Futebol

Adilson tem chance de se reerguer na carreira após 4 anos de grande momento

 Por cinco vezes em meia hora de entrevista coletiva, Adilson Batista usou a palavra confiança para falar do trabalho que pretende colocar em prática no Vasco. O ex-zagueiro, de 1,83m, de Adrianópolis, interior do Paraná, tem a oportunidade de reconquistar a autoconfiança própria em curto - e arriscado - prazo em São Januário. Depois de ficar a um gol do título da Libertadores em 2009 com o Cruzeiro - decisão perdida para o Estudiantes da Argentina, do craque Verón, no Mineirão -, o jovem treinador de 45 anos, fã do argentino Marcelo Bielsa e capitão de uma geração vencedora do Grêmio de Felipão, retorna a um grande clube do futebol brasileiro mais de dois anos após passagens relâmpagos e malsucedidas por São Paulo, Atlético-PR e Santos (todos em 2011), além do Corinthians, em 2010.

- Não dá para dizer não a um Vasco da Gama - disse Adilson, na coletiva de imprensa de apresentação em São Januário, entre o presidente Roberto Dinamite e o diretor executivo de futebol, o também ex-zagueiro Ricardo Gomes.

O ex-zagueiro chega sozinho para sua primeira experiência no futebol carioca - sem auxiliar técnico ou preparador físico (as funções serão ocupadas pelo membro fixo da comissão técnica e ex-zagueiro Jorge Luiz e pelo fisiologista Daniel Gonçalves, respectivamente). Ele terá em sua equipe apenas um profissional que faz edição de vídeos e estudos de adversários.

Como Adilson mesmo lembrou, em outras oportunidades, quando tirou times da zona de rebaixamento, ele tinha mais tempo. Aos 35 anos, recém-aposentado, foram 19 rodadas no Grêmio, que escapou da queda para a Segundona. Nas duas temporadas seguintes, no Paysandu e no Figueirense, com 23 e 22 jogos para o fim, respectivamente, também foi capaz de liderar campanhas regulares e escapar do rebaixamento. Em São Januário, o tiro é curto e as decisões, mesmo que imediatas, devem ser bastante analisadas pelo treinador.

 Um bom exemplo dessa análise mais fria do novo treinador do Vasco, que ao longo da carreira ficou reconhecido como obcecado pelo trabalho, por detalhes táticos e técnicos de suas equipes, mas também com temperamento capaz de proporcionar problemas de relacionamento em resquícios ainda do jeitão permanente de capitão de time, foi a mensagem que passou para quem esperava mudanças radicais logo de cara. A entrada do jovem Jordi no gol, por exemplo, foi descartada por ora.

- Não é o momento de fazer loucuras ou experiências. Vamos precisar de bom senso, inteligência, vamos passar confiança, é disso que precisamos nesse momento - disse o treinador, que fez questão de lembrar das “duas defesaças” de Alessandro no jogo contra a Ponte Preta, do último domingo.

Adilson contou ter ficado “quase três horas” conversando com Jorge Luiz, Carlos Germano e com Ricardo Gomes, logo no primeiro dia. Os contatos do primeiro dia só terminaram na madrugada de terça-feira, quando viajou para o Rio e logo se apresentou ao Vasco. O técnico, inclusive, para não perder tempo, recebeu uma bandeja vinda do Restaurante do Almirante para almoçar dentro do departamento de futebol.

- Já vim (para o Rio) vendo material para ter noção do que encontrar aqui - lembrou Adilson, que é do tipo que assiste a cinco jogos por dia e que quando está desempregado viaja para conhecer outras escolas de futebol pela América do Sul e pela Europa.

Caderninho de anotações e voadora

Homem de confiança de Felipão nos tempos de Grêmio, Adilson fora escolhido em 1995 pelo atual treinador da seleção para seguir os passos do Ajax, adversário daquele Mundial. O Grêmio empatou a partida, perdeu a decisão nos pênaltis, mas anulou um timaço que, à época, tinha Van der Sar, Ronald e Frank de Boer, Overmars, Davids, Kluivert e outros jogadores que compuseram a base da seleção holandesa na década de 1990. Num caderninho que usa até hoje, ele anotava treinamentos, descrevia atividades e fazia observações.

 Mauro Galvão, hoje diretor da base vascaína, com quem atuou no ano de 1996, lembra que já era notável o espírito de liderança e a noção tática do zagueiro gremista.

- É um cara que sempre procurou prestar atenção em tudo que acontecia, que sempre olhou para todo o processo que acontece dentro do futebol, da parte tática ao regulamento, do que cerca o jogo. Um ex-jogador que conseguiu aproveitar as passagens ao lado do Luiz Felipe (Felipão), que fez seu aprendizado, e que mostra nesse desafio que assumiu no Vasco confiar no seu trabalho - disse o capitão da Libertadores de 1998, pelo Vasco, sobre o capitão das Américas gremista, de 1995.

