Cariocas puxam a fila, e dívida dos clubes brasileiros sobe 19% em 2011
Imagine uma pessoa que não sai do cheque especial. Apesar disso, continua comprando, sem parar, produtos que não garantem retorno financeiro. As contas vão se acumulando, e ela decide pedir um empréstimo. Um, não: dois, três, quatro. Quando percebe, a situação virou uma bola de neve. Os juros bancários ficaram altíssimos, as compras não renderam lucro, e ela ainda é cobrada para investir mais. Agora, transfira esse cenário para o futebol. Assim vivem os 20 maiores clubes do Brasil (Atlético-PR e Bahia ainda não liberaram seus balanços anuais), com uma dívida que já chega a R$ 3,86 bilhões.
O número foi apresentado pela empresa de auditoria e consultoria BDO, que fez um levantamento das finanças dos clubes brasileiros entre 2010 e 2011 com base nos balanços divulgados. Apenas neste período, houve um aumento de 19% (R$ 628,4 milhões) no endividamento das instituições. Vale lembrar que o valor usa como referência a dívida líquida, ou seja, o valor do passivo total (quanto o clube deve) menos o ativo (quanto recebe), excluindo o que está imobilizado e intangível, contas bloqueadas.
- Os clubes estão contraindo dívidas para pagar salários. Não estão investindo em marketing, estádios, relacionamentos com torcedor. Estão pegando valores a juros altíssimos para financiar a atividade fim, sem projeção de retorno futuro. É como se fosse aquela quantia a mais que temos no cheque especial. Aquele dinheiro não é nosso, não está ali para ser usado com gastos mensais. Seria apenas para emergências ou investimentos que se pagariam em breve - explicou o consultor da BDO, Amir Somoggi.
O Santos é o único entre os 20 clubes da lista com diminuição da dívida, ainda que pequena: passou de R$ 211 milhões para R$ 207 milhões (2% a menos). O top 5 é ocupado pelos mesmos cinco times do ano passado, apenas com mudanças nas posições. O Fluminense ultrapassou o Vasco e está em segundo. E o Atlético-MG assumiu a quarta colocação, que era do Flamengo. O líder continua sendo o Botafogo, agora com uma dívida de R$ 563,9 milhões, valor 49% maior do que em 2010. O presidente Mauricio Assumpção explica o que aconteceu:
- O que fizemos foi uma correção monetária da dívida, coisa que muitos clubes não fizeram. Por isso há esse número astronômico. Mas, quando outros forem corrigir, o número também não será bonito - afirmou Assumpção, argumentando que aproximadamente 13% da dívida atual (ou R$ 50 milhões) são de sua gestão e que, em quatro anos, pagou R$ 40 milhões para tentar diminuir o montante.
Assim como no Botafogo, a dívida do Flamengo também é recheada de ações trabalhistas, como as que estão sendo movidas pelo atacante Deivid, que cobra R$ 6 milhões em direitos de imagem, e por Ronaldinho Gaúcho, com R$ 5 milhões em salários atrasados, valor que, segundo a presidente Patricia Amorim, é de R$ 2,25 milhões. Fora isso, o clube pagou R$ 53,7 milhões em empréstimos bancários, sendo que R$ 32,6 milhões só em juros.
Recorrer a uma instituição financeira é um procedimento comum à maioria dos clubes brasileiros que buscam uma solução a curto prazo para sobreviver financeiramente e manter um time competitivo. Adiantamento de cotas de TV é um outro recurso. Dois movimentos arriscados, na opinião de Amir Somoggi.
- Os presidentes dos clubes não estão preocupados com a conta que virá daqui a dois ou três anos. Não serão eles que vão pagar, pois haverá uma eleição, e um novo gestor estará no comando. Então, fica complicado. A única solução para isso seria aprovar uma cláusula no estatuto proibindo de usar recursos dos anos posteriores. Isso, porém, geraria um congelamento de investimentos. Ou seja, o presidente teria que vir à imprensa e avisar o torcedor que não vai contratar nenhum jogador ao elenco, porque está em contenção de despesas, o que levaria embora também os patrocinadores. Imagina o impacto negativo que isso iria gerar - lembrou o consultor.
