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Análise: De favorito à fracasso: A permanência do Vasco na Série B

É coisa de engenheiro de obra pronta, dizer hoje que era óbvio que o Vasco não conseguiria voltar para a Série A ao fim da temporada. Nem mesmo o desempenho do time no Estadual dava essa possibilidade de forma tão clara: tratava-se de um começo de trabalho de Marcelo Cabo à frente de uma equipe em construção, que foi eliminada na primeira fase devido aos pontos perdidos nas duas primeiras rodadas, quando atuou com uma equipe sub-20. O desempenho em campo não enchia os olhos, mas também não era desesperador: o time havia vencido o Flamengo por 3 a 1. Quando foi mal nas partidas contra o Botafogo, pela final da Taça Rio, havia a justificativa compreensível de que era difícil entregar muito em jogos que valiam um troféu de consolação.

Mas a realidade bateu à porta logo no começo da Série B. O Vasco havia se preparado desde o início para ser protagonista, inclusive em termos de estilo de jogo. O discurso repetido de que o time deveria jogar "como Vasco" tentava ganhar o campo na forma de maior posse de bola, ocupação do campo adversário. Mas logo a montagem do elenco se mostrou deficiente porque ignorou o que rege boa parte do futebol hoje, seja na primeira ou na segunda divisão: intensidade.

Coleção de jogadores arrastados

Jorge Salgado, quando assumiu o Vasco, trouxe logo Alexandre Pássaro para ser o dono do departamento de futebol. Deu total autonomia para o dirigente, oriundo do São Paulo, reformular o elenco. Esse trabalho consistia em se desfazer de jogadores fora dos planos e trazer outros para a disputa da Série B.

A primeira parte aconteceu rapidamente e logo Pássaro virou "Passarudo" nas redes sociais. As contratações vieram aos poucos, todas elas com uma característica: jogadores que em 2020 estavam na Série A. Vanderlei, Ernando, Zeca, Michel, Marquinhos Gabriel, Sarrafiore e Morato se juntaram aos remanescentes do elenco rebaixado e deram uma cara de primeira divisão à equipe que estava na segunda. Não teria como dar errado.

Mas todos eles contam com outro aspecto em comum, inclusive com veteranos do elenco, como Leandro Castan, Léo Matos e Andrey: a falta de dinamismo que pesa tanto para o futebol atual. Uns por estarem em declínio físico. Outros por nunca terem tido na força exatamente uma virtude.

Não se trata de contratar "jogadores de Série B" ou de estar disposto a atuar como "time de Série B". É ter uma equipe capaz de, se o jogo for mais ofensivo, de fazer pressão na saída de bola adversária e recompor com velocidade quando o adversário conseguir sair da primeira linha defensiva. Ou, se o estilo é mais reativo, sair com velocidade no contra-ataque, com jogadores velozes e capazes de com poucos toques criarem uma chance de gol.

Dobra a aposta

Os resultados não vieram. Desde o início. O Vasco passou a Série B inteira sem conseguir entrar no grupo dos quatro primeiros nenhuma vez. O recado ficou claro, de que algo precisava ser feito. Os jogadores da base foram colocados em campo, mas uma safra de promessas instável, ainda que oferecesse um dinamismo maior, muitas vezes, não teve condições de corresponder em termos técnicos. Com exceção de Pec e Riquelme, nenhum inspirou confiança.

Ir ao mercado novamente nunca foi uma opção real. O Vasco que tenta implementar uma gestão responsável em termos financeiros se viu em meio a um dilema: tentar corrigir as contratações equivocadas e estourar o orçamento para subir com as contas no vermelho ou seguir fiel aos gastos responsáveis e acreditar numa reação à base de troca de treinador?

O Vasco foi atrás da segunda opção. Trocou de técnico duas vezes, mas os três, de formas diferentes, mantiveram o time fiel à ideia de ser o propositor do jogo. Marcelo Cabo, Lisca e Fernando Diniz poucas vezes recuaram as linhas do cruz-maltino para jogar no contra-ataque, como todo mundo está cansado de saber que é mais fácil atuar. Por tabela, negligenciaram um problema crônico durante toda a temporada, o da fragilidade defensiva.

Último suspiro

Depois de muito resistir, o clube foi ao mercado pontualmente. Contratou Walber, Jhon Sánchez e Nenê. O último, o único com repertório técnico para fazer alguma diferença mais perceptível àquela altura. E até que fez. Sem Nenê, o Vasco teria perdido as chances matemáticas antes da goleada para o Botafogo.

Mas a melhoria foi muito mais decorrente de lampejos individuais do jogador do que um reflexo consistente do trabalho realizado por Fernando Diniz. O time seguiu jogando mal, se antes era no estilo de Cabo e Lisca, agora era à moda do treinador, ex-Fluminense, São Paulo e Santos.

Fonte: - O Globo Online