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Bets dominam os espaços nas camisas dos clubes do Brasileirão

Todos os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro 2025 são patrocinados por bets, sendo que 90% deles com as empresas de apostas esportivas na posição de patrocinador master, em destaque no centro do uniforme.

 

Apenas Mirassol e Bragantino não estampam no centro da camisa alguma empresa do setor, mas eles estão ligados a 7K e Betfast, respectivamente.

Quatro bets têm contrato de patrocínio master com dois clubes cada. A Alfa trabalha com os rivais Grêmio e Internacional, a Betfair é estampada por Cruzeiro e Vasco, a Esportes da Sorte está no Ceará e no Corinthians, e a Superbet aparece nas camisas de Fluminense e São Paulo.

Foto: Infografia ge

Já consolidados em outros mercados com alta regulamentação, os conglomerados estrangeiros de casas de apostas ainda são os principais patrocinadores do futebol brasileiro.

— Até pouco tempo atrás, somente o setor público, bancos e empresas públicas, demonstrava interesse, que tinha viés muito mais institucional do que comercial em patrocinar o esporte. E agora ressurge um segmento privado, o setor de apostas, mostrando muito interesse em fazer esse tipo de aporte — explicou José Francisco Manssur, sócio do escritório CSMV Advogados. Ele atuou em 2023 como assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, e colaborou para a elaboração das regras para o setor de apostas no Brasil.

— Estudos conduzidos por consultorias especializadas atestam que o Brasil já ocupa a posição de terceiro maior mercado global de apostas esportivas. Em termos de maturidade e tamanho de mercado, países europeus ainda lideram, embora o Brasil esteja em rápida expansão. A tendência é de um avanço expressivo nos próximos anos, seguido da institucionalização de normas mais rígidas e do fortalecimento das políticas de jogo responsável — comentou Leonardo Henrique Roscoe Bessa, sócio do Betlaw, escritório dedicado ao mercado de apostas.

Os valores no mercado brasileiro variam em dezenas de milhões de reais, a depender do time. Na hora de decidir quem patrocinar, as casas de apostas levam em consideração a credibilidade do clube, tamanho de torcida, região do país, potencial nacional, entre outros fatores.

O Flamengo é o que recebe a maior quantia: R$ 115 milhões por ano, da PixBet. Vale mencionar que vários clubes quebraram recorde de patrocínio master com acordos recentes. Casos do Atlético-MG, que estampa a H2bet (mínimo de R$ 60 milhões anuais), e do Botafogo com a Vbet (R$ 55 milhões), por exemplo.

— Essa presença pode ser positiva desde que acompanhada sempre de conscientização e responsabilidade. Os clubes passaram a ser um dos transmissores da mensagem do jogo, é importante que também sejam transmissores de mensagens de conscientização, sem criar pânico ou terrorismo sobre a atividade. A proximidade da torcida com o clube pode ser uma forma de aproximar o apostador das campanhas de conscientização — comentou o psicólogo Rafael Ávila, fundador da Associação de Proteção e Apoio ao Jogador, e que atende pacientes com dependência em jogos de azar e apostas esportivas.

— Se bem construído (o patrocínio), pode representar ganhos exponenciais e de imagem que corroboram com o investimento. A consolidação da marca depende desta construção e tem diferentes aspectos, dependendo das regiões e interesses culturais, sociais e puramente de paixão. É o alcance "intangível" do investimento — disse Sofia Aldin, diretora de marketing da Esportes da Sorte.

O ge também fez um levantamento de patrocínios de bets para os 96 clubes das primeiras divisões de Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália, com base em dados da empresa GlobalData. Confira abaixo.

Premier League: bets em todos os clubes

Há muita diferença na presença das empresas de apostas esportivas entre as principais ligas de futebol da Europa (Bundesliga da Alemanha, La Liga da Espanha, Ligue 1 da França, Premier League da Inglaterra e Serie A da Itália). Cada país tem a sua regulamentação para esse mercado: umas mais fechadas, outras mais abertas para patrocínios.

