Base: Podcast mostra como Vasco e outros clubes abordam masculinidade
O episódio 53 do podcast Rodada Tripla, comandado por Amanda Kestelman, Ana Thais Matos e Bárbara Coelho, levantou um debate: você sabe o que é a masculinidade e como ela impacta o futebol brasileiro? As “regras” de comportamento impostas ao homens, em um contexto social, criam um estereótipo muito conhecido no esporte: o "macho alfa", viril, que não chora.
Para debater o tema, o trio recebeu Gustavo Andrada Bandeira, doutor em educação e autor de estudos sobre masculinidade no futebol. A construção do que é "ser homem" num contexto social (incluindo o esporte), na opinião de Gustavo, não é muito animadora.
- O que fazemos da nossa vida não tem a ver com nascimento, com genitália. Resolvi investigar, então, como é que nos fazemos homens num contexto social. Lamento que o que vi não é das coisas mais agradáveis: é brigando, enfrentando, provocando, não aceitando desaforo - disse o pesquisador.
Jornalista do Estadão e autor do livro “BICHA! - Homofobia estrutural no futebol”, João Abel lembra que o futebol é sempre posto na “caixinha” social destinada ao sexo masculino. Para o imaginário cultural, há um efeito claro: prevalece a ideia de que o esporte é dos homens masculinizados, o que afeta mulheres, negros e até torcedores LGBT.
- Tudo isso cria um caldo cultural para que o futebol seja um esporte muito masculino, masculinizante e viril. É diferente do estereótipo que se cria, infelizmente, do homem LGBT efeminado. Sabemos que não existe um padrão, mas são estereótipos que se chocam: o boleiro e o homem LGBT. A partir desse choque, se cria um contexto de muita homofobia, ofensas - analisa João.
A base dos clubes assume, então, um papel cada vez maior na formação de jogadores e cidadãos livres de preconceitos. As iniciativas de desenvolvimento psicossocial e pedagógico são previstas na lei 12.935/11, que ampliou a redação do artigo 29 da lei 9.615/98 - esta, popularmente conhecida como Lei Pelé.
A partir da redação do artigo 29, surgem os critérios para emissão do Certificado de Clube Formador (CCF) pela CBF, em 2012. É o que explica a advogada Flávia Zanini, mestre e doutoranda em Direito Desportivo pela PUC-SP.
- (Os clubes devem) fornecer programa de treinos, alojamento e instalações adequados, assistência - educacional, psicológica, médica, odontológica -, assim como alimentação, transporte e convivência familiar. A CBF delegou às federações o poder de emitir um pré-parecer conclusivo sobre os requisitos legais dos clubes. A federação verifica se os clubes estão suprindo esses critérios legais - afirma.
Como a masculinidade é pautada nos clubes?
Dentre os 20 clubes da elite do Brasileirão, o termo “masculinidade tóxica” é citado especificamente como pilar do trabalho psicossocial de apenas dois clubes: Bahia e RB Bragantino.
No geral, a maioria das equipes não tem uma ação voltada ao conceito particular de masculinidade. Mas o panorama é favorável ao debate: temas como violência, cidadania e questões sociais são abordados, em palestras e aulas obrigatórias, pela maioria absoluta dos clubes na Série A do Brasileirão. Confira abaixo:
- Athletico-PR: É o único clube da elite que, até o fechamento desta matéria, não respondeu à reportagem.
- Atlético-GO: Tem acompanhamento psicológico nas categorias sub-15, sub-17 e sub-20. Ainda não faz nenhum trabalho específico voltado à masculinidade ou questões similares.
- Atlético-MG: Clube desenvolve o projeto Atleta Cidadão, que visa formar jogadores nas esferas social e esportiva. Acompanhamento começa na categoria sub-14. Não há foco específico na masculinidade, mas trata do comportamento social como um todo.
- Bahia: O acompanhamento psicológico (que não é apenas clínico) e pedagógico começa a partir da categoria sub-14; o pedagógico vai até a categoria sub-20. O Bahia trabalha a masculinidade dos atletas no programa “3º Tempo”, analisando seus desdobramentos, impactos no campo, masculinidade tóxica etc. A iniciativa traz especialistas de fora e profissionais do clube para dialogar também sobre outras temáticas da sociedade, como racismo, homofobia, questões de gênero, futebol feminino e outros.
- Botafogo: Clube tem metodologia de trabalho a partir do sub-11. Dispõe de programas como a “REDE”: apoio à formação integral do atleta, que busca integrar a equipe multidisciplinar de profissionais da base aos familiares com ações de conscientização temáticas, sempre adaptadas de acordo com as idades e a etapa de desenvolvimento de cada categoria. Os temas debatidos vão de educação sexual e financeira até limites legais, questões sociais e autocuidado. Tópicos previstos para a "Semana da saúde" de 2020 são sexualidade, consentimento e a diferença entre sexo e violência.
