Capelo: 'Não haverá liga, e sim bloco para vender direitos de transmissão'
Acontece que no Brasil os conflitos de interesses colocam pessoas que pensam razoavelmente igual em lados opostos. Quase todos os presidentes de clubes — tirando um ou dois que escondem o jogo — querem fundar a liga. Intermediários de lado a lado sabem da necessidade dela. No entanto, três anos de cisões entre as principais figuras do futebol brasileiro ameaçam a reestruturação.
A galinha está sendo depenada antes mesmo de nascer. Pensemos, primeiro, nas propriedades comerciais que seriam negociadas pela liga. Por onde entra o dinheiro. O que faria parte do pacote? Direitos de transmissão da primeira e da segunda divisões, a parte mais valiosa; patrocínios das competições, inclusive placas à beira do campo e naming rights; direitos internacionais e de apostas.
Hoje mesmo a Brax, alçada à condição de maior agência do futebol brasileiro pela CBF, faz propostas a todos os clubes para comprar as placas estáticas. Alguns já aceitaram, como Botafogo, Cruzeiro e Vasco, enquanto outros estão tentados por luvas de R$ 25 milhões. O dirigente assina contrato porque precisa da grana, sem perceber que assim arranca uma pena da pobre galinha.
A Brax já comprou os direitos de transmissão da Série B até 2026. São dois anos a menos no pacote comercial da liga, e várias penas puxadas ao mesmo tempo. O contrato assinado meses atrás incluiu não só a transmissão doméstica do campeonato, também seus direitos internacionais e para apostas.
Tem mais. Clubes se dividiram em grupos, você já sabe: Libra e Forte Futebol. Desse jeito, pode esquecer também das propriedades comerciais que hoje estão com a CBF. Ela vai entregar os naming rights do Brasileirão a qual dos dois blocos? Por óbvio, nenhum. Os clubes deixarão de assumir responsabilidades que pertencem à confederação, sem as quais não se trabalha direito o produto.
Dou exemplos. A liga precisaria reformular o calendário, razão de vários problemas. A liga deveria contar com um sistema de fair play financeiro, para que se desperdice menos dinheiro e se tenha um mercado mais justo. A internacionalização do campeonato é outra questão que não se faz bem sem estratégia e unidade. São todas penas daquela galinha — as penas que deixariam a bichinha saudável e permitiram que ela pusesse os tais ovos dourados. Uma por uma, todas estão sendo arrancadas.
Sobrou uma penosa, nos dois sentidos da palavra. Um animalzinho depenado e de dar pena. Clubes ganharão menos dinheiro do que poderiam com os campeonatos, embora tenham ciência de que deveriam estar unidos, porque se perderam nas picuinhas entre seus dirigentes. O futebol seguirá dependente da CBF, a única que nunca decepciona: nada se espera dela, nada é o que ela entrega.
Do jeito que anda, não haverá liga. Dirigentes e intermediários — os mesmos que um dia já usaram referências como Premier League e LaLiga para exigir isto e aquilo — estão criando bloquinhos para vender direitos de TV. Versões pioradas do Clube dos 13, com o agravante de anteciparem 50 anos de receitas de uma vez só. Só não achem que ninguém está vendo. Vossa história será contada.
Hoje o futebol caminha para o pior cenário. Não haverá liga, e sim blocos para vender direitos de transmissão, que não organizarão as competições. Importante destacar a diferença entre Libra e Forte neste aspecto. Trecho do comentário no @sportv, com @AliciaKlein e @Tim_Vickery. pic.twitter.com/Lso2ubugVO
— Rodrigo Capelo (@rodrigocapelo) September 12, 2023