Futebol

Carlos Leite defende atuação como empresário e financiador de clubes

Carlos Leite gosta de frases de efeito. Quando disparou a Alexandre Campello, nos primeiros dias de 2018, que a caneta do então vice-presidente de futebol de Julio Brant não tinha tinta e que por isso não poderia conversar com ele a respeito de seus jogadores no Vasco, riscou o fósforo que ajudou a acender o desejo do médico pela presidência do clube. Questionado sobre as recorrentes críticas que recebe por causa da relação que possui com o Cruz-Maltino e o Corinthians, soltou outra:

- Você já viu tacarem pedra na amendoeira? Somente jogam pedra em árvore que dá fruto.

Entre os principais agentes do futebol brasileiro, Carlos Alberto Cardoso Leite, 47 anos, sorriu com o resultado das duas eleições que acompanhou no intervalo de 15 dias. Ele teve o nome ligado aos processos políticos que levaram Alexandre Campello e Andrés Sanchez à presidência de dois dos mais populares clubes do país. Viu os votos dos sócios garantirem a manutenção do modelo atual de negócio.

É justamente pelas transações que faz com os dois clubes que é atacado. Carlos Leite representa jogadores e também empresta dinheiro aos dirigentes que considera parceiros. No Vasco, permitiu que Campello pagasse duas folhas salariais em menos de um mês de gestão, o que seria impossível sem ele. O agente bate no peito o fato de nunca ter levado um jogador de um clube a outro de forma litigiosa, por mais que a eterna crise financeira dos clubes brasileiros dê brechas para isso.

- Dizem que tenho uma relação promíscua com o Vasco. Eu empresto dinheiro para não ter de tirar o jogador na Justiça, essa é a verdade. Poderia fazer que nem o Gustavo Scarpa, que saiu e o Fluminense não ganhou nada. Mas em 15 anos como empresário nunca fiz isso, nem vou fazer. Não posso matar a galinha dos ovos de ouro, que são os clubes.

Descrito como “agressivo nos negócios”, “águia para mexer com dinheiro”, e autointitulado pragmático, protagoniza dinâmica em que boa parte do dinheiro que entra e sai do Vasco atualmente tem como origem ou destino a conta bancária de sua empresa. Procurado atrás de reforços, ele coloca o jogador no clube, que eventualmente não consegue arcar com os salários do elenco. A diretoria então recorre ao empréstimo do empresário para pagar a folha — bancos dificilmente concedem crédito aos clubes pela fama de maus pagadores. Além disso, Leite repassa o dinheiro a juros menores do que os praticados no mercado, foi o que afirmou Otto de Carvalho Júnior, presidente do Conselho Fiscal na gestão de Eurico Miranda.

Posteriormente, o atleta do agente pode vir a ser negociado. Assim ele ganha na comissão da venda e na transferência em si, já que o clube usa o valor recebido para quitar a dívida.

Foi o que aconteceu na ida de Douglas para o Manchester City, ano passado, quando a transferência ajudou o Vasco a quitar os R$ 20 milhões de dívida com o empresário declarados no balanço. A saída de Mateus Vital para o Corinthians, este ano, entra no mesmo contexto, com uma variável: a iminência da saída de Eurico Miranda e a possibilidade de eleição de Julio Brant, candidato apoiado por Edmundo e próximo do ex-jogador e atual empresário Deco, dois de seus desafetos no futebol.

- Nós já estávamos negociando, mas se eu disser para você que a possibilidade de mudança não acelerou tudo, estarei mentindo. Comecei a pressionar o presidente, eu não poderia ficar refém de quem estava entrando no clube. Eurico me prometeu pagar tudo que me devia até sua saída e cumpriu. Se eu não estou confortável em um lugar, parto em retirada - afirmou, para em seguida fazer sua leitura da relação beligerante com o lado perdedor da eleição vascaína (Carlos Leite celebrou a vitória de Campello com a imagem de um bobo da corte nas redes sociais, referência ao apelido dado por Romário a Edmundo, em 2000).

- Eles me alfinetaram, quiseram mostrar uma força que não tinham, criaram uma rivalidade que não existia. Não somos rivais, estamos de lados diferentes do balcão. Posso dizer que me arrependi da provocação, mas faltou até inteligência da parte deles, ao meu ver. Se já estou no clube, entrem e vejam como eu trabalho antes de tirarem conclusões. Foram pouco inteligentes ao não procurarem um grande parceiro do clube. Algo que não é de hoje, sou parceiro nos últimos nove anos.

PAULINHO É SUA GRANDE JÓIA

Quando Carlos Leite parte em retirada, leva seus jogadores junto. Foi assim em 2012, ano em que se afastou de Roberto Dinamite por não concordar com o presidente. Atualmente nove nomes do elenco profissional são representados por ele, número que chegou a 12 antes das saídas de Vital, Anderson Martins e Madson. Há também outros oito nas categorias de base. Contando com atletas profissionais e da base, são oito no Flamengo, cinco no Fluminense e Rodrigo Lindoso no Botafogo. Seu principal cliente no futebol carioca hoje é Paulinho, exemplo que ajuda a entender o sucesso do empresário.

