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As dívidas dos clubes brasileiros e como se dividem

As dívidas dos clubes brasileiros e como se dividem

qui, 04/02/10
por Emerson Gonçalves |
categoria Balanços 2008, Economia e Finanças, Gestão

Estamos já no início de fevereiro. Os clubes têm prazo legal até 30 de abril para apresentarem e publicarem seus balanços. O mesmo ocorre com as federações e com a confederação. Alguns balanços são expostos publicamente, sem pejo, sem medo. Outros permanecem escondidos. São publicados em veículos obscuros e o acesso a eles pelo torcedor não versado nas artes & manhas do assunto é simplesmente impossível. Eu mesmo, embora com um certo traquejo nessas caçadas, até hoje não botei os olhos sobre alguns balanços coroados. Um deles, por sinal, é de todos o mais coroado e um dos maiores em números de entrada de dinheiro: o balanço da confederação. Isso mesmo, o balanço da CBF. Dizem que ele existe, há, inclusive, quem jure a respeito e até dizem já ter sido visto. Eu, entretanto, não consegui tal proeza. Nem mesmo pedindo à confederação cópia do mesmo. Não entendo o porquê disso, pois, afinal, dizem que o balanço é belíssimo em seus números, todos azuis, mais que isso, azulões.

Não conseguir certos balanços não é privilégio somente meu. Alguns, aparentemente, são mais bem guardados que os novos “papeis do Pentágono” que tanta celeuma renderam décadas atrás.

Até 2002 e a publicação da MP 39, que tornou obrigatória a publicação de balanços e a contratação de empresas de auditoria pelos clubes, a maioria, para não dizer a quase totalidade, não publicava seus balanços. A exceção a essa regra sempre foi o São Paulo, cujos balanços são publicados desde 1956.

Os números e as prestações de contas ficavam sempre em petit comité nos clubes. Nos mais avançados e progressistas, chegavam até o Conselho e daí não passavam. Esse conhecimento restrito das práticas administrativas de inúmeros clubes levou ao estado em que muitos se encontram hoje, com dívidas da ordem de dezenas e dezenas de milhões de reais com o fisco. Depois da MP 39 e do Estatuto do Torcedor, o futebol brasileiro começou a entrar, lenta, muito lentamente, numa nova fase. Estamos em transição e ela é dolorida, é sofrida. Um grande exemplo de correção foi dado pelo presidente do Vasco da Gama, Roberto Dinamite, que depois de empossado vasculhou as contas do clube e revelou seus verdadeiros números, escondidos durante anos e anos, iludindo a torcida e a sociedade.

Apesar dos avanços, ainda hoje é complicado buscar por informações nos balanços dos clubes. Alguns são bem elaborados, mostram as informações de forma relativamente acessível. Nesse ponto, novamente o balanço do São Paulo, o primeiro a adequar-se às novas determinações legais para publicação de balanços, definidas em 2006, continua servindo como modelo. Mesmo alguém sem muita intimidade com as normas e linguagem contábeis consegue ler o balanço e entender o principal.

Enquanto a safra com os novos números referentes ao ano de 2009 não aparece e pode ser colhida, vamos dar uma olhada nos números das dívidas dos clubes no ano de 2008. Esse assunto foi tema de matéria do portal GloboEsporte em agosto, a partir de trabalho realizado pela Casual Auditores na época; dê uma olhada, clique aqui. Na matéria, o portal enfatizou as dívidas dos clubes cariocas e listou os passivos totais – circulante e exigível a longo prazo – de 21 clubes brasileiros.

Para esse post contei também com o auxílio da Casual Auditores, através do Carlos Aragaki, que depurou os passivos dos clubes das obrigações corriqueiras do dia-a-dia, deixando somente os grandes números considerados efetivamente como dívida (ainda assim, em função dos lançamentos feitos em seu balanço, os direitos de imagem e outras despesas correntes do São Paulo foram arroladas tanto no circulante – obrigações a vencer em até 360 dias – como no exigível a longo prazo, o que infla um pouco o valor da dívida tricolor).

A melhor parte do trabalho desenvolvido pelo Carlos Aragaki e seu pessoal da Casual, foi a divisão dessas dívidas em três categorias:

- Fiscais: as dívidas com o governo federal (quase que exclusivamente), referentes ao não pagamento de tributos diversos, inclusive INSS e IR; a maior parte desses débitos está com seus pagamentos negociados no acordo da Timemania.

- Contingências: compreende as dívidas trabalhistas – a grande maioria nesse item – e dívidas cíveis.

