Vasco e amigos se unem em noite de homenagem para jornalista Bruno Guedes
“Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”. A frase do ex-presidente Cyro Aranha é do século XX, mas a presença de crianças no estádio com a camisa cruz-maltina faz com que ela se mantenha viva. Como tantos outros meninos e meninas, Chico, de 7 anos de idade, esteve no Maracanã na noite desta quarta-feira para acompanhar o clássico entre o Gigante da Colina e o Fluminense. No entanto, a noite foi especial.
Filho do jornalista Bruno Guedes, que morreu na última segunda-feira vítima de câncer cerebral, Chico foi convidado pelo Vasco a entrar com os jogadores em campo, como parte da homenagem ao profissional que era apaixonado pelo time carioca. Além do clube, outras pessoas foram essenciais para que a ocasião se tornasse única, história que o ge conta agora.
Mobilização por pai e filho
Com 7 anos de idade, Francisco é filho de Bruno Guedes e herdou do pai o amor pela Cruz de Malta. Após a morte do jornalista, na tarde da última segunda-feira, várias pessoas se uniram para possibilitar que o profissional fosse homenageado e para que o pequeno vascaíno tivesse a oportunidade de ir ao estádio e entrar com a equipe em campo.
Mãe de Chico e ex-companheira de Bruno, Mariana Moura conta que se sensibilizou com os esforços que foram feitos para que a noite de quarta-feira fosse possível.
— Nunca foi ao Maracanã eu mesma comprando ingresso. Já fui com o Bruno, com outras pessoas várias vezes. Mas não sabia onde comprar, onde tinha que trocar, se tinha perrengue para fazer isso, se não tinha. O dia de ontem só foi possível, de fato, porque muita gente estava envolvida. Os amigos do Bruno, os meus amigos, pessoas de longe e o Vasco proporcionaram isso ao Chico.
“A principio ele não quis ir, acho que por medo. Mas, logo que eu comentei com ele, ele me perguntou: ‘Meu pai ficaria orgulhoso de mim?’. Eu respondi que sim e ele aceitou”.
— Ver tanta gente que ama o Bruno tornando isso tudo possível foi muito forte. A cada pessoa que me dava uma mão, eu chorava. Aí comentava com mais uma pessoa, e chorava mais um pouco.
Convite do Vasco
Na terça-feira, dia em que Bruno Guedes foi sepultado na cidade natal dele, em Petrópolis, as pessoas próximas a Chico iniciaram os contatos com o Vasco para uma eventual ida do garoto ao Maracanã.
Através da intervenção de algumas pessoas, tanto do clube, quanto amigos e familiares, o Cruz-Maltino autorizou que o menino entrasse com os jogadores no gramado do Maracanã, desde que algumas orientações fossem seguidas.
Vaquinha para camisa personalizada
Um dos requisitos para que Chico entrasse em campo com a equipe vascaína era ter uma camisa oficial do Vasco. Mesmo de última hora, sete pessoas se mobilizaram para comprar o uniforme personalizado com o nome “Francisco” e o número “14”.
Uma das pessoas que ajudou foi Naiane Pereira da Silva. A administradora de 36 anos conheceu Bruno Guedes a partir de um amigo, Pedro, com quem ele trabalhava. De acordo com ela, participar da compra da camisa fez com que ela lembrasse muito dos momentos que viveu com Chico e o próprio Bruno em estádios de futebol.
— Uma das lembranças mais bonitas do Bruno foi em um jogo no Maracanã, em que ele levou o Chico. O cuidado de sempre com o filho e o amor pelo Vasco andavam lado a lado ali. Nesse dia tirei uma foto que ele se apaixonou. Dizia que ia fazer uma tatuagem dela, assim que conseguisse (em meio ao tratamento contra o câncer).