- Ceará: Faz acompanhamento psicossocial e educacional de todos os atletas em formação, com psicóloga, assistente social e um pedagogo. O Ceará aborda não só a masculinidade, mas também questões como DSTs, uso de drogas, convívio familiar, entre outros. Trabalho "bem bacana", nas palavras da assistente social do Ceará, se estende ao futsal, futebol feminino e futebol masculino profissional.
- Corinthians: Tem o Núcleo Educacional-Social-Psicológico (NESP), comandado por uma psicóloga, uma assistente social e uma orientadora educacional. Atua da categoria sub-10 até o sub-17, com trabalhos pontuais no sub-20. Estrutura visa desenvolver habilidades educacionais, sociais, emocionais e potencialidades físicas, cognitivas, afetivas e valores humanos. Família tem "papel fundamental". Pensamento crítico é estimulado com ações sobre questões sociais, abuso sexual, dependência química, legislação e arbitragem, entre outros.
- Coritiba: Trabalha com uma equipe multidisciplinar, composta por pedagogo, psicóloga e assistente social, a partir da categoria sub-11. Outros profissionais administram um programa de educação continuada com os atletas da formação. Não há um foco específico na masculinidade, mas o programa trabalha temas ligados a gênero e comportamento, entre outros.
- Flamengo: Tem um programa de acompanhamento psicossocial na base e atua com relação a diversos tópicos. Semanalmente, para todas as categorias, o clube promove palestras/aulas obrigatórias. Alguns dos temas abordados são suicídio, drogas, álcool, sexualidade, violência doméstica e feminicídio.
- Fluminense: Xerém tem um departamento psicossocial bem estabelecido, que acompanha a família e os jogadores desde o Sub-10 até o Sub-20. Não há ações diretas para masculinidade, mas o assunto é abordado indiretamente ao longo do acompanhamento. Lema da base é “faça uma melhor pessoa e terá um melhor jogador”.
- Fortaleza: Fornece acompanhamento aos atletas da base com uma psicóloga e uma assistente social. Não há trabalho específico voltado à masculinidade e questões sociais, mas clube “achou uma ótima ideia” e deve investir no futuro.
- Goiás: Não há ações específicas sobre masculinidade. Clube atua com uma equipe multidisciplinar que inclui pedagoga, professora de línguas, psicóloga e assistente social para o trabalho com os atletas. Primeira categoria contemplada por esse apoio é a sub-15.
- Grêmio: A psicóloga da base atende da categoria sub-14 à sub-20, quando os atletas são encaminhados à psicóloga da equipe profissional. Clube cita o Masia 360º, do Barcelona, como exemplo. Num âmbito social, o Grêmio tem o movimento "Clube de Todos", que visa trabalhar questões relacionadas ao racismo. Há ações voltadas para a "adaptação à nova cultura" e os valores do clube. A última atividade realizada com os atletas foi sobre a Lei Maria da Penha.
- Internacional: Trabalha o lado psicológico e educacional dos atletas a partir da categoria sub-9, sempre com autorização dos responsáveis. Se baseia em cinco pilares: autoconhecimento, autocontrole, empatia, decisões responsáveis e comportamentos prossociais. É neste tópico que entram temas como masculinidade, machismo, racismo e sexualidade. O Internacional também busca desenvolver habilidades de escuta ativa, cooperação, comunicação eficaz e resolução construtiva de conflitos.
- Palmeiras: Utiliza de abordagens semelhantes ao Masia 360°, do Barcelona. O clube tem palestras socioeducativas e trabalha com atletas de todas as categorias, tendo a inclusão dos pais em algumas delas (categorias menores). Os temas são variados: álcool e drogas, sexualidade, DSTs, abusos no esporte, etc. Não há algo específico sobre masculinidade, mas há uma orientação com temas bastante semelhantes e importantes para o convívio em sociedade.
- RB Bragantino: Há dois eixos de trabalho: o educativo e a socialização. No eixo educativo, o clube desenvolve “conteúdos geradores de conhecimento e conscientização”, abordando temáticas como cidadania, política, desigualdades sociais, educação sexual e educação financeira. A masculinidade tóxica é abordada com auxílio de Fábio Manzolli (Masculinidade Saudável). No eixo da socialização, o foco são ações geradoras de sociabilidade, coletividade, vínculos afetivos e outros.
- São Paulo: Não há uma ação específica voltada à masculinidade. Clube fornece acompanhamento psicológico geral, incluindo debates sobre temas sociais, a partir da categoria sub-14.
- Santos: Tem um psicólogo, um assistente social e uma profissional destinada a cuidar da escolaridade dos jovens atletas. Ao longo do ano, o trio organiza palestras e orientações sobre diversos temas. Todos atuam desde o sub-11 até o sub-23 e, se preciso, com o profissional.
- Sport: Clube atua com um psicólogo e uma assistente social. Dupla é responsável por organizar palestras e atividades voltadas a questões sociais. Acompanhamento começa na categoria sub-13.
- Vasco: Tem acompanhamento psicológico e educacional em todas as categorias da base. Trabalho em conjunto, feito pelo clube junto ao Colégio Vasco da Gama.
Fonte: geMais lidas
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