Blogueiro defende: "Será mesmo um fracassado, o René Simões?"
A noite da quarta-feira foi muito triste para mim. René Simões deixou o Vasco. Ney Franco está pendurado no São Paulo. E, no meu time do coração, segue firme e forte no comando técnico um sujeito que diz que os torcedores que vaiam são paus mandados que não gostam de sexo.
Vivemos em um país em que o prefeito da segunda maior cidade dá um soco no rosto do cidadão no bar e nada acontece. Em qualquer lugar sério, era investigação, impeachment, debates, rebuliço. Aqui, passa em dois dias. Então é lógico que o tal coronel vai continuar na Lusa o quanto quiser. Mas não é disso que quero falar.
Tive o prazer de conhecer René Simões pessoalmente dois dias atrás. Fiquei uma hora e meia na sala com o cara, em entrevista para um outro projeto que estou tocando. Um conhecimento impressionante. A hora e meia passou como se fossem 5 minutos, intenso, profundo e produtivo que foi o papo. Falamos de futebol de base, gestão no esporte, o atraso em que vivemos no Brasil.
Temos uma cultura de analisar futebol, e quase tudo na vida, de forma pontual e imediatista. Como é avaliada a carreira de René Simões? Ganhou tal coisa, perdeu aqui, não parou em lugar nenhum. Poucos, muito poucos são os jornalistas que se preocupam em acompanhar e saber detalhes do trabalho dos profissionais do futebol. O torcedor, então, nem se fala. O futebol resume-se a analisar resultados.
Será mesmo um fracassado, o René Simões? Não sei se muitos presenciaram o que presenciei na sala dele anteontem. Uma conversa de 15 minutos com uma mãe que queria saber o que fazer com o futuro do filho. Aceitar uma bolsa de estudos para jogar bola sei lá aonde? Tentar a profissão de outra maneira? Quantas mães e filhos não procuraram a assessoria de um homem como René Simões? Se ele acertou nesses conselhos todos, é mais ou menos bem sucedido do que se tivesse conquistado um título aqui ou ali?
Vocês já pensaram, amigos, que antes do título ou da vitória desse ou daquele, o futebol é um esporte? E também uma atividade física, com a incrível capacidade de incluir pessoas que são naturalmente excluídas pela sociedade? Será que a CBF deveria se preocupar com o fomento do esporte ou os títulos da seleção brasileira? Os títulos representam o sucesso de formato falido e nocivo de gestão? Aceitar essa premissa nada mais é do que concordar com o preceito do rouba, mas faz. Que muita gente acha que está extirpado da nossa sociedade. E eu acho que estamos longe de fazê-lo.
René Simões saiu do São Paulo por politicagem. Por não conseguir que métodos e teorias de treinamento de base falassem mais alto do que desmandos de gente que tem muitos interesses. Possivelmente, foi saído do Vasco por algo parecido. Profissionais de verdade são assim: tentam fazer as coisas funcionarem da maneira como estudaram e acreditam, tentam mudar culturas falidas dos locais em que trabalham. Se os donos não deixarem, pegam o boné e vão embora. Não ficam no jogo tosco e sujo, não aguentam.
Nós todos conhecemos a gestão esportiva do Brasil. Se René Simões não parou em lugar algum, como dizem alguns críticos, eu pergunto: de quem vocês acham que é a culpa? Dele? Ou dos espetaculares e modernos gestores dos nossos diversos clubes?
Ney Franco será uma possível vítima de algo bastante parecido. Minha TL hoje ficou lotada no Twitter. Escala o Douglas, não ganha nada, não tem padrão tático, mexe mal, só deu vexame, técnico de time pequeno e sub-20″. Claro, se tivesse ganhado por 2 a 1 do Goiás, nada disso seria falado e o São Paulo seria líder. Como o futebol somente é analisado por resultados, Ney Franco ficará ameaçado a cada derrota.
Ney Franco, assim como Mano Menezes, Tite e alguns outros poucos, muito poucos, são de uma nova escola de treinadores e gestores do Brasil, que tentam estar mais atentos ao que está acontecendo no mundo. O torcedor ainda não percebeu, a crítica tampouco, mas o futebol é cada vez menos jogado com os pés, cada vez mais com a cabeça. Nas grandes empresas, os modelos de gestão já mudaram há muito tempo. No futebol, eles se mantêm iguais por um misto de ignorância, incompetência e, claro, intere$$e$.
O futebol de hoje em dia é método, é estudo, é teoria, é pensamento coletivo.