Patrocínios master nas 20 principais ligas da Europa

Indústria

Percentual do total

Apostas e jogos de azar 15%
Varejo 12%
Serviços Profissionais 12%
Companhias Aéreas e Automóveis 10%
Serviços Financeiros 10%
Alimentação e Bebida 10%
Construção e Imobiliárias 8%
Bens Industriais 7%
Telecomunicações 6%
Energia 5%
Turismo 4%
Caridade 1%
Farmacêutica 1%

Fonte: UEFA

11 dos 20 integrantes do Campeonato Inglês — a liga mais rica do mundo, com faturamento acima de R$ 46,5 bilhões anuais — têm como principal patrocinador uma bet, com destaque no uniforme. Esse percentual de 55% na posição de master é o maior desde 2019/20. Todos os clubes da Premier League possuem alguma parceria com casa de apostas.

O maior patrocínio master anual de bet na liga é do Aston Villa: a Kaizen Gaming paga mais de 20 milhões de libras (R$ 148,2 milhões) para ter a marca Betano no centro do uniforme. Mas o contrato mais robusto em vigor é o da Betway com o West Ham: 75 milhões de libras (R$ 547,6 milhões), entre 2019 e 2025, segundo dados da GlobalData.

O Crystal Palace é parceiro da GAMSTOP e da GambleAware, iniciativas contra o vício em jogos de azar, mas ao mesmo tempo é criticado por exibir a firma vietnamita Net88, que não tem site registrado no Reino Unido — conseguiu licenciamento através de empresa de fachada. Assim, a Net88 alcança o mercado asiático, dada a visibilidade global da liga inglesa, e atinge países onde a propaganda de apostas é ilegal.

Os clubes da Premier League decidiram retirar patrocínios de bets da frente das camisas a partir da temporada 2026/27. Porém, as marcas das casas de apostas, que historicamente têm papel importante no futebol inglês, poderão aparecer nas mangas, painéis e placas publicitárias.

Alemanha, França e Itália: poucos masters

Na Bundesliga, apenas o Wolfsburg não possui qualquer tipo de patrocínio com uma casa de apostas. Todos os outros contam com alguma parceira desse setor, sendo que o Stuttgart é o único com uma empresa da área como patrocinadora master, a Winamax.

O Holstein Kiel exibe a Lotto Schleswig-Holstein na manga da camisa. Aliás, são vários os clubes do Campeonato Alemão que têm ligação com loterias regionais. O mercado de apostas online foi regulamentado na Alemanha em 2021. Só podem patrocinar o futebol por lá as empresas que receberem licença e estiverem em conformidade com os requisitos especiais para a prevenção de manipulação e proteção de pessoas.

Dos 20 clubes do Campeonato Italiano, 17 possuem contrato em vigor com alguma companhia do setor de apostas, segundo os dados da GlobalData. As exceções são Roma, Monza e Venezia. Líder da Serie A, a Inter de Milão é a única com uma empresa do tipo como patrocinadora master. A Betsson, da Suécia, paga mais de 32 milhões de dólares (R$ 184,5 milhões) por ano por esse espaço.

Esse cenário pode mudar em breve porque o Senado da Itália avalia rever um decreto de 2018, que entrou em vigor em julho de 2019 e vetou o patrocínio das bets aos clubes no mercado nacional. Eles ainda podem fechar parcerias com essas casas, mas sem fazer publicidade no país.

A Internazionale exibe a marca sueca porque a parceria é com a Betsson Sport, uma submarca da casa de apostas, e que se autointitular um site de "entretenimento esportivo". Tecnicamente, não viola as regras.

Os clubes do Campeonato Francês podem fechar parcerias com casas de apostas esportivas nas camisas, mangas e shorts, além das placas nos estádios. Atualmente são 12 dos 18 nessa situação, sendo que dois deles, o Le Havre e o Strasbourg, contam com patrocínio master da Winamax. Porém, o Strasbourg não exibe a bet no centro do uniforme de mandante.

Legislação na Espanha restringe bets

A La Liga de Barcelona e Real Madrid não vê marcas de casas de apostas nos uniformes dos times, seja na posição de patrocínio master ou mangas, costas etc. A Espanha possui uma legislação rígida, em vigor desde 2020 (chamada de Lei Garzón), para esse setor.

Os clubes foram proibidos de firmar contratos de publicidade nos uniformes, no nome dos estádios e nas competições. Isso explica nenhum ter uma casa de apostas como patrocinador master.

