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Bruno Mazzeo escreve sobre o fim da era Eurico no Vasco

JÁ ERA EURICO

A derrota da chapa de Eurico Miranda nas eleições presidenciais do Vasco não é uma derrota qualquer. É uma derrota que representa o fim de uma era. Como quando a estátua de Saddam Hussein foi derrubada em março de 2003, a ditadura de São Januário não poderia acabar de forma mais emblemática. Eurico não foi simplesmente derrotado. Foi derrotado por Roberto Dinamite, o maior ídolo da história vascaína, uma pessoa que se fez conhecida pela sua arte, por botar a bola na rede dos adversários mais de 700 vezes, por honrar a camisa e fazer, como diz o hino, essa imensa torcida bem feliz. Roberto Dinamite presidente do Vasco é quase que o povo no poder. É uma sensação de que o Vasco é nosso de novo.

Comecei a acompanhar futebol na primeira metade dos anos 80. Não conheço, portanto, o Vasco sem Eurico Miranda. Assim como provavelmente Eurico não conheça a vida sem o Vasco da Gama. Apesar de apontar outras maneiras de ter seu ganha-pão, de fazer suas casas em Angra e na Florida, comprar seus carros importados, suspensórios e charutos, todo mundo sabe que a profissão de Eurico era o Vasco da Gama. Respirava o Vasco 24 horas por dia, 7 dias por semana. E nunca negou isso! Foi subindo de cargo, até chegar à vice-presidência de futebol, quando passou a botar as manguinhas e a barriga de fora. Para alguns anos depois chegar ao ponto máximo: presidente do clube. Apesar de se julgar dono dele.

O conheci ainda muito novo (eu muito novo, claro), assim como ao ex-presidente Calçada e ao próprio Roberto (e ao massagista Santana, ao roupeiro Severino). Sempre fui muito bem tratado em São Januário, quando pequeno era considerado quase como um mascote. Independente disso, credito ao Eurico grandes feitos, principalmente antes de assumir a presidência, como, por exemplo, quando tirou Bebeto do Flamengo, numa época em que não se trocava de camisa com tanta facilidade quanto hoje em dia. Mais: antes já tinha impedido que o próprio Dinamite fosse parar na Gávea, quando ele estava para voltar do Barcelona. Fora isso, fez coisas até então impensáveis, como conseguir cancelar e remarcar um jogo da Taça Libertadores em 90, contra o Nacional de Medellín, alegando que o juiz sofrera pressão, o que é mais comum do que bife com batata frita quando se trata do torneio sul-americano. Sempre, dizem os entendidos, dentro da lei. Ou aproveitando as brechas dela.

Às vezes, muitas vezes aliás, usando a “malandragem”. Logo no começo dos seus 40 anos de Vasco, mais precisamente em 1969, uma reunião na sede do clube decidia pela cassação do então presidente, aliado político de Eurico. Mas uma falha na energia fez com a luz acabasse e a votação fosse adiada. No dia seguinte, os jornais estamparam uma foto do jovem Eurico com o dedo no interruptor, causando a falha elétrica. Essa “malandragem” também promoveu grandes micos, como a vergonhosa volta olímpica com a caravela de isopor em 90, após perder a final para o Botafogo.

Como vice de futebol do presidente Antonio Soares Calçada (cargo para o qual convidado após perder uma eleição para o próprio Calçada), Eurico viu e ajudou o Vasco a ser campeão muitas vezes: vários cariocas (incluindo o inédito tri), três Brasileiros, a Libertadores, Mercosul, Rio-São Paulo... Agora, como presidente não conquistou nada mais do que um Campeonato Carioca e aquela interminável seqüência de vices para o Flamengo. Eis a questão: enquanto era vice, apesar de ser presidente de fato, não era de direito. Existia – mal ou bem – alguém a quem ele devia, no mínimo, respeito. Então Eurico acabou mostrando que talvez fosse um excelente representante do Vasco na federação, um cara que brigava pelos direitos do seu clube, que não aceitava que o passassem para trás, etc, etc, etc. Um cara que fazia (e eu ouvi isso muito) torcedores adversários dizerem: “Eu queria um Eurico no meu clube”. Mas enquanto Calçada ia se afastando, envelhecendo, Eurico foi crescendo. Crescendo dentro de si principalmente. E aí chegou ao poder. O tal do poder. E a coisa degringolou de vez. Assinou embaixo do ditado nordestino que diz "quer ver se o homem é bom, manda ele mandar". Usando e abusando da sua imunidade parlamentar (afinal, também virou deputado federal), passou a ser odiado e, consequentemente, ajudou o Vasco a se tornar um dos clubes de maior rejeição. Conheço gente que não se liga em futebol, mas odeia o Vasco justamente pela sua postura. Prepotente, arrogante, ditatorial, autoritário, deselegante. O oposto de tudo o que a história centenária sempre mostrou: um clube democrático, o primeiro a aceitar negros no time (ficando, por conta disso, mais de 20 anos sem poder disputar campeonatos oficiais), com um estádio lindo construído com o dinheiro dos seus torcedores (o maior da América Latina à época da sua construção), o único dos grandes do Rio a ser sediado na Zona Norte... enfim, uma história que em nada combina com a postura do seu, então, manda-chuva.

