Capitão do 1º título Brasileiro do Vasco ajudou na criação de grupo de samba
Gol de Jorginho Carvoeiro para o Vasco sobre o Cruzeiro em 1974
Lembrar de Alcir Portella é lembrar do Vasco. Em um elenco que contava com Roberto Dinamite e Moisés, foi o volante quem recebeu a braçadeira de capitão para ajudar o time a conquistar seu primeiro título brasileiro, que completou 50 anos neste mês. As 508 partidas disputadas lhe renderam a marca de terceiro jogador que mais ostentou a Cruz de Malta. Ao se aposentar, tampouco quis partir e conquistou outros três Brasileirões (1989, 1997 e 2000) e uma Libertadores (1998) como auxiliar técnico. Uma vida dedicada ao clube de São Januário. Mas não só.
Cultivava ao mesmo tempo um outro amor, que o arrebatava e foi arrebatado por ele: o samba. O "Capita" teve um papel fundamental para a reunião do grupo Fundo de Quintal. Alcir não imaginava que estava ajudando a construir uma das páginas mais importantes da música brasileira quando numa noite, em Bonsucesso, um ano depois do título de 1974, abordou um jovem vizinho de prédio que subia e descia as escadas diariamente com violão debaixo do braço. O diálogo foi assim:
-- Meu vizinho, você sempre passa com o violão aí. O que você faz?
-- Eu faço música, canto na noite, voz e violão.
-- Você faz samba?
-- Tenho samba também.
-- Canta para mim aí, senta aí.
Os dois se sentaram na calçada, repousaram as costas no muro do prédio. O menino começou a cantar esses versos:
“Malandro
Eu ando querendo falar com você
Você tá sabendo que o Zeca morreu?
Por causa de brigas que teve com a lei
Malandro
Eu sei que você nem se liga pro fato
De ser capoeira, moleque mulato
Perdido no mundo, morrendo de amor
Malandro
Sou eu que te falo em nome daquela
Que na passarela é porta-estandarte
E lá na favela tem nome de flor
Malandro
Só peço favor de que tenhas cuidado
As coisas não andam tão bem pro teu lado
Assim você mata a Rosinha de dor”
O vizinho do Capita era o sambista Jorge Aragão, que então nem sabia que era tão sambista assim. Alcir pediu que cantasse novamente.
- Eu cantei e ele: "amanhã vou te apresentar um camarada meu, acho que ele precisa conhecer você" - contou Aragão, em entrevista ao Brito Podcast.
O cantor não acreditou que o capitão do Vasco ligaria, mas o jogador cumpriu a promessa. O levou ao tal amigo, o sambista Neoci. Outro a se encantar tanto, que fez a ponte para que a canção "Malandro" fosse gravada por Elza Soares e se tornasse um sucesso.
Ali nasceu uma amizade, mais que uma amizade. A biografia “Fundo de Quintal, o som que mudou a história do samba” (Malê, 2022), escrita pelo jornalista e ex-produtor do grupo Marcos Salles, conta que Aragão passou a encontrá-los nas noites de quarta-feira do bloco Cacique de Ramos, onde amigos se reuniam para jogar uma pelada na quadra de futsal, jogar baralho e tocar um samba. O cantor, que não era da bola nem do baralho, ficava com o que entendia, o violão.
No time do Cacique de Ramos tinha outro campeão brasileiro pelo Vasco, o jovem atacante Galdino. Ele era de casa, da família dos fundadores do bloco carnavalesco e também cultivava uma amizade forte com Alcir.
-- Naquela época a gente treinava de manhã em São Januário ou ia correr nas paineiras. O treino começava 8h. E a gente tinha um preparador físico "Caxias". Então a gente entrava no jogo, cada um para cada lado, mas só ficávamos uns 10, 20 minutos, com medo de machucar. A gente tomava a cervejinha e não ficava muito tempo no pagode - contou Galdino, ao ge.
Mas enquanto ficavam por algum tempinho, Galdino assumia o surdo ou tantã - instrumento criado por seu tio Sereno - e Alcir pegava o tamborim para se juntar à batucada.
E a missão de reunir gente boa continuava. Galdino se recorda de um episódio em especial. Ele, Alcir e Neoci foram a um pagode no Morro do Salgueiro e se encantaram quando Almir Guineto começou a tocar as cordas do banjo, outro instrumento relativamente novo, do qual o pai de Almir fora um dos precursores.
-- Neoci falou: “Galdino, quando acabar o treino do Vasco, vai no Salgueiro e busca o Almir. O Alcir foi comigo. Nós chegamos ao Cacique e eu peguei o banjo no carro. Quando o Almir tocou na roda de samba, o pessoal enlouqueceu -- disse o ex-jogador, que atualmente é diretor de bateria do Salgueiro.
Um tempo depois, Guineto, intérprete de sucessos como “Conselho” e “Insensato Destino”, passou a integrar aquele time.
A fama do pequeno encontro de amigos foi percorrendo as ruas do subúrbio para atrair mais gente. Outros jogadores de futebol que gostavam de samba também passaram a bater ponto, eram nomes importantes da bola, como o tricampeão do mundo Jairzinho, Moisés, Luxemburgo, Brito, Marinho, Afonsinho.
Algo único acontecia ali no bairro de Ramos e Alcir sabia. Achava que uma amiga, em especial, precisava conhecer aquele ambiente. Era uma quarta-feira de pagode, ele atravessou a rua Uranos, foi até um orelhão e telefonou para Beth Carvalho, estrela do samba, de quem era amigo. Garantiu que ela não se arrependeria de sair da Zona Sul para dar uma chegadinha em uma quadra do outro lado do Rio.
-- Eles andavam juntos. Iam para a quadra da Mangueira, da Portela, lugares de samba. Mas não como no Cacique, ela fica louca quando chega lá e então passa a ir toda quarta. E o Alcir é o grande responsável -- contou o biógrafo Marcos Salles.
Beth decidiu convidar os talentosos músicos do Cacique de Ramos para tocarem com ela, para serem sua banda. A primeira formação do grupo Fundo de Quintal foi composta por Jorge Aragão, Bira Presidente, Ubirany, Sereno, Neoci Dias, Almir Guineto e Sombrinha. O passo seguinte foi produzir um álbum só deles, um projeto que abrigasse as canções que ditavam o ritmo das ruas do subúrbio. Assim nasceu o LP Samba é no Fundo de Quintal Vol.1.
Fonte: ge
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