Além dos dois gigantes, outros sete clubes têm parcerias com bets: Atlético de Madrid, Girona, Celta de Vigo, Betis, Mallorca, Sevilla e Las Palmas. O Real Madrid é o "campeão" em patrocínios do tipo, com cinco no total. Empresas não só voltadas para o mercado da Espanha, mas da China, e da África. A SportyBet, por exemplo, cobre Nigéria, Gana, Quênia, Zâmbia, Tanzânia e Uganda.

O Real recebe cerca de 6,85 milhões de dólares (R$ 39,5 milhões) no total das parcerias com bets. Parece pouco, mas vale lembrar das restrições de propaganda no uniforme e nos estádios, e que o clube espanhol ganha 70 milhões de euros — R$ 423,9 milhões — por temporada da Emirates, sua patrocinadora master.

Brasil: mercado ainda em desenvolvimento

A presença das bets em 90% dos espaços para patrocínio master nas camisas dos times do Campeonato Brasileiro mostra a força desse setor no país hoje.

Especialistas consultados pelo ge ressaltam que o mercado brasileiro de apostas esportivas ainda está em desenvolvimento, com uma regulamentação recente e ainda a ser aprimorada, e que o momento é de crescimento. A injeção de dinheiro das bets no futebol provocou inflação dos valores de patrocínios, transferências e salários.

Existe a preocupação com as consequências de todo esse dinheiro hoje em movimento no futebol brasileiro sair de repente, com eventuais mudanças nas regras para a publicidade das bets, e os clubes não estarem preparados para se sustentarem financeiramente a médio prazo.

Por outro lado, o Brasil ainda está distante, na comparação com essas ligas top 5 da Europa, de ter processos que garantam a integridade dos campeonatos e evitem conflitos de interesses, diante da presença maciça de empresas de apostas esportivas no futebol.

— O mais importante para nós mitigarmos riscos de conflitos é a implementação robusta de planos de integridade. É preservar a credibilidade das competições, do futebol. Você tem atletas, treinadores, dirigentes e outras pessoas indiretamente envolvidas. O maior desafio é um plano de integridade, com treinamento, quem pode ou não participar. Essa é a maior lacuna entre o Brasil e essas ligas — comentou Pedro Daniel, diretor executivo da empresa de consultoria Ernst &Young (EY).

— Atletas são pessoas com maior propensão de desenvolvimento de Transtorno do Jogo, até por conta da sua personalidade competitiva. Então realizar palestras e workshops com as categorias de base é uma forma de começar a educar a nova geração sobre as apostas e seus riscos, não só na questão da integridade esportiva mas também da saúde mental. Realizar campanhas de conscientização, materiais em redes sociais, ou até campanhas em campo que alertem sobre o risco de dependência e como buscar ajuda — comentou o psicólogo Rafael Ávila.

O Ministério da Fazenda disponibiliza uma lista com as empresas autorizadas a oferecer o serviço de apostas. Elas passaram pelo processo de regularização. Isso dá maior segurança aos clubes, mas eles também devem fazer por si próprios a checagem dos potenciais patrocinadores.

— Após a regulação ficou muito mais fácil e seguro. Tínhamos em torno de três mil sites e aplicativos de apostas sendo oferecidos ao consumidor brasileiro, e com a regulação, esses sites de aposta tiveram que apresentar uma vasta documentação sobre integridade e compliance ao Ministério da Fazenda. E somente esses sites e bets autorizados podem fazer publicidade no Brasil — explicou José Francisco Manssur, sócio do escritório CSMV Advogados.

A legislação brasileira não tem restrições ao patrocínio esportivo para as casas de apostas, mas isso só pode ser feito por empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda. O Projeto de Lei 3.563/2024, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), trata da proibição de publicidade, patrocínio e promoção de apostas de quota fixa e jogos online. O PL está em fase de tramitação no Senado.

Em estudo divulgado pelo site Sportingpedia, o Campeonato Brasileiro é a sexta liga nacional de futebol mais valiosa do mundo: 1,63 bilhão de euros, ou mais de R$ 9,81 bilhões. O Brasileirão ficou atrás da Premier League, La Liga, Serie A da Itália, Bundesliga e Ligue 1. Nas duas últimas edições da Série A, os 20 clubes superaram a média por jogo de 25 mil pagantes nos estádios.

Fonte: ge