O ano era de 2015, recomeço de Eurico Miranda na presidência. Os dois, que haviam brigado em 2010, se acertaram em encontros no restaurante Fratelli da Barra da Tijuca, quase uma extensão do luxuoso escritório do agente. Com o bom trânsito com a diretoria, um funcionário seu foi ao Vasco ver de perto quem era o menino. Com outras sondagens, os pais de Paulinho acertaram com ele. O empresário então assumiu os gastos com nutricionistas e médicos ortomoleculares da promessa. Após dois assaltos próximos de casa, na Vila da Penha, foi Leite quem liderou a mudança da família para o Recreio.

- Ele tem sido muito importante para mim e pode ajudar muito na minha carreira. Quando eu vi, as coisas estavam ficando mais sérias e ele estava dando uma ajuda grande, isso dá uma ambição de buscar algo melhor - explicou Paulinho, de 17 anos.

Seu Paulo, pai de Paulinho, conta que frequentemente pais de outros garotos pedem para serem indicados a Carlos Leite, o que mostra reputação diferente da de quando virou agente. Léo Lima foi quem o convidou para cuidar de sua carreira em 2003, quando ainda era dono de uma loja de pneus em Jacarepaguá.

- Quando fechamos, não me esqueço, um representante da Nike disse que com Carlos Leite eu acabaria trabalhando num balcão de bar.

Não foi o caso. Léo jogou por Vasco, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, São Paulo e Santos. Fora do país, defendeu o Porto, de Portugal, e passou seis anos no Al-Nasr, dos Emirados Árabes, de onde saiu resolvido financeiramente.

JORGE MENDES E CORINTHIANS COMO DIVISORES DE ÁGUAS

Talvez tanto quanto Carlos Leite, em 15 anos de carreira bem sucedida como empresário de jogadores. Sua mudança de status no mercado ocorreu em 2006, quando ajudou a Gestifute, do empresário português Jorge Mendes, o mesmo que cuida da carreira de Cristiano Ronaldo, a comprar os direitos econômicos de Anderson, meia conhecido no Grêmio na época como o novo Ronaldinho Gaúcho. Dois anos depois, se aproximou de Andrés Sanchez e, consequentemente, do Corinthians, quando o clube vivia a pior fase de sua história, rebaixado para a Segunda Divisão. Após entrada no Tricolor Gaúcho, conseguiu acesso ao mercado paulista.

Atualmente, agencia a carreira de 80 jogadores, entre eles três cotados para disputar a Copa do Mundo na Rússia: o goleiro Cássio, o lateral-direito Fagner e o meia Renato Augusto. Mas não foi apenas sua carta de clientes que o tornou reconhecido. Seu hábito de formar parcerias com clubes sempre dividiu opiniões. Carlos Leite possui boa relação com o Flamengo, a quem também já emprestou dinheiro, e teve papel importante na formação do elenco no primeiro ano da gestão Bandeira de Mello. Com vocação para socorrer clubes na Série B, ajudou o Vasco em 2009 e o Bahia em 2010, levado por Paulo Angioni, então diretor de futebol. Porém, é o Corinthians o clube que historicamente teve seus principais jogadores, quem representa a melhor vitrine para o produto do empresário.

Quem é oposição ao grupo de Andrés Sanchez, há dez anos no poder no Parque São Jorge, é também crítico à relação do clube com Carlos Leite. Ex-vice-presidente do Corinthians, Antônio Roque Citadini é um exemplo. Procurado pela reportagem, disse não conhecer o empresário, mas questionou a compra do Corinthians pelos direitos de Mateus Vital: "É um garoto em formação ainda, igual a ele tem uns dez no Corinthians. E o clube pagou milhões por ele".

Às vésperas da eleição vencida por Sanchez, no começo do mês, reportagem do jornalista Ricardo Perrone, do UOL, acusou Carlos Leite de emprestar dinheiro ao Corinthians para bancar o pagamento de taxas de sócios inadimplentes, que passariam a ter direito a voto. Sanchez, quem iniciou a parceria do Corinthians com o empresário, foi o candidato da situação. Questionado a respeito, o agente se posicionou:

- Houve um mal entendido. Eduardo Ferreira (ex-diretor de futebol do clube) ligou para um sócio meu e solicitou o empréstimo, dizendo para colocar na conta do Corinthians. Eu fiz achando que era mais um empréstimo como tenho feito outros. Quando eu enviei o contrato para o presidente assinar, ele me disse que não solicitou nenhum empréstimo. Procurei o Eduardo, que disse que o empréstimo foi contraído por ele, mas colocado na conta do Corinthians. O contrato de mútuo foi assinado e estou aguardando a devolução.

Filho de família portuguesa sócia da rede de supermercados Mundial, Carlos Leite levou o tino hereditário nos negócios para o futebol. Defende sua relação com os clubes com os resultados em campo - desde que se tornou parceiro do Corinthians, viu o time paulista ser campeão mundial, campeão da Libertadores e tricampeão brasileiro. No Vasco, festeja a vaga na Libertadores desse ano e o título da Copa do Brasil de 2011. Foi justamente com o agente bem próximo da diretoria que o Flamengo foi campeão da Copa do Brasil de 2013. Questionado sobre o que era melhor, fazer negócio com um clube forte ou com um que dependa de seu dinheiro, foi sincero:

- Para mim, o melhor é que o clube esteja bem desportivamente. Se estiver, meus jogadores estão valorizados. Se não estiver, não me adianta. Não cabe a mim ver se o clube está bem de grana. Tem muita gente lá dentro para se preocupar com isso.

Fonte: O Globo