As razões que levaram ao ajuizamento da ADPF no STF
Desde o dia 07.01.2021 o site do STF registra o andamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 780[1], proposta pelo Partido Solidariedade, na qual se requer, em apertada síntese, a declaração de que o Presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama seja o candidato eleito no escrutínio realizado em 07.11.2020.
O Partido dos Trabalhadores ingressou na qualidade de amicus curiae, mas desistiu de ser amigo da corte menos de 12 horas após o protocolo do pedido.
Inicialmente é de se registrar que a utilização indistinta de ADPFs tem provocado várias críticas, devendo ser lembrado que tramita no STF a ADIn 2.231, proposta pelo Conselho Federal da OAB, na qual se afirma que a Lei nº. 9882/1999 ampliou a hipótese constitucionalmente prevista no art. 102 da CF e que afronta os princípios do devido processo legal, do juiz natural, da divisão de poderes, da legalidade e do Estado democrático de direito.
Há menos de um mês o Procurador Geral da República havia proposto “novas balizas”[2] para o enquadramento da ADPF por se tratar de um instrumento muito abrangente e que precisa de balizas razoáveis para o seu uso devido e racional.
Atualmente, são partes legítimas para propor ADPF o: 1) o Presidente da República; 2) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputados; d) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o Procurador-Geral da República; g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; h) partido político com representação no Congresso Nacional; i) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
O conceito de “preceito fundamental” é amplo e o STF já reconheceu como tal[3]: a dignidade humana, a legalidade e autonomia da vontade e o direito à saúde (STF ADPF-QO 54) e a legalidade administrativa, a moralidade administrativa, o federalismo e a separação de poderes (STF ADPF-MC 79); a vedação de vincular o salário mínimo como base de reajustes (STF ADPF-MC 95); a vedação de transferência de recursos para pagamento de despesas de pessoal pelos entes federados, a eficiência pública e a repartição dos tributos entre os entes federados (STF ADPF-MC 114); a não obrigatoriedade de permanecer ou ingressar em associações (STF ADPF 126); a democracia, a liberdade de expressão, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, a liberdade do exercício do trabalho e o direito de acesso à informação e resguardo da fonte (STF ADPF-MC 130).
No caso em análise, restou afirmado que no processo eleitoral do Vasco foram descumpridos preceitos fundamentais insculpidos no art. 5º XVII e XVIII, art. 16 e art. 217 da Constituição Federal, bem como deixaram de ser observados o princípio de vedação ao retrocesso social e da segurança jurídica.
De acordo com os fatos narrados na petição inicial, em agosto de 2020 o Vasco alterou o seu Estatuto Social para assegurar eleições diretas. No mesmo mês foi instalada a Junta Deliberativa que definiu a data das eleições para 07.11.2020.
Às vésperas de exarar o edital de convocação, a ser publicado em jornais de grande circulação, o Presidente da Assembleia Geral decidiu que as eleições transcorreriam no modo virtual. Diante da ausência de consenso entre os candidatos, a questão foi judicializada, com reivindicação para que as eleições ocorressem em 14.11.2020, o que foi deferido em sede de antecipação de tutela.
Com efeito, em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, restou estabelecido que seria possível a realização de eleições pelo método telepresencial. A uma porque o estatuto do clube não vedava esta possibilidade e a duas porque a Lei nº. 14.073/2020[4] alterou a Lei Pelé para permitir eleições desta forma. Além disso, o princípio da anterioridade eleitoral não teria aplicação em razão da situação atípica daquele momento em razão da pandemia.
Não há dúvidas de que cabe ao STF o exercício do controle de constitucionalidade de atos normativos do Poder Público com o intuito de proteger direitos fundamentais que correspondem ao mínimo ético aceitável e assegurar as regras do jogo democrático e dos canais de participação política de todos.
Contudo, a ADPF não pode ser utilizada como um sucedâneo de recurso, na medida em que o questionamento do procedimento eleitoral está sendo discutido no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que ainda não se pronunciou de forma definitiva acerca do caso.
Na própria petição inicial se informa a violação de preceitos fundamentais que não teriam sido respeitados pelo TJRJ em virtude das decisões proferidas nos AI 77214-67.2020.8.19.0000 e 77874-61.2020.8.19.0000.
Dispõe a Lei nº. 9982/1999 que a inicial da ADPF será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, o que pode ser perfeitamente enquadrado na presente hipótese, na medida em que o procedimento eleitoral definido pela AGO do Clube observa a legislação vigente e decisão em sentido contrário é que colidiria com a previsão do art. 217 da CF que assegura a autonomia das entidades de prática desportiva.
Por outro lado, a lei em comento é expressa ao afirmar que não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade (Art. 4º § 1º), devendo ser ressaltado que, no caso, as decisões proferidas pelo TJRJ são passíveis de recurso próprio.
A ação foi distribuída para o Ministro Dias Toffoli (curiosamente o mesmo Ministro que é o relator da ADIn 2.231 onde se discute a constitucionalidade da Lei nº. 9982/1999). Contudo, em razão das férias coletivas dos Ministros no mês de janeiro, os autos foram conclusos ao Ministro Luiz Fux no dia 12.01 que, provavelmente, proferirá decisão em caráter liminar,
Diante de todas as considerações expostas, não há como prosperar a presente ADPF.
Fonte: Lei em Campo