Acho que os profissionais de futebol têm certa responsabilidade em tanta abobrinha ser falada em microfones Brasil afora. Deveriam, na minha opinião, aproximar mais a mídia da realidade do trabalho que é feito fora das quatro linhas. Conversar, explicar, mostrar, dividir. Os profissionais do futebol desprezam 99% dos jornalistas. E eles têm razão em muitos casos, não nego. Mas não têm em muitos outros.
Comunicação mais intensa e de alto nível entre profissionais do futebol e da mídia fomentaria um debate melhor e menos raso nas nossas TVs, sites, jornais e rádios. Consequentemente, o torcedor teria mais informação e seria menos imediatista. E, acho eu, isso geraria menos pressão nos dirigentes e, por fim, nos próprios técnicos. Comunicação é a alma do negócio sempre. Os mundos estão muito separados entre si.
Os clubes precisam, de uma vez por todas, definir uma linha de trabalho. As grandes empresas mundiais têm, antes de tudo, uma MISSÃO. A partir dessa missão, saem objetivos concretos e linhas de ação. Essa missão NUNCA é ser líder do mercado, ganhar dinheiro, ser o melhor. É sempre algo mais amplo e filosófico. No futebol brasileiro, a missão única, seja da seleção brasileira ou de um clube, é GANHAR.
Isso está errado conceitualmente em qualquer modelo de gestão. Se a resposta à pergunta por que você existe? for sempre existo para ganhar, entramos nessa espiral negativa que está matando o nosso futebol. Tudo é feito em função disso, sem haver nenhuma filosofia, método de trabalho e mesmo ética. Ganhar é o fim de um trabalho bem feito, e não necessariamente ele será atingido.
Os clubes precisam de filosofia, de algo mais denso do que ganhar. E contratar profissionais de acordo. Se o São Paulo tem uma ideia definida e não está satisfeito com Ney Franco, quiser trocá-lo por outro treinador do mesmo perfil, é justo e aceitável. Mas o que os clubes fazem é trocar um técnico por outro completamente diferente, rompendo um ciclo que mal se iniciou, começando tudo do zero sempre, o tempo inteiro. Tira-se um porque perdeu. E troca-se por um que TALVEZ vá ganhar. O trabalho? A forma? O racional por atrás de contratações, parte física, fisiológica, etc? Que se dane tudo isso, troca-se tudo.
Aos imediatistas, eu digo que Ney Franco pegou um time morto e quebrado emocionalmente no Campeonato Brasileiro. Classificou para a Libertadores e foi campeão da Copa Sul-Americana. Perdeu quem era, disparado, seu melhor jogador. Na hora H da Libertadores, perdeu seu segundo melhor jogador. Enfrentando o melhor time do campeonato, sem seu terceiro melhor jogador, que se machucara dias antes, vencia e dominava quando: 1) perdeu o atacante reserva que jogava de titular; 2) viu o reserva do reserva perder 500 gols; 3) viu o zagueiro experiente fazer uma bobagem infantil. Culpa do técnico? Putz. Como deve ser fácil analisar futebol assim. Talvez por isso eu ache tão difícil.
No Paulistão, foi o time que mais fez pontos. E aí perdeu nos pênaltis nos pênaltis para o maior rival e que seria campeão do torneio. Ah, e perdeu vários jogadores do elenco em uma situação que, sinceramente, não me pareceu decisão exclusiva do treinador.
Vejam bem, não sou um resultadista. Estou apenas falando isso porque os resultadistas de plantão se esquecem até do que aconteceu cinco meses atrás. É semana a semana. É realmente bizarro.
Não vi São Paulo x Goiás e, talvez, Ney Franco tenha cometido grandes erros no jogo. Pode ser, por que não? Nem adianta me contar quais foram. Não é isso. Estou falando de forma conceitual sobre uma mudança de cultura que precisamos, PRECISAMOS, para analisar, respirar e consumir futebol. O torcedor não tem ido mais ao estádio para se divertir, ver jogos.
Como o próprio René me disse na segunda-feira, hoje em dia não existem os gritos de mais um, mais um. O torcedor de hoje em dia só quer que o jogo acabe, ele não quer ver mais um. O 1 a 0 está ótimo. A vitória é só o que importa.
Sou a favor de Ney Franco, assim como sou de René Simões, porque acredito que nosso futebol precise desse tipo de profissional. É uma questão de vida ou morte, sem querer dramatizar, mas já dramatizando. Precisamos de menos política e mais profissionalismo, menos tentativa e erro, mais teoria e método de formação de jogadores e treinadores. Mais conteúdo, enfim.
Quando nosso futebol estiver infestado de profissionais desse tipo, aí sim. Aí, René e Ney podem ser mandados embora. Porque terá sido por incompetência e haverá outro ótimo profissional entrando no lugar. Por enquanto, gente como esses caras precisa ser preservada. Isso significa a preservação do próprio futebol em nosso país.