Futebol

Após 20 anos, Rio revê estabilidade de treinadores

A principal mudança no futebol carioca para 2007 é que nada vai mudar. Pela primeira vez em 20 anos, os quatro principais clubes do estado vão conservar seus comandantes de uma temporada para outra. Alheios aos resultados em campo (o Botafogo de Cuca, o Flamengo de Ney Franco e o Vasco de Renato Gaúcho fizeram boas campanhas no Campeonato Brasileiro, mas o Fluminense de Paulo César Gusmão quase caiu), os dirigentes do Rio de Janeiro resolveram apostar na manutenção de suas comissões técnicas.

O prestígio dado aos treinadores dos quatro grandes cariocas no fim deste ano contraria o que vinha sendo feito pelos clubes. A última geração que permaneceu à frente de suas equipes de uma temporada para outra foi a de 1986-1987. Naquela época, Antônio Lopes dirigia o Fluminense, Joel Santana comandava o Vasco, Sebastião Lazaroni era o técnico do Flamengo e Joel Martins estava à frente do Botafogo.

No Campeonato Brasileiro de 2006, apenas seis clubes não trocaram de técnico (São Paulo, Internacional, Grêmio, Santos, Paraná e Vasco, que curiosamente ocuparam as seis primeiras posições da tabela). O sucesso da continuidade dos comandantes criou uma nova diretriz para o trabalho no Rio de Janeiro.

\"Os resultados do Campeonato Brasileiro mostram o quanto essa seqüência é importante. O treinador que fica mais tempo no clube pode fazer um planejamento mais detalhado e tem mais facilidade para encontrar os problemas e as virtudes da equipe\", ponderou Paulo César Gusmão, atual comandante do Fluminense.

Gusmão, aliás, é o maior exemplo do quanto a política de seqüência das comissões técnicas ignora os resultados no Rio de Janeiro. O treinador ficou 18 partidas consecutivas sem triunfar no Campeonato Brasileiro (nesse período, dirigiu Cruzeiro, São Caetano e Fluminense) e a equipe carioca foi seriamente ameaçada pelo rebaixamento. Mesmo assim, a diretoria resolveu renovar o contrato do comandante para 2007.

O pensamento de médio e longo prazo também impediu a saída de Renato Gaúcho do Vasco. A despeito de ter perdido a decisão da Copa do Brasil para o rival Flamengo e de ter feito um início irregular no Brasileiro, o comandante continuou à frente da equipe de São Januário. Assim, terminou o ano na sexta posição da tabela da competição nacional e ainda foi indicado pela CBF como um dos três melhores técnicos de 2006 (os outros foram Mano Menezes e Muricy Ramalho, vencedor dessa eleição).

Na opinião do técnico Antônio Lopes, a aparente alteração na forma de os cartolas gerirem os clubes foi motivada pela constatação de que um trabalho de qualidade no comando técnico de uma equipe só se dá com uma seqüência de partidas.

\"Todo mundo está entendendo que, no futebol, o técnico tem de ficar de um ano ou mais no cargo. Só assim o treinador conhece o elenco e o clube em todos os aspectos\", avaliou Lopes, que chegou a citar alguns casos de sucesso de sua \"tese\".

\"Temos os exemplos do São Paulo, que ficou a temporada toda com o mesmo treinador [Muricy Ramalho], o Inter com o Abel [Braga], o Santos com o [Vanderlei] Luxemburgo. Acho que os dirigentes aprenderam a lição\", continuou o treinador, que atualmente está sem clube.

No entanto, Lopes é voz dissonante. Para a maioria, a conquista das vitórias ainda é o que garante o emprego dos técnicos. \"Por mais que você queira trabalhar com os mesmos profissionais, tudo depende de resultado. É muito mais fácil um cara sair do que trocar o elenco\", disse o vice-presidente de futebol do Botafogo, Manoel Renha, em um discurso bastante usual.

Um exemplo claro da pressão dos resultados é o Fluminense. Em 2006, a equipe carioca teve seis treinadores diferentes: Ivo Wortmann, Paulo Campos, Oswaldo de Oliveira, Josué Teixeira, Antônio Lopes e Paulo César Gusmão.

A constante troca no comando culminou na luta da equipe tricolor para escapar do rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro. Aliás, o responsável por salvar o time do descenso ganhou prestígio com os cartolas - ao menos por enquanto.

\"O PC foi corajoso ao assumir a responsabilidade de salvar o Fluminense do rebaixamento. Agora ele terá o tempo que um treinador precisa para colher os frutos do trabalho\", garantiu o coordenador de futebol Branco.

No início do ano, antes de anunciar Ivo Wortmann, a diretoria tricolor inovou e chegou a realizar testes com alguns candidatos a treinador para avaliar qual seria a melhor escolha para substituir Abel Braga, que havia se transferido para o Internacional (time no qual conquistou a Copa Libertadores e o Mundial).

Aliás, para o técnico Sebastião Lazaroni, que ficou marcado por ter comandado a seleção brasileira que caiu nas oitavas-de-final da Copa de 1990, na Itália, para a Argentina, a \"dança das cadeiras\" nos clubes é um artifício que os cartolas utilizam para ocultar os erros na administração.

\"O resultado é que provoca a situação de instabilidade e, para tapar ou esconder uma falha, o dirigente troca o técnico\", disse o ex-comandante da seleção.

Outro fator complicador levantado por Lazaroni é o atual \"inchaço\" no mercado de técnicos. \"Naquela época já existia a cultura de trocar treinador, mas acontecia com menos freqüência porque o mercado era menos concorrido. Hoje existem muitas faculdades que jogam treinadores no mercado\", informou.

No Brasil, a única exigência para o exercício da profissão é o curso superior de Educação Física. Entretanto, esta imposição pode ser facilmente burlada. O próprio técnico da seleção brasileira, Dunga, não tem essa formação.


TÉCNICOS DE 1986-1987
Joel Martins - Botafogo
Ex-jogador do Botafogo, iniciou em 1986 a segunda passagem como técnico do time alvinegro (a primeira aconteceu em 79). O comandante assumiu a vaga deixada por Zagallo e saiu na temporada seguinte, quando foi substituído por Jair Pereira.

Sebastião Lazaroni - Flamengo
Campeão carioca com o Fla em 86, Sebastião Lazaroni seguiu até a temporada seguinte no clube rubro-negro. O treinador ganhou destaque por ter comandado a seleção brasileira na Copa de 1990, quando a equipe canarinho foi eliminada pela Argentina nas oitavas-de-final e foi muito criticada por seu fraco desempenho.

Antônio Lopes - Fluminense
Depois de ter ficado na segunda posição do Estadual do Rio de Janeiro de 1986 com o Vasco, quando lançou jogadores como os tetracampeões Mazinho e Romário, Lopes assumiu o Fluminense em 1986 e saiu no ano seguinte sem ter conquistado nenhum título. No ano seguinte, Lopes foi para o Flamengo e deixou o time depois da primeira rodada da Copa União.

Joel Santana - Vasco
Assumiu o Vasco em 1986, no lugar de Cláudio Garcia, e saiu no ano seguinte. O treinador havia conquistado a Taça Guanabara de 1987, mas aceitou uma proposta do futebol árabe e deixou o time para Sebastião Lazaroni se sagrar campeão estadual.

Fonte: Pelé.Net