Blogueiro dá sugestões ao Consórcio Maracanã
Olá, Seu Consórcio, tudo bem?
Como o senhor é novo por aqui e eu vou ao Maracanã há dezenas de anos e há centenas de jogos, resolvi escrever um punhado de coisas para vossa reflexão.
Antes das cadeirinhas coloridas e retrátreis, já fiquei em pé na Geral, sentei no cimento, na cadeira azul de metal, na verde de plástico, na branca, amarela, tribuna de imprensa, perpétua
até camarotes! O único lugar onde jamais pus o bumbum no Maracanã foi a Tribuna de Honra. E acho isso uma honra. Pois lembro-me de, bem menino, ver o ex-ditador Médici freqüentando estes polêmicos estofados vermelhos. Quanto mais longe melhor.
Pois, então, Seu Consórcio. Fui ao jogo que reabriu o estádio, Brasil x Inglaterra, e mais 3 partidas da Copa das Confederações. O tal padrão FIFA funcionou bem, apesar dos preços. Mas faltava a festa dos clubes, verdadeiros donos do Mário Filho.
E lá fui eu neste domingo ver Fluminense x Vasco. Comprei ingresso pela Internet, com a intenção de circular o máximo possível pelo estádio. A tarefa foi fácil. Depois da revista inicial e da catraca eletrônica, ninguém fiscaliza mais nada. Aliás, foi criada uma nova função no Maracanã. O Fiscal de Nada.
O Fiscal de Nada veste um colete lindo. Tem cara de mau. Só que não fiscaliza nada. Num dos setores por onde fui passear, ouvi o seguinte diálogo surreal entre um crédulo torcedor e um Fiscal de Nada.
- Onde é o meu lugar, por favor? perguntou o senhor, às 18h15.
- Não tem lugar marcado respondeu o fiscal.
- Como não? Está marcado aqui. E disseram-me, quando comprei que era marcado.
- Amigo, o senhor chega 15 minutos antes e ainda quer sentar?
- Mas era lugar marcado insiste o primitivo consumidor.
- Humpf
Se fosse na Europa ou na Copa, tudo bem. Mas esse negócio de lugar marcado no Brasil é impossível disse o fiscal.
O senhor resignou-se e achou um lugarzinho para sentar.
A bola rolou e velhos freqüentadores do Maracanã fizeram o que adoravam fazer antes da reforma. Sentar nos corredores de acesso, ou ficar em pé na boca do túnel, atrapalhando a visão e a movimentação dos torcedores.
Em alguns setores, fiscais impediam com educação uma prática tão mal-educada. E que não tem nada a ver com Maraca é nosso, saudades do meu Maraca ou elitização do futebol. Simplesmente é inseguro sentar nos corredores de acesso. Em outros setores, porém, a zona imperava. E os Fiscais de Nada sentavam. Para ver o jogo, claro.
Para tudo! Antes do jogo começar fomos apresentados à nova voz oficial do Maracanã.
Não foi bem não a nova voz.
O timbre é bonito e agradável, mas o conteúdo.
A nova voz cismou de chamar jogo de futebol de evento. A nova voz se superou ao ler a escalação do Fluminense em ordem numérica. Bruno, Gum
e Diego Cavalieri virou volante por um dia. Ele é o número 12.
Dorival Júnior virou o diretor técnico do Vasco.
E o diretor técnico do Fluminense virou
.
Abel Carlos da Silva Braga!
Que chique? Ou que engraçado? A torcida riu.
A torcida riu e se divertiu também com os bumbos, chocalhos e pandeiros. Vascaínos e tricolores aproveitaram a acústica maravilhosa do estádio e fizeram uma batalha sonora espetacular e emocionante.
Ambulantes andavam para lá e para cá durante o jogo. Apesar de atrapalharem eventualmente a visão, matavam a fome e a sede do povo com cachorro quente a R$ 6 e refrigerante a R$ 5. Nada extorsivo.
Lá fora teve cambista e flanelinha.
Mas teve estacionamento da UERJ. Era caro, R$ 15, mas muito conveniente contra a verdade única de que só se vai de metrô para o Maracanã.
E o cigarro?
Muita gente fumou sem ser molestada. E um certo cheirinho doce e suspeito, típico do Posto 9, foi sentido, apesar da presença da policia e de seguranças espalhados.
Aí veio o intervalo.
Meu Deus, o intervalo!
Seu Consórcio, pelo amor de Deus. Avisa aos mauricinhos das reuniões que o público de futebol não precisa de diversão artificial nos 15 minutos entre o primeiro e o segundo tempo. Seu Consórcio, futebol não é vôlei de praia e nem precisa de DJ. O intervalo é para conversar com os amigos, mandar mensagem para a namorada, o namorado, xingar o zagueiro, discutir tática, reinventar a roda, conhecer novos amigos. O intervalo é sábio. Não estrague o intervalo, Seu Consórcio.
Telão com imagens lisérgicas e luzes estroboscópias é muita viagem.
Sabe para quem foi a primeira vaia do novo Maracanã? Para Naldo. E depois para Anitta. E depois para um funk horroroso. Os 3, no volume máximo, torrando a paciência das duas torcidas.
No mais, Seu Consórcio, foi tudo lindo. Melhor seria se os telões, por exemplo, mostrassem lances antigos de Fluminense e Vasco, por exemplo. Ou se os fiscais aproveitassem o início de uma nova era para organizar o que deve ser organizado, como, por exemplo, o básico do básico: o lugar marcado. Para isso, a venda precisa ser inteligente, como em todo pais razoavelmente civilizado, onde a pessoa compra e escolhe o lugar onde vai. Será tão difícil? Nossa informática é mais burra que a dos outros?
O saldo é positivo.
Foi um belo espetáculo, uma baita partida. Pena que as cadeiras centrais, caríssimas, estavam às moscas.
Parabéns aos vascaínos que foram bater palmas para Juninho e Cia. E se recusaram a compactuar com a ideia esdrúxula do boicote por causa do lado das torcidas. Foi muito melhor carimbar o bolo de aniversário tricolor com um 3 x 1 incontestável.
E a frase-símbolo desta retomada, que continua domingo que vem com um imperdível Flamengo x Botafogo, é a de um vascaíno que, ao ver o time entrar em campo, olhou ao redor, respirou fundo, ficou arrepiado e soltou uma simples e potente frase cheia de reticências:
- Que saudade
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