- Empréstimos: dinheiro tomado nos bancos ou adiantado via Clube dos 13 e federações; no caso, como já explicado neste e no velho OCE, a parcela a receber futuramente sai via empréstimo bancário, devidamente aprovada pelo Clube dos 13 e Rede Globo e GLOBOSAT; grande parte da dívida do Clube Atlético Mineiro com seu ex-presidente, Ricardo Guimarães, está nesse item.

Entendendo os números

Sem entrar nas minúcias contábeis e repetindo um pouco o que já foi dito há pouco, vamos ao básico: dívida é tudo que uma empresa ou uma pessoa tem que pagar. Nos balanços, ela aparece no passivo, dividida em duas partes: o passivo circulante e o exigível a longo prazo. No primeiro caso temos os compromissos a pagar em até 360 dias. No segundo caso, como já diz o nome, temos as dívidas de longo prazo, superiores a 360 dias.

Alguns valores que entram nos balanços corretos, feitos como manda o figurino, poderiam até não ser chamados de dívidas. É o caso, por exemplo, dos direitos de imagem dos atletas, que na prática é considerado como parte da folha de pagamento mensal. No dia-a-dia, esse tipo de obrigação não é encarado como uma dívida, assim como não é encarado como dívida o salário a ser pago futuramente a um funcionário.

Na tabela a seguir, vocês poderão ver os passivos totais dos clubes e os passivos já depurados dessas despesas citadas:











































































































































Clube



Passivo total



Passivo depurado



Proporção



Vasco



377.854



308.120




81,5%



Flamengo



333.328



278.288




83,5%



Fluminense



320.721



272.912




85,1%



Atlético MG



283.334



267.787




94,5%



Botafogo



265.424



218.952




82,5%



Corinthians



255.164



118.294




46,4%



Palmeiras



197.229



55.083




27,9%



Internacional



176.906



126.697




71,6%



Santos



175.565



134.280




76,5%



Portuguesa



155.598



*






Grêmio



154.638



108.460




70,1%



São Paulo



148.380



143.282




96,6%



Cruzeiro



131.578



84.729




64,4%



Vitoria



91.313



*






Coritiba



52.994



54.587




103,0%



Náutico



49.857



44.844




89,9%



Atletico PR



37.028



23.162




62,6%



Paraná



27.303



26.246




96,1%



Figueirense



10.940



9.330




85,3%



São Caetano



3.137



2.068




65,9%



Barueri



539



534




99,1%




A próxima tabela é a mais interessante e que merece um olhar mais atento de cada torcedor. Ela mostra como é a composição dessas dívidas em cada clube.












































































































































































































































Clube



Passivo *



Fiscais



%




Conting



%



Emprest



%



Vasco



308,1



99,2



32,2




111,1



36,1



97,8



31.7



Flamengo



278,3



201,5



72,4




36,5



13,1



40,3



14,5



Fluminense



272,9



140,3



51,4




132,6



48,6



0,02



0



Atlético MG



267,8



138,3



51,6




23,5



8,8



106,0



39,6



Botafogo



219,0



132,8



60,6




71,8



32,8



14,4



6,6



Corinthians



118,3



48,6



41,1




17,2



14,5



52,5



44,4



Palmeiras



55,1



39,5



71,7




0



0



15,6



28,3



Internacional



126,7



120,1



94,8




2,4



1,9



4,2



3,3



Santos



134,3



90,8



67,6




2,2



1,6



41,3



30,8



Grêmio



108,5



76,7



70,7




17,9



16,5



13,9



12,8



São Paulo



143,3



95,9



66,9




2,5



1,8



44,9



31,3



Cruzeiro



84,7



65,7



77,5




1,4



1,7



17,6



20,8



Coritiba



54,6



35,6



65,2




5,0



9,2



14,0



25,6



Náutico



44,9



28,9



64,4




14,1



31,4



1,9



4,2



Atlético PR



23,1



7,8



33,7




4,5



19,5



10,8



46,8



Paraná



26,2



16,6



63,4




9,3



35,5



0,3



1,1



Figueirense



9,3



8,4



90,3




0,9



9,7



0



0



São Caetano



2,1



0,3



14,2




0,1



4,8



1,7



81,0



Barueri



0,5



0,001



0




0,5



100,0



0



0



Totais



2.277,7



1.347,0



59,1




453,5



19,9



477,2



21,0




A primeira informação que salta aos nossos olhos é velha e bem conhecida: nossos clubes devem para a sociedade. Há quem diga que eles devem para o governo. Há quem diga, com mais acerto, que eles devem para o Estado. Eu prefiro dizer que devem para a sociedade, pois o governo é mera ferramenta transitória (ou assim deveria ser) na administração do Estado, enquanto que este é tão somente o braço organizado da própria sociedade para gerir seus negócios. O governo somos nós. O Estado somos nós. Esse conceito é um conjunto vazio no Brasil, mas algum dia precisará ser preenchido. Nesse dia, quem sabe, cédulas numa cueca ou numa meia & assemelhados, será motivo de profundo opróbrio e levará ao degredo moral e político de quem com isso se envolve. Por enquanto, porém, essas insignes figuras continuam governando e legislando sem maiores conseqüências, afinal, a sociedade não sabe que o governo é mero servidor dela e não o contrário, e que o Estado nada mais é que seu braço operacional, jamais o seu cérebro.