“Falávamos bastante sobre o Chico. Em todos os jogos era uma dúvida: ‘levar o Chico ou não?’. ‘A hora é boa?’, "O estádio vai estar tranquilo?’, ‘Levo nesse ou no próximo?’. E o Chico ter entrado em campo ontem me fez lembrar de todos esses momentos de questionamento”.
Entrada em campo com Léo Jardim
Mariana e Chico chegaram ao Maracanã cedo, por volta das 20h. Em meio aos preparativos para que o menino e os outros mascotes entrassem em campo com os jogadores, a mãe revela que bateu um papo com o filho, que inicialmente parecia preocupado, mas que depois relaxou e seguiu para o campo de jogo ao lado do goleiro Léo Jardim.
— Eu conversei muito com ele, expliquei que se ele quisesse chorar, que não tinha problema. Falei com ele sobre os medos dele e disse que ia ficar tudo bem. Ele ficou feliz de entrar com o Léo Jardim, falou que ele deu “oi” pra ele quando eles se encontraram.
Um minuto de silêncio
Pouco depois que Chico entrou em campo e se posicionou para a execução do Hino Nacional Brasileiro, o sistema de som e o telão do Maracanã prestaram outra homenagem a Bruno Guedes. Foi respeitado um minuto de silêncio em memória ao jornalista.
De acordo com Mariana Moura, o gesto foi uma homenagem não só a Bruno Guedes, mas também aos familiares, sobretudo a Seu Paulinho, pai de Bruno e grande vascaíno.
— Grande parte da família do Bruno é vascaína e essa homenagem do Vasco foi um grande carinho também neles, que passaram por todo esse processo com ele. Isso não tira a dor nem a saudade, claro, mas ameniza o tamanho do vazio. Até onde eu sei, quase toda a família é vascaína por causa do pai do Bruno (Seu Paulinho). Então essa homenagem é também ao pai dele.
Uma das pessoas que intermediou a realização deste momento foi Paulo Mac Culloch. Também jornalista, ele afirma que Bruno fará falta pelas inúmeras qualidades que tinha.
A amizade entre Bruno e Paulo se estendeu também para os filhos dos dois. De acordo com o responsável pela comunicação da Secretaria Municipal de Ordem Pública do Rio de Janeiro, proporcionar essa reverência à família, aos amigos e à memória de Bruno Guedes foi algo incalculável.
— Foi extremamente gratificante, uma forma de homenagear um amigo, um jornalista, um super vascaíno, um baita pai. Por conviver com ele e com o filho, sei o quanto o Bruno era um exemplo para o Francisco. A gente trocava muita ideia sobre futebol. Foi uma forma de poder homenageá-lo. Deve ter ficado bem feliz lá em cima. Fiquei emocionado e realizado.
Novo amigo de arquibancada
Bruno Guedes era muito influente no X (antigo Twitter). Com uma conta antiga, ele sempre usou a rede social para falar sobre esportes, principalmente sobre a principal paixão, o Vasco.
Caio Silva, de 29 anos, seguia Bruno Guedes. Ele só não imaginava que uma relação virtual se tornaria uma grande amizade.
Bruno e ele foram a vários jogos, muitos deles com a presença do pequeno Chico. Caio teve a oportunidade de estar junto do menino na noite desta quarta-feira, no clássico entre Vasco e Fluminense, já sem a presença do amigo jornalistas.
De acordo com ele, a ausência de Bruno Guedes foi compensada com um Chico um pouco diferente, mais parecido com o pai.
— Ele estava muito ansioso, ele normalmente fica assim em jogos. Vi uma maturidade no Chico que eu não veria em mim, ele estava até bem tranquilo no medida do possível. Foi muito bonito, ele estava feliz com tudo que estava acontecendo, com o dia que a gente estava proporcionando para ele. Foi um dia diferente. O Chico ontem estava muito falante. Foi até engraçado, normalmente ele é mais na dele. Ele queria comentar muito sobre o jogo, e ontem especialmente ele estava muito parecido com o Bruno no jeito e no modo de falar e até de ficar paradinho com a perna cruzada,
“Foi um dia realmente muito especial e essas similaridades da gente, que é amigo, vendo o Chico ali no dia como ele estava se parecendo com o pai, foi muito emocionante”.
