de horários. Esse sistema lembra o filiado que existe um regulamento. Você trocar um jogo de Estado tem prazo de 30 dias. Para trocar data, de estádio no mesmo Estado, você tem dez e cinco dias. Ajuda a lembrar o regulamento. A gente era ineficiente.
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