Timemania não é a única explicação, diz especialista
Embora os empréstimos e as altas folhas de pagamento sejam fundamentais para explicar o aumento das dívidas, um fator vem sendo apontado pelos presidentes dos clubes como principal. A Timemania, regulamentada em 2007, é uma loteria que destina 22% de sua arrecadação para ajudar os clubes de futebol a pagarem o que devem ao Governo Federal, como imposto de renda, INSS e fundo de garantia. No entanto, o recurso não deu o retorno desejado, e as administrações voltaram a pegar do próprio bolso para chegarem à quantia necessária das prestações das dívidas.
Como nem todas conseguiram saldo para fazer esse pagamento, tornaram-se inadimplentes, condição que proíbe o recebimento de verba pública, como a Lei de Incentivo ao Esporte. A bola de neve não parou de crescer.
O consultor Amir Somoggi, no entanto, discorda que a Timemania seja o principal foco a ser combatido.
- Nos últimos três anos, 82% do crescimento do endividamento dos clubes não vieram da Timemania. Corinthians e Flamengo, por exemplo, pagaram aproximadamente R$ 2,8 milhões por mês só de juros bancários relativos a empréstimos em 2011. O São Paulo trouxe o Luis Fabiano com um valor muito elevado, esperando que ele conquiste títulos, venda camisas e pague o que custou. E se não render dessa forma? Já vimos muitos casos assim - explicou Somoggi.
Mesmo o São Paulo não tendo a maior dívida do país (é a 11ª), o aumento dos débitos pouco tempo chamou a atenção do consultor. Em cinco anos, o Tricolor cresceu seu endividamento em 207%, chegando a R$ 158,4 milhões. Desse número, 68% foram apenas entre 2010 e 2011, o maior avanço entre os paulistas. Somoggi acredita que o São Paulo tenha mudado sua trajetória ao não conseguir depender apenas de seus próprios recursos, tendo de pedir empréstimos a instituições financeiras.
- Em 2007, o São Paulo gastou R$ 5,9 milhões com juros bancários. Já em 2011 esse número saltou para R$ 18,9 milhões. Pegaram empréstimos para alavancar a atividade do clube. Foi tudo muito rápido, e agora ele não depende mais de suas próprias pernas.
Segundo o diretor financeiro do São Paulo, Osvaldo Vieira de Abreu, porém, a culpa não pode ser direcionada apenas à contratação de Luis Fabiano, que atuou no Sevilla-ESP por cinco anos e custou 5,6 milhões de euros (cerca de R$ 14,5 milhões) aos cofres são-paulinos.
- Fizemos um acordo com o Sevilla, e estamos pagando o valor a prazo, semestralmente. Mas com o dinheiro do clube. Não pegamos empréstimos para pagar pelo Luis Fabiano. A dívida maior que tivemos no último ano foi com investimentos na infraestrutura do CT de Cotia, basicamente. Fora isso, a diferença vem de estruturação do futebol profissional, com aquisição de jogadores, sim, mas garanto que é uma pequena parte do montante - afirmou o diretor financeiro tricolor.
Caminho: gestão equilibrada do futebol e renegociação com credores
Em meio a um cenário pessimista, Amir Somoggi mostra que existe um caminho para tentar amenizar o aumento constante das dívidas dos clubes.
- O endividamento vem de uma história de má administração. Uma das questões a serem discutidas é uma gestão mais equilibrada do futebol. O que acontece agora é que se gasta igual ao que se fatura com o departamento. Então, o ideal seria buscar esse equilíbrio e tentar renegociar com os credores, o que parece que os clubes estão tentando fazer.
Outra opção é o investimento no marketing, como fez o Internacional, que mostrou um aumento de 33% da dívida entre 2010 e 2011, proveniente, segundo o diretor de finanças Milton Stella, do reconhecimento de passivos desconsiderados em balanços anteriores. A fatia referente a patrocínios e publicidades, que representava 8% da receita em 2010, cresceu para 15% no ano seguinte.
- No ano passado, o clube foi bastante agressivo nas negociações destes contratos e fez a revisão de algumas estratégias que resultaram em grande crescimento de receita para a área. Sem dúvida nenhuma, contribuem para a redução da necessidade de endividamento do clube, embora a solução seja mais complexa e dependa de ações como a própria revisão dos seus índices de correção - afirmou Stella.
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