Mas a Era Eurico chegou ao fim. Agora já era, Eurico. Chega de jogador ser proibido de dar entrevista. Chega de órgãos da imprensa terem o acesso negado dentro do estádio. Chega de patrocinador ser surpreendido com sua marca retirada da camisa em plena final de campeonato por pura picuinha. Chega de jogador saindo pela porta dos fundos, como aconteceu com Juninho Pernambucano, Luizão, Felipe, Carlos Germano e tantos outros. Nunca mais um ídolo vai ser expulso da Tribuna de Honra com seu filho de 10 anos! Chega de ser cego diante da modernidade inevitável. É hora de olhar pra frente, de tentar recuperar uma imagem tão massacrada, de correr atrás do futuro, jogando na lixeira a teoria retrógrada do ex-presidente de que “marketing é coisa de veado”.

Durante a votação do conselho, que determinou a vitória de Roberto, torcedores distribuíram cravos diante da Sede Náutica da Lagoa, numa alusão à Revolução dos Cravos, quando o governo salazarista finalmente era derrubado em Portugal nos anos 70. Talvez só os vascaínos saibam do significado de ter sido Roberto Dinamite o homem que derrubou o muro. O primeiro craque de um time grande no mundo a assumir essa responça! Esse pioneirismo tinha que ser no Vasco. Meus parabéns ao MUV (o Movimento Unido Vascaíno) pela luta incansável, por não desistir jamais.

Ao Roberto, meu ídolo maior - e provavelmente o de todos os vascaínos que, como eu, já passaram a se virar nos 30 -, maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro, principal responsável por eu ter escolhido as cores do Vasco para torcer, chorar, sofrer, vibrar, perder a voz, desejo toda a sorte do mundo. E assim acredito que desejem todos os vascaínos de verdade, mesmo os que votaram contra a oposição. Durante muitos anos freqüentei quase todos os jogos do Vasco. Não só no caldeirão de São Januário ou no Mário Filho (o popular Maracanã), mas também em Ítalo Del Cima, Rua Bariri, Conselheiro Galvão, Três Rios, Mesquita, Cabo Frio, Ilha do Governador... Sempre pagando ingresso e ficando junto da torcida. E eu quero muito, muito mesmo, que meu filho faça o mesmo quando crescer.

Hoje, aqui em casa, o João é vascaíno por puro desejo meu. Não que eu não o tenha dado opções: coloquei as duas camisas do Vasco, a preta e a branca, em cima da cama e disse: “Escolhe”. Mas eu só vou me dar por satisfeito quando ele tiver consciência plena e absoluta do que é ser Vasco, do que representa aquela cruz-de-malta no peito, do quanto é bonita nossa história e o quanto é bom ser vascaíno. Nas vitórias e nas derrotas. E a eleição de Roberto Dinamite, nosso eterno camisa 10, é o recomeço desse sentimento.

Os conhecedores do futebol já ouviram a frase do folclórico Neném Prancha, que “pênalti é uma coisa tão importante que deveria ser cobrado pelo presidente do clube”. Pois é. Nunca essa frase fez tanto sentido quanto agora no Vasco. Ouviu, né, Edmundo? Se tiver pênalti, é só chamar o presidente que ele desce do gabinete, bota no fundo da rede e aí é só partir pro abraço.

Vamos todos cantar de coração: Dinamite neles!

Fonte: Blog de Bruno Mazzeo - Bloglog