Calçada era sócio do Flamengo e brincava na eleição: “Vou votar no pior”
Nos anos 1950, o empresário do ramo de alimentação Antônio Soares Calçada se tornava diretor de tênis de mesa do Vasco. Investia do bolso na modalidade, que vencia torneios e campeonatos sem gastar recursos do clube. Era assim que o dirigente, que morreu no último dia 5 de agosto aos 96 anos, resumia o início da vida de dirigente em São Januário.
Nascido em Aveiro (Portugal) e no Brasil desde os nove anos anos, Calçada não teve ao longo da vida os holofotes do antigo adversário político e depois aliado no clube Eurico Miranda. Era discreto. Para a maioria, ele e Eurico eram opostos, mas nem tanto. Eurico brigava, gritava e intimidava com seu jeitão. Calçada acolhia, conversava e, a seu modo, muitas vezes completava o que o jovem Eurico - 21 anos mais moço - começou.
Difícil imaginar outro dirigente do Vasco com a carteira de sócio proprietário do Flamengo - raridade que a reportagem do GloboEsporte.com conseguiu com o antigo motorista, assessor e fiel amigo Marcio Mendes, de 35 anos, com boa parte dos últimos 10 dedicados a cuidar de Calçada. O presidente de honra do Vasco contava o seguinte:
- Um presidente do Flamengo deu título para ele. Seu Calçada contou que era uma dívida de clube para clube, ou com ele. Ele aceitou para não ser deselegante - recorda Marcio, que viveu rotina de anos, do apartamento da Barra até a Penha, no Mercado São Sebastião, na Bolsa de Gêneros Alimentícios, onde a vida de empresário do presidente de honra do Vasco começou e prosperou.
A assinatura da carteirinha é de Helio Mauricio, presidente do Flamengo entre 1974 e 1976. O filho de Helio é Mauricio Rodrigues, que foi candidato à presidência. Ele conheceu Calçada nas tribunas do Maracanã. Recorda de um encontro à base de guaraná e um afetuosos abraço com o pai no antigo Maior do Mundo.
- Papai se dava muito bem com pessoas de outros clubes. Ele deu título de sócio para o Francisco Horta do Fluminense, para o Vicente Matheus, do Corinthians. Acredito que foi uma cortesia. Dívida pessoal não acredito, porque papai era bem de vida - conta Mauricio.
“Não acho que ele me enganou”
Cortesia ou dívida, fato é que o pacato Calçada mexeu com os bastidores do Flamengo com a famosa contratação de Bebeto pelo Vasco em 1989. Entrou na pauta do Conselho do Flamengo possível exclusão de Calçada - o nome do presidente de honra do Vasco estava na lista de eleitores rubro-negros até 2015. O estatuto do Flamengo chegou a mudar, com acréscimo no artigo 77, que diz: “Ficará impedido de participar de qualquer Poder o associado… V - que exerça cargo de direção em outra agremiação, nos termos do art. 54, ou dela for torcedor notório”.
O presidente do Flamengo, em 1989, Gilberto Cardoso Filho respondeu inúmeras vezes ao longo da vida sobre o caso. Aos jornais da época, Calçada brincou:
- Enquanto viajava o negócio estava sendo fechado no Rio. Um dia encontrei o Gilberto que me perguntou se o Vasco estava contratando o Bebeto. Disse que não, é claro, para não perder o negócio - dizia ao “O Globo” na ocasião.
Gilbertinho, como era chamado Gilberto Cardoso Filho - o pai foi presidente do Rubro-Negro e morreu de infarto durante partida de basquete nos anos 1950 -, lembra bem do encontro.
- Eu perguntei para ele sobre o Bebeto. Ele disse: “queria comprar, mas pensei que o valor era menor. O Vasco não tem esse dinheiro, não vou comprar por isso”. Depois, um dirigente do Vasco acabou comprando. Não acho que ele (Calçada) me enganou. Cada um defendia o seu lado - contou Gilbertinho, que lembra das piadas de Calçada em dia de eleição:
- Ele era amigo do meu pai. E votava mesmo. Chegava e brincava: “Vou votar no pior”.
O tal dirigente que Gilberto achava que havia comprado Bebeto por US$ 2,5 milhões era Jorge Salgado, então vice-presidente geral e de finanças do Vasco. Adversário político de Calçada numa das mais tumultuadas eleições da história do Vasco (em 1997), Salgado lembra do ex-presidente com carinho e conta sua versão sobre Bebeto:
- Calçada tinha viajado para Lisboa e eu fiquei no lugar dele na presidência. Eurico me disse que falou com José Moraes (procurador do Bebeto) e disse que o Bebeto estava com dificuldade de renovar com o Flamengo. Nós montamos a estratégia, já que o preço estava fixado na Federação. Nesse ínterim Calçada me telefona e conta que o Gilberto o procurou e me perguntou se era verdade que a gente ia contratar o Bebeto. Eu disse: “Olha, Calçada, estamos examinando, mas tem chance” - lembra Salgado, que tempos depois encontrou Gilberto:
- Ele me perguntou como fizemos aquilo. Disse que eu, (Arthur) Sendas, Olavo (Monteiro de Carvalho) que pagamos. Mas não. O Vasco não tinha dívidas e vivíamos uma situação privilegiada. Tínhamos vendido Romário, Geovani e Nonato.
Fonte: geMais lidas
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