Um Vasco x Fluminense diferente
Mariana e Chico, de corpo, e Bruno Guedes, de alma e coração, estiveram presentes no Maracanã. No entanto, uma pessoa importante esteve ausente.
Sofia Campos Gramático tem 18 anos, é filha de Mariana e enteada de Bruno Guedes. No entanto, as respostas nesta reportagem demonstram que a figura do jornalista representa um pai para ela.
Ela afirma que não assistiu ao jogo, apesar de ter visto o início da transmissão para acompanhar a entrada de Chico em campo. Por ironia do destino, Sofia é torcedora do Fluminense, adversário do time de São Januário, paixão de Bruno Guedes e Chico.
A adolescente afirma que todo interesse que ela tem por esportes ela herdou a partir do amor de Bruno Guedes por ela e por Chico.
— Ele teve uma influência muito grande nesse sentido. Uma influência muito de pai, mesmo não biologicamente. Foi a partir da chegada dele na nossa vida que eu comecei a me interessar não só por futebol, como por essa área de jogos e esportes em geral.
“Acho que entre a dor e o vazio de perder um pai existe também uma esperança e o afeto de levar com a gente a história, a paixão e o olhar sempre tão inteligente e cuidadoso dele".
— Esse tipo de amor e paciência de explicar cada função e cada jogada dos jogadores para uma menina completamente leiga nesse quesito é eterno e vai ser cultivado e praticado por mim por muito tempo.
Paixão de pai para filhos
Mariana é torcedora do Flamengo. Isso quer dizer que, nem Sofia, nem Chico puxaram ela no lado torcedor. E, mesmo que torcesse por Fluminense ou Vasco, ela reconhece a importância do tesouro que Bruno Guedes deixou no coração dos filhos.
Em meio à tristeza pela morte do jornalista, Mariana afirma que o que fica são as boas lembranças e a missão de dar sequência àquilo que o Bruno ensinou aos filhos.
— Os dois cresceram convivendo com esse amor, é uma coisa só. Faz parte de quem o Bruno é. A relação deles com a memória do Bruno sempre será atrelada ao futebol, ao trabalho do Bruno - que também era sobre futebol - com figurinhas de álbuns da Copa, com fotos do Bruno cobrindo a Copa do Mundo no Brasil, crachás de cobertura de reportagens, coleção de camisas de time.
“Eu espero poder continuar esse legado do amor pelo Vasco, contando com a ajuda essencial dos amigos do Bruno, e mostrando para o Chico e para a Sofia que o Bruno segue conosco, nas memórias que temos dele".
Quem foi Bruno Guedes
Bruno era muito influente nas redes sociais, sobretudo no X (antigo Twitter), principalmente com assuntos ligados ao Vasco, clube de coração dele. No dia do falecimento, o Vasco lamentou a morte dele com uma postagem na rede social.
Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Bruno Guedes trabalhou na Agência EFE, Jornal O Dia, Superior Tribuna de Justiça Desportiva e Diário de Petrópolis. Bruno Guedes também foi colunista dos canais ESPN, além de ter sido autor e desenvolvedor de projetos pessoais, como blogs e outros canais de comunicação esportiva.
Bruno Guedes, que lutava contra um tumor cerebral diagnosticado em 2021, fazia tratamento desde então. Com o apoio de familiares, amigos e seguidores, algumas campanhas foram realizadas para levantar fundos para comprar os medicamentos para o combate da doença. As vaquinhas virtuais mobilizaram centenas de pessoas.
O jornalista estava em casa, mas foi internado no fim de dezembro de 2023 com o agravamento do quadro clínico. O sepultamento ocorreu na tarde de terça-feira.
Fonte: ge
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