Uma das cenas mais famosas de Adilson como treinador, uma voadora nas placas de publicidade para comemorar o gol da virada do Cruzeiro sobre o Santo André na reta final do Brasileiro de 2010 - o resultado mantinha a equipe com chances de chegar à Libertadores -, mostra um pouco o temperamento irrequieto e explosivo do ex-zagueiro.

- Pelo que conheço do trabalho dele, acompanhando de longe o excelente trabalho no Cruzeiro e em outros times, o jeito dele como treinador não difere muito da época em que jogava. Era um zagueiro agressivo, no sentido de sempre querer ganhar os jogos, de técnica boa, de muita liderança e que se impunha dentro de campo - disse o novo auxiliar Jorge Luiz.

Questionado sobre as características que o assemelham com ex-comandados, como Felipão, Adilson defendeu métodos de trabalho.

- Disciplina a gente tem que ter para tudo. Dentro de casa, na escola, no trabalho. Trabalhei com muita gente que exigia e a gente acabou conquistando coisas e crescendo profissionalmente. É importante esse aspecto disciplinar, mas eu gosto que jogue futebol, gosto da escola holandesa. O próprio Vasco sempre teve um bonito toque de bola. Sobre ser explosivo ou nervoso? Isso é o jogo em si que proporciona inúmeras situações. A gente tem que se entregar, trabalho com amor e carinho. Procuro ser enérgico, vibrante, porque o próprio clube te cobra isso. A alma do torcedor vascaíno é apaixonada. Enfrentei várias vezes e sei da dificuldade que existe de jogar contra o Vasco aqui. Ainda bem que agora vou jogar a favor - disse o treinador, em entrevista à Rádio Bradesco Esportes FM.

Em entrevista recente ao GLOBOESPORTE.COM, em julho do ano passado, Adilson dizia que estava estudando e se esforçando para conseguir melhorar relacionamento com jogadores, dirigentes e jornalistas.

Na coletiva de apresentação no Vasco, muito calmamente, não deixou de falar em cobrança, profissionalismo e responsabilidade nas primeiras palavras em São Januário. Nos tempos de Corinthians e São Paulo causou impressões distintas sobre atitudes no dia a dia. Recentemente, admitiu que, por ser “puro e verdadeiro”, acabou dizendo coisas que não deveria a atletas e cartolas.

- Temos de ter alguns cuidados para não magoar determinadas pessoas. Vejo alguns atletas que não têm condições de estar em equipes grandes, e estão. Falo isso para o diretor, mas temos que conviver. Uma vez chamei atenção de jogador experiente na frente do grupo, não era o momento adequado. Vamos melhorando isso - disse Adilson, em julho do ano passado, ao GLOBOESPORTE.COM.

A "brincadeirinha" do Professor Pardal

No São Paulo, Adilson foi demitido, mas recebeu o carinho de Rogério Ceni, que o entregou uma camisa personalizada na despedida do Morumbi. Mas ainda nos tempos de jogador teve como desafeto Danrlei, outro goleiro histórico, do Grêmio. No Corinthians, houve rusgas com jogadores, embora todos admitissem os conhecimentos e a perspicácia do jovem treinador, que uma vez se autodefiniu, ironicamente, como Professor Pardal.

- Essa história de Professor Pardal foi uma brincadeira minha mesmo. No Cruzeiro, escalei um volante na zaga contra o Ituiutaba, por causa de cartões, e estávamos ganhando de 4 a 1. Depois, troquei por zagueiro na posição e deu 4 a 4. Chamei para mim a invenção, quis brincar, foi uma ironia - recordou o técnico vascaíno, em outro trecho da mesma entrevista.

Adilson lembrou em sua chegada que vai ter 40 dias em São Januário. Ele promete fazer desse período uma verdadeira imersão pelas tradicionais e turbulentas águas vascaínas. Na primeira conversa no vestiário, pediu a todos integrantes da comissão técnica todo o apoio, em relatórios e atenção, para que encurtasse a distância do desconhecimento que ainda tem de algumas peças e particularidades da equipe e do clube.

Apelidado de “Pezão” na infância pela família em Adrianópolis, o jovem treinador, que morou no centro de treinamento do São Paulo, caiu de corpo e alma no Vasco nas últimas pegadas vascaínas. O objetivo é se agarrar com unhas e dentes nas pequenas chances de permanecer na primeira divisão.

- Vou respirar cada instante no Vasco, vivenciar cada jogo, cada uma das sete decisões - afirmou o treinador vascaíno, a última esperança da temporada de 2013 do Vasco.

Fonte: ge