Árbitro diz que trabalhará da mesma forma, com ou sem torcida
Dona Socorro já não dá ouvido às arquibancadas. Desde que o filho Dewson assumiu, aos 13 anos, o apito nas peladas de rua em Belém, suas orelhas ardem com os xingamentos picantes que respingam em mãe de árbitro. A ladainha dos últimos 23 anos terá trégua hoje, quando Vasco e Santos se enfrentarem, a partir das 16h. No silencioso Engenhão de portões fechados, o árbitro Dewson Fernando Freitas da Silva não será, pela segunda vez na vida, "filho daquela", "filho da mãe".
- Apitei somente um jogo sem público. Acho que foi uma partida da Ponte Preta, não lembro bem... - diz o paraense Dewson.
Se o jogo inusitado passou batido pela memória, hoje não será diferente. O árbitro de Vasco x Santos jura absorver numa boa os xingamentos ou a pressão da torcida e, por isso, um estádio de portões fechados não torna seu domingo especial.
- O árbitro de futebol está preparado psicologicamente para qualquer situação. Quando comecei a apitar jogos da base, os pais ficavam na lateral gritando, fazendo pressão. Já apitei jogo decisivo em Pernambuco para 60 mil pessoas. Com ou sem torcida, não existe jogo fácil.
Pelo trabalho sem público, Dewson receberá os mesmos R$ 4 mil pagos em dia de estádio entupido de gente. E a mesma diária de R$ 585.
- Não importa se há ou não torcida. Eu vou trabalhar da mesma forma - destaca, orgulhoso por ter no peito, desde 2015, o cobiçado escudo da Fifa: - É a profissão que escolhi, é o dom que Deus me deu.
No Engenhão que já difamou tanta mãe de árbitro, dona Socorro será esquecida. E o filho Dewson poderá escutar outros sons poucas vezes perceptíveis ao mais atento dos ouvidos:
- Vai dar para ouvir os jogadores conversando entre eles e, também, com a gente da arbitragem. Será mais fácil detectar qualquer tipo de situação e, até, tomar as medidas cabíveis. Meu histórico já diz: não tenho cor de camisa.
Mas Dewson tem mãe. E nos últimos 26 anos dos seus 49, Dona Socorro sentiu a orelha arder. Até em dia de 0 a 0. Hoje será diferente.
MÃE NÃO GOSTA DE IR AO ESTÁDIO
O professor de língua portuguesa e literatura abandonou a sala de aula em 2014 por não conseguir conciliar o trabalho com sua paixão maior, a arbitragem. Dewson Freitas, de 36 anos, trocou os respeitosos alunos por um fardo maior, a torcida mal-educada.
- Infelizmente, o futebol é isso. O árbitro é o culpado de tudo. A culpa não é do treinador que mexeu errado, não é do dirigente que contratou mal, não é do jogador que falhou no cruzamento. Mas, se o árbitro erra, já viu, né? - aponta Dewson.
Talvez por isso tudo, a mãe, Socorro, foi vê-lo em ação somente uma vez. Em 2004, Dewson apitava sua primeira final, a decisão paraense da sub-17, no Mangueirão.
- Ela reclamou do alvoroço e de ter de esperar todo mundo sair para poder ir embora. Não adianta. Futebol é só para quem gosta.
E tem quem goste. Com ou sem torcida, com ou sem xingamento...
Fonte: Extra OnlineMais lidas
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