Considerando os números de 2008 – estes são os números oficiais disponíveis; qualquer coisa fora deles não é oficial e não tem valor para análise, lembrando que esses balanços são peças legais, devidamente auditados e dignos de fé; até prova em contrário, claro, mas se não há prova, então eles representam a verdade – nossos maiores clubes tem um passivo (depurado) total de 2.277.700.000 ou, trocando em miúdos, 2,27 bilhões de reais.

Desse total, as dívidas com o fisco representam bem mais da metade – 59,1% – ou seja, 1,35 bilhão de reais. Lembram da história de não precisar apresentar balanços e os números ficarem restritos a meia dúzia de iniciados nos clubes? Em boa parte por isso chegamos a esse ponto.

Aqui, porém, há dívidas que não são desse tipo.

Se o coração tem razões que a própria razão desconhece, o estado tupiniquim tem impostos, normas e decretos que o próprio fisco desconhece, tamanha a quantidade e diversidade. Isso levou a muitas cobranças julgadas indevidas pelos clubes, principalmente em transferências de atletas para o exterior, que foram contestadas judicialmente. Quando se fez o acordo Timemania, o governo exigiu que os clubes reconhecessem todas as dívidas para poder participar. A contragosto isso foi feito. Então, nesse imbróglio todo há dívidas que, provavelmente, a justiça decidiria a favor dos clubes. O Sindicato dos Clubes entrou na justiça e conseguiu uma liminar que, pelo que sei, ainda não foi julgada.

Os restantes 40% dividem-se de maneira quase igual entre as dívidas contingenciais e as financeiras. No primeiro caso o que mais aparece são as dívidas trabalhistas. Há enxurradas delas, a maioria com apoio legal. Outras, são questionáveis, como cobranças de horas extras pela concentração, participação em direito de arena acima da taxa combinada com os sindicatos, etc. No geral, porém, a maior parte dessas ações resultarão em sentenças pró-atletas, pois os clubes não primam pela correção nos pagamentos a seus funcionários.

Virou uma prática comum rolar dívidas através de adiantamentos de direitos de TV. Uma verdadeira festa. Há clubes que pouco têm a receber inclusive em 2011, pois já engoliram parte de suas receitas. E em 2011 teremos um novo drama se desenhando: os adiantamentos sobre o BR, que representam a maior parte dessas operações, não poderão entrar em 2012, pelo simples motivo que o contrato que dá guarida a todas essas operações terminará em 31 de dezembro de 2011. E sem a guarida de um contrato não há adiantamento, pois não há garantia. Isso desmistifica, ou deveria desmistificar, o tal de “rabo preso” dos clubes com a TV por conta de adiantamentos. Mas não acontecerá, afinal, a tese do “rabo preso” é muito mais simples e simpática de ser explorada. Aliás, em 2008, Flamengo e São Paulo brigavam, juntamente com o Corinthians, por mudanças no contrato que estava em discussão para a cessão dos direitos a partir de 2009. Premido pela falta de dinheiro e a necessidade de obter recursos o mais rápido possível, o presidente do Corinthians assinou o novo contrato sem sequer avisar seus colegas. Isolados, Juvenal Juvêncio e Marcio Braga também assinaram. O “velho” OCE comentou esse fato à época. Voltando aos números das dívidas: essas operações representam boa parte desses empréstimos, sendo a outra parte referente aos emprestadores clássicos de dinheiro, pelas vias clássicas: os bancos.

Ainda é um pouco cedo analisar essas divisões, embora tenhamos os números relativos a 2007. Todavia, tão logo saiam os balanços, teremos melhores condições para análise, com três anos em perspectiva. A Casual Auditores já tem programado um trabalho comparando as dívidas dos clubes brasileiros com as dos clubes europeus e tão logo ele saia será mostrado aqui. Pelo que andei vendo nos últimos tempos, há uma certa latinidade nesse negócio de dever para o fisco. Sei lá, talvez não vejamos com bons olhos essa coisa de pagar tributos, o que talvez indique que temos todos um bocado do sangue galês de Asterix & Cia.

Enquanto isso, cada torcedor pode dar uma olhada nos números e ver a composição da dívida de seu clube e como ele está em relação à média dos clubes brasileiros.

Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo