Torcida

Blogueiro não considera bobagem discussão sobre lados de torcidas

Li e ouvi alguns colegas tratando o caso da colocação das torcidas no Maracanã como “bobagem”, “coisa sem importância”. Lamento informar a estes, com o devido respeito, que isso é coisa muito séria – prova disso é o clima de guerra que uma “facção” dita vascaína tenta criar para o jogo de domingo. Infelizmente, vivemos um tempo em que o “novo” é excludente com relação às tradições. Não basta que o novo chegue. É preciso destruir qualquer aspecto da cultura que tenha mais de seis meses de uso. O Maracanã têm 63 anos de existência. A tradição da posição das torcidas tem a mesma idade. Recorro a meu grande amigo Fábio Grijó, produtor nota mil do Sportv, que em seus alfarrábios encontra que a torcida vascaína teve a prorrogativa de escolher o lado onde “para sempre” ficaria devido ao fato de o clube ter sido campeão estadual em 1950. Assim, desde que o estádio existe, a torcida do Flamengo, a mais numerosa, ficaria do lado esquerdo das tribunas – vou pesquisar para saber porque coube essa prerrogativa aos rubro-negros. Tricolores ficavam à esquerda exceto nos Fla-Flus. Alvinegros à direita, exceto contra o Vasco.

Pessoalmente, não veria nenhum motivo para que se mudasse até isso no Maracanã. A impressão é que o consórcio que se apoderou de parte de nossa cultura… quero dizer, que pagou para mandar no estádio por 35 anos, quer extinguir com qualquer sombra de lembrança do passado. Mas, como estou longe de ser uma pessoa intransigente, acho que o presidente do Fluminense, Peter Siemsen, está coberto de razão ao não abrir mão de exercer aquilo pelo que pagou.

Do ponto de vista tricolor, ele poderá, sim, colocar no currículo que em sua gestão o Fluminense adquiriu o status de escolher onde sua torcida ficará no mais mítico estádio do planeta. Bobagem? Não acho, repito. É cultural. É como chamar, por aleatório exemplo, as tradições indígenas de bobagem. Depois de 63 anos, a torcida do Fluminense passa a ser “dona” do seu pedaço no Maracanã. Não precisará mais ser “desalojada” nos Fla-Flus. Ponto para Siemsen, dúvido que algum torcedor carioca imaginesse um dia que isso fosse possível. Até a justificativa logística calça a postura firme do Fluminense. Se os bandos “organizados” do clube vêm do Méier e os do Vasco de São Cristóvão, é mais fácil os primeiros entrarem pela Uerj e os segundos pelo Bellini, evitando qualquer cruzamento. Não há o que discutir.

Do ponto de vista do Vasco, o mais duro é ficar com a pulga atrás da orelha: porque o Fluminense escolheu esse lado, e não comprou a briga com a torcida do Flamengo? Ah, o Flamengo também assinou com o Maracanã. Ok, mas o Flu assinou primeiro, poderia ter incluído essa colocação de torcida no contrato, e aí a briga seria linda. Mas parece-me que não há muito jeito. Entendo a tentativa de Roberto Dinamite – até pelas centenas de golaços que ele festejou do lado direito do gramado com sua torcida. Acho que se o ex-presidente Eurico Miranda ainda militasse no esporte, a briga seria mais linda ainda. Mas dadas as condições atuais, é briga perdida. Resta ao Vasco, e longe de ser um consolo, o fato de ter para sempre São Januário, e de que a Nação Vascaína carregará o time seja de que lado for. E agora, com essa carta aberta com teor ameaçador, desafiando a ordem pública, cabe a Roberto e ao Vasco, como instituição, reprimir e sufocar essa “guerrilha” e vir a público, mostrando que não se curva a bandidos, conclamar os verdadeiros vascaínos a lotarem o lado esquerdo da arquibancada no domingo.

Para terminar, contesto firmemente a argumentação da Polícia Militar, de que não teria como garantir a segurança do público caso o Fluminense fique do lado direito. Primeiro: se o Maracanã é privado agora, o consórcio que cuide da segurança interna, e cuide bem. Do lado de fora, a polícia tem de garantir o que lhe for encomendado. Tem de ir preparada para reprimir com a força necessária a ação de bandidos que queiram passar por cima do estado de direito. Só faltava agora o Rio passar a mesma vergonha de Belo Horizonte com essa palhaçada de clássico de torcida única. Se for preciso, que se aumente o contingente. Que se mude a escala. E, em casos mais extremos, que se tire a segurança de casamentos de luxo e o desloque para o Maracanã.

Fonte: Blog Entre as Canetas - ge