Futebol

Atacante do Vasco nos anos 70, Ramon vira personagem de livro sobre futebol

O ano era 1977, quando Ramon desembarcou no Vasco para formar dupla com Roberto Dinamite. O clube de São Januário reunia assim dos dois principais atacantes em atividade no país: o ídolo, principal goleador no Brasileiro de 1974, com 16 marcados, e o revelado pelo Santa Cruz, artilheiro da competição um ano antes, em 1973, com 21 gols na conta.

O começo do jogador no futebol foi anterior ao ingresso nas categorias de base do Santa. Ramon, nascido em Sirinhaém, no litoral sul de Pernambuco, era atleta do time da usina de açúcar da cidade até ser convidado para reforçar os juvenis do clube de Recife. Trabalhava e jogava, em um tempo em que a ideia de se tornar profissional de futebol era incerta como o resultado da moeda no cara e coroa antes de a bola rolar.

A trajetória de Ramon é objeto de estudo de um dos nove artigos que compõem o livro “Futebol e Mundos do Trabalho no Brasil”, organizado pelos historiadores Bernardo Buarque de Hollanda e Paulo Fontes. Publicado pela EdUERJ, ele traça um panorama da evolução do futebol no país e suas relações com o mundo do trabalho, dinâmicas, espaços e personagens — os operários-jogadores.

O livro mostra como a popularização do esporte no país, no começo do século XX, se beneficiou da criação dos times de fábrica nas duas principais cidades, Rio e São Paulo, que viviam rápida expansão industrial na época, especialmente a capital paulista.

Uma maneira encontrada pelos patrões para “disciplinar” seus funcionários, o futebol foi rapidamente reapropriado por eles, pulou os muros das fábricas e ganhou espaço nas várzeas e nos subúrbios.

— A disciplinação de fato aconteceu, mas esse intuito também foi subvertido. Os funcionários de uma mesma fábrica criaram seus clubes. Em alguns casos de fábricas que usaram o futebol, o esporte cresceu a ponto de suplantar a fábrica — explica Paulo Fontes, professor de História da UFRJ, onde coordena o Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho.


Do amadorismo à seleção

O Bangu, fundado a partir do time da fábrica Bangu, de tecidos, é um exemplo. Outros não cresceram tanto, mas se mantiveram relevantes dentro de suas comunidades. Torneios amadores entre times de diferentes fábricas eram comuns na primeira metade do século XX, com funcionários sendo contratados mais por suas qualidades com a bola do que por aptidão para o trabalho. Esses gozavam de privilégios tidos como legítimos até pelos funcionários que não faziam parte dos times.

Um dos artigos conta com depoimentos de ex-jogadores campeões do mundo com a seleção brasileira e faz um perfil da origem social desses jogadores: filhos das classes mais baixas, que encontraram no futebol a ascensão social. Entretanto, diferentemente de hoje, eles não encaravam a bola como um projeto profissional. Havia ainda preconceito e incredulidade quanto às chances do esporte propiciar uma vida melhor. Por isso era tão comum esses jogadores em potencial estarem a serviço de equipes organizadas ou até mesmo bancadas por seus empregadores.

Foi o caso de Ramon, um dos maiores ídolos do Santa Cruz, funcionário da usina de açúcar em Sirinhaém, e também de Garrincha. Ele foi jogador do Esporte Clube Pau Grande na adolescência. Conciliava o esporte com o trabalho na América Fabril, cujos funcionários foram responsáveis pela fundação do clube.

Publicado inicialmente em inglês, ainda em 2014, aproveitando do grande interesse internacional sobre o Brasil na época, o livro, para a edição em português, foi atualizado e ganhou novos artigos.

Um deles fala sobre as dificuldades vividas pelo futebol feminino no país, desde o início, submetido a ideias sexistas, como a de que a fisiologia da mulher seria inadequada para a prática, passando pela clandestinidade oficial, entre 1941 e 1979.

 

Foto: Eurico Dantas/Agência O GloboRamon corre para comemorar o gol marcado, seguido por Roberto Dinamite, na vitória sobre o Americano
Ramon corre para comemorar o gol marcado, seguido por Roberto Dinamite, na vitória sobre o Americano

Fonte: - O Globo Online