Futebol

Apreensão e otimismo entre atletas e funcionários em São Januário

Quando a bola rolou no Couto Pereira, dava para ouvir o barulho do vento em São Januário. Os poucos funcionários e jogadores da base que estavam na hora do jogo no estádio acompanharam a partida num silêncio quase em forma de prece. Uma realidade bem diferente de duas horas antes, quando a 2ª Copa Vasco da Gama de taekwondo reuniu mais de 150 atletas no ginásio do clube. No meio de tanto burburinho, a pequena Luana de Souza, 12 anos, se apressava para ir embora a tempo de ver pelo menos o fim do primeiro tempo. Moradora de Bangu, ela e a mãe, Luceli, não escondiam a pressa para chegar logo em casa.

– Estou otimista, mas se cairmos vou sentir um aperto enorme no coração. Sei que é difícil, mas podemos ainda dar a volta por cima.

Em campo, no início da partida, o Vasco passava sufoco diante do Coritiba. O rosto dos jogadores mostrava tensão. Só a vitória manteria as chances de evitar a queda.

Em São Januário, a preocupação com o futuro do clube também não sai da cabeça do faixa-preta em taekwondo Daniel Michael Matias, atleta do clube.

– Fico preocupado com o futuro do nosso esporte aqui. Se não cairmos, o ânimo para 2009 será bem maior – ressaltou o lutador.

Na hora do jogo, os jogadores do juvenil Vinícius Vieira, 17 anos, e Reinan Araújo, 16, eram os únicos sentados na arquibancada. Cúmplices no sofrimento, dividiram democraticamente o fone de ouvido e a tensão iminente. Tensão que foi embora quando, aos 15 minutos, Leandro Amaral abriu o caminho da vitória ao completar a grande jogada de Alex Teixeira pela direita. O goleiro Vanderlei deu rebote, e Leandro Amaral marcou.

Enquanto isso, em uma sala minúscula na entrada do portão 5, a recepcionista Cláudia Helena dos Santos, 28 anos, era a imagem da preocupação. Longe do rádio e da TV, era foi informada pela equipe do JB de que o Vasco estava ganhando.

– Graças a Deus! Tenho certeza de que vamos ganhar – disse sem esconder a confiança.

A partida seguiu e o juvenil Vinícius vibrou quando o juiz Alício Pena Júnior não marcou pênalti no agarra-agarra de Odvan e Ariel dentro da área.

– Hoje parece que a sorte está do nosso lado – disse, com otimismo.

Perto dali, o clima não era diferente. O cheiro forte de comida e o barulho denunciavam a presença de uma torcida vibrante no refeitório da base. Como o horário da partida coincidiu com o do jantar, a garotada lotou o refeitório para ver o jogo no único aparelho de TV ligado dentro da Colina. Na ânsia de assistir à partida, teve gente que deixou até a comida esfriar. Foi o caso dos garotos do mirim Lucas da Silva, 13 anos, e Rhuan Marinho Duarte, 12 anos, que só tiravam o olho do jogo para dar uma boa garfada.

– O Alex Teixeira está bem na partida. Hoje o nosso time está merecendo o resultado – analisou Lucas, o juvenil com pinta de craque.

O tímido Rhuan também não tirou o olho da TV. Mais reservado do que o companheiro, ele se limitou a dizer que não perdeu a fé em dias melhores.

– Nós vamos escapar. Iremos vencer o próximo jogo e tudo vai dar certo.

Quando terminou o primeiro tempo, o alívio era evidente no refeitório. A chefe da cozinha da base, Lurdes Ribeiro, 57 anos, não escondia a alegria pelo resultado do primeiro tempo, que deixava o Vasco bem vivo no Brasileiro. Preocupada com a refeição dos garotos, ela mal conseguiu colocar os olhos na TV, mas sempre que podia olhava de soslaio tentando ver alguma jogada.

– O coração está batendo forte. Estou acompanhando de longe, mais na base da torcida. Mas sinto que vamos ganhar.

O segundo tempo começou e o som da comemoração vinda do Bar Caial, bem em frente ao estádio, denunciou o segundo gol de Leandro Amaral, em cobrança de pênalti. Gol comemorado com muita cerveja e churrasco. Mas, àquela altura, o Vasco não dependia mais de si para ficar na elite. O gol do Figueirense, pouco antes, fazia o Vasco depender dos adversários novamente para seguir na Série A.

No meio dos animados torcedores nos arredores de São Januário, chamavam a atenção alguns funcionários do clube, que no dia de folga preferiram assistir ao jogo em frente ao local de trabalho. Foi o caso do lancheiro Antônio Carlos Jesus da Silva Braga, 30 anos, que trabalha há oito na Colina. Nem mesmo o segundo gol do Náutico sobre o Atlético-PR, que atrapalhou bastante os planos vascaínos, roubou a confiança de que ainda é possível escapar.

– Esse gol atrapalhou, mas confio no Vasco. Vamos sair dessa.

Confiança que também não saiu do peito do militar reformado José Carlos Vilardo, 45 anos. Nem as raízes italianas, reveladas por sua camisa da Azzurra, foram suficientes para que o antigo morador da Barreira do Vasco se apaixonasse por outra camisa: a da cruz-de-malta.

– Passei o dia inteiro nervoso, mas papai-do-céu vai ajudar a proteger o Vasco e vamos nos livrar na última rodada – disse o torcedor, que elogiou a grande atuação do atacante Leandro Amaral, segundo ele, o melhor em campo. – Se ele tivesse jogado 20% do que jogou hoje não teríamos perdido para o São Paulo.

Mais discreto, o dono do bar, Joelcio Alves de Souza, 49 anos, revelou que está vivendo um dilema nesta reta final do campeonato. Apesar de confessar ser tricolor, não esconde o carinho que herdou dos pais pela camisa cruzmaltina. Perguntado se tivesse que escolher um entre os dois para cair, o comerciante saiu pela tangente.

– Eu cresci em uma família de vascaínos. Se tivesse que escolher, ficaria em cima do muro. Não desejo isso para nenhum dos dois.

Fonte: